quinta-feira, 23 de maio de 2024

Lu Aiko Otta - Até aqui tudo bem, mas Rio Grande do Sul tira o sono de Haddad

Valor Econômico

Segundo bimestre trouxe projeções apontando para o cumprimento das regras fiscais

Como esperado pelos especialistas, o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 2º bimestre trouxe projeções apontando para o cumprimento das regras fiscais. O resultado primário ficou negativo em R$ 14,5 bilhões, dentro da margem de tolerância da meta de déficit zero, que é de R$ 28,8 bilhões.

Além disso, os R$ 2,9 bilhões que haviam sido bloqueados na edição anterior do relatório, em março, foram liberados. Isso foi possível por causa da incorporação de um crédito suplementar de R$ 15,8 bilhões, que elevou o limite de despesas do arcabouço fiscal. No relatório anterior, esse limite estava extrapolado, daí o bloqueio.

Esse crédito, que ocorrerá apenas desta vez, decorre de uma regra de transição do arcabouço fiscal, ligeiramente modificada por um “jabuti” incluído, por articulação atribuída nos bastidores à Casa Civil, na lei que recriou o DPVAT.

Conforme havia antecipado mais cedo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, mesmo com a incorporação da margem extra no limite de despesas, o resultado primário projetado segue dentro da margem de tolerância da meta.

No entanto, o quadro positivo não poderia ser mais provisório.

O primeiro quadrimestre do ano foi “excepcional”, qualificou Haddad. Não só para as contas públicas, como para a inflação, o crescimento econômico e o mercado de trabalho.

Mas, acrescentou, “não temos a dimensão do desafio econômico que o Rio Grande do Sul vai representar.” Ele contou que tem dormido menos desde o início das chuvas no Estado, pensando nos próximos passos. Assim, o terceiro bimestre do ano preocupa, admitiu.

Ao mesmo tempo, disse esperar que as medidas de recuperação do Estado surtam efeito ainda este ano. O mesmo raciocínio foi repetido mais tarde pelo secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, na divulgação do relatório. Ele comentou que só com o tempo será possível saber o quanto o saldo ficará negativo, ou se será até mesmo positivo.

Antes mesmo das incertezas geradas pelas chuvas no Rio Grande do Sul, porém, já havia dúvidas sobre as contas deste ano e, principalmente, nos anos seguintes.

O economista-chefe da AZ Quest, Alexandre Manoel, deu como exemplo a incerteza quanto ao desempenho de medidas anunciadas pelo governo, como os julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Não há informações sobre quanto foi obtido.

Nessa frente, o governo projetou receitas de R$ 54,7 bilhões no orçamento, dos quais espera conseguir R$ 49,6 bilhões de maio a dezembro, informa o relatório. Questionado, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, informou que os julgamentos estão a todo vapor e que, a partir de maio, haverá um código específico para os recolhimentos. Com isso, será possível saber com mais precisão quanto foi obtido nos julgamentos.

Nesse relatório bimestral, as receitas primárias apresentaram alta de R$ 16 bilhões. Segundo Barreirinhas, houve rearranjos na classificação que explicam a queda de R$ 16,4 bilhões nas administradas e aumento de R$ 9,7 bilhões nas previdenciárias.

Além disso, as receitas não administradas apresentaram alta de R$ 22,7 bilhões. A principal explicação foi a previsão de entrada de R$ 13 bilhões em dividendos extraordinários da Petrobras, embora o conselho da estatal tenha aprovado apenas metade desse valor.

O detalhe é que as receitas foram projetadas sobre uma expectativa de crescimento econômico de 2,5% este ano. Esse número havia sido estimado antes das chuvas no Rio Grande do Sul e não pôde ainda ser recalculado.

O crescimento das despesas obrigatórias, por sua vez, é apontado por técnicos como principal fator de risco para as contas públicas. No relatório, cresceram R$ 20,1 bilhões, explicados em parte pelas medidas de socorro ao Rio Grande do Sul.

Os gastos com previdência foram reestimados em R$ 3,5 bilhões, após acréscimo de R$ 5,6 bilhões no relatório anterior. O secretário do Tesouro Nacional, Paulo Bijos, comentou que a rubrica segue acompanhada de perto, pois representa metade o limite de despesas.

É bastante provável que o próximo relatório traga um retrato negativo dos impactos das enchentes no Rio Grande do Sul. Na expectativa do governo, o cenário melhorará nos bimestres seguintes.

Ainda que os dados melhorem e que a meta do ano seja cumprida, as preocupações com a sustentabilidade das contas públicas seguem presentes. Isso porque o avanço dos gastos obrigatórios ameaça inviabilizar o arcabouço fiscal em alguns anos.

 

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