quinta-feira, 23 de maio de 2024

Alex Ribeiro - Haddad assusta mercado no monetário, mas acerta no fiscal

Valor Econômico

Afirmações sobre "fantasminha" e "coro velado" ampliaram pressão nos juros e dólar

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, assustou os mercado financeiro com a afirmação de que “tem um fantasminha” e um “coro velado” dizendo que a inflação está muito alta, contribuindo para a pressão nos juros negociados em mercado e para a alta na cotação do dólar.

Mas, ao longo de horas de depoimento na Câmara dos Deputados, ele fez um dos seus melhores diagnósticos sobre como — na sua linguagem — “harmonizar” a política monetária e fiscal. São necessárias reformas nas instituições fiscais, como a vinculação constitucional de receitas, para aumentar a potência da política monetária e levar a inflação para a meta, definida em 3%.

As declarações de Haddad assustaram porque, ultimamente, o mercado está arisco com a possibilidade de interferência política no Banco Central, depois que os quatro membros indicados pelo governo Lula deram votos dissidentes para uma baixa mais forte de juros em reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) ocorrida há duas semanas.

Ministros da Fazenda sempre causam estragos quando falam sobre assuntos do BC. Foi o que ocorreu, por exemplo, quando Paulo Guedes defendeu a venda de reservas cambiais. Haddad está mais no foco porque, provavelmente, será consultado para a escolha de três novos membros do BC, incluindo o presidente.

Haddad tem razão quando diz que o esforço desinflacionário em 2023 foi maior do que aparenta, porque o governo Bolsonaro provocou uma queda artificial e temporária de tarifas de energia com o corte de impostos. Mas daí a concluir que a inflação está baixa e totalmente sob controle vai uma grande distância.

No ano passado, os índices de inflação caíram além do esperado graças à queda de preços internacionais, como bens industriais e petróleo. A baixa do IPCA cheio levou a uma inércia positiva, que desacelerou os reajustes de preços de serviços. Tudo isso levou a inflação para 3,69% nos 12 meses até abril.

Esse efeito já passou. O mercado acha que, neste ano e no próximo, a inflação ficará praticamente estável, sem ir para a meta de 3%. O BC se vê às voltas com uma economia e um mercado de trabalho mais aquecidos que o esperado, com juros internacionais mais altos, aumento de incertezas fiscais e desancoragem das expectativas de inflação.

Haddad fez o que, talvez, foi o seu melhor diagnóstico sobre como o fiscal pode ajudar a baixar a inflação. Em outras vezes, ele deu ênfase na importância de cortar o juro para sustentar a economia e a arrecadação. O discurso dava a impressão de que o fiscal dominaria o monetário. Ontem, ele disse que o plano, desde o início do governo, é reduzir a expansão fiscal para substituí-la pela expansão monetária.

O mais importante , porém, foi o seu diagnóstico mais estrutural. “Se o Brasil está com dificuldade de cumprir uma meta mais baixa, e se a inflação fica insensível à taxa de juro, nós temos que pensar nas condições institucionais do país”, disse. “ É o nosso quadro fiscal no sentido amplo, as vinculações, uma série de problemas da nossa Constituição, aos quais não foram dados os tratamentos adequados.”

 

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