O Estado de S. Paulo
Gastar é bom. Economizar é ruim. Essa ideia geral não sai da cabeça dos donos do poder e mesmo do imaginário social. É urgente reformar o Orçamento público
O País não consegue superar a desorganização
das contas públicas desde a época da contabilidade criativa, iniciada há 15
anos. A literatura de orçamento fala no chamado viés deficitário dos governos.
Por aqui, temos algo um tanto distinto: é um vício deficitário. Gastar é bom.
Economizar é ruim. Essa ideia geral não sai da cabeça dos donos do poder e
mesmo do imaginário social. É urgente reformar o Orçamento público para
mudarmos de rumo.
Não somos incapazes de gerar regras fiscais razoáveis. Nosso vício tem sido descumpri-las. Ficamos presos ao curtíssimo prazo, sem tempo para forjar o futuro, sem pensar sobre o financiamento do desenvolvimento econômico do País e o real papel do Estado.
Não existe vento bom para nau sem rumo.
O ex-ministro da Fazenda e ex-chanceler do
governo João Goulart, San Tiago Dantas, um dos maiores intelectuais públicos do
século 20, disse, em 1963: “Um país onde se desencoraja a empresa privada ao
mesmo tempo que se deteriora a empresa pública nem se está preparando para uma
expansão capitalista nem para uma socialização, mas está simplesmente
deixando-se ir ao impulso de uma corrente descendente, que pode ancorá-lo numa
estagnação a longo prazo ou precipitá-lo na desordem social”. Ele anteviu o que
vivenciaríamos nos tempos atuais. O baixo crescimento econômico seria o
resultado da desorganização, da falta de rumo e de planejamento.
O Estado é a ordem jurídica e a organização
que a garante. Ele só existe sob financiamento adequado e sustentável. Ou as
políticas públicas necessárias para viabilizar a Constituição e as leis
bancam-se por geração espontânea? Eis a importância do processo orçamentário.
O Orçamento público não é instrumento para
garantir nacos de recursos a setores próximos do poder. O processo orçamentário
tem de pautar-se por critérios como: isonomia, equilíbrio fiscal intertemporal,
eficiência, eficácia, transparência, apuração por competência (e não caixa),
avaliação e monitoramento permanente dos gastos, planejamento de médio e longo
prazo, busca do desenvolvimento econômico, modernização e revisão permanente
dos programas escolhidos no passado e outros tantos (e hoje tão ausentes).
Aqui, o Orçamento ainda é tratado como a
contabilidade do boteco da esquina, na lógica do dinheiro que entra e que sai
do caixa, e não da competência, isto é, dos compromissos firmados e, portanto,
empenhados para determinado prazo.
A agenda da reforma orçamentária deveria
pautar-se em dez elementos:
1) Reforma da Lei de Finanças Públicas (Lei
n.º 4.320/1964). Objetivo: estabelecer parâmetros econômicos e orçamentários,
conceitos, procedimentos e regras gerais hoje amontoadas na Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO), anualmente, e em outras normas.
2) Transformação do Plano Plurianual (PPA) em
um plano de desenvolvimento de médio e longo prazo. Objetivo: modificar o
caráter quase ilustrativo do PPA, alterando-o para um orçamento plurianual
vinculado à Lei Orçamentária Anual (LOA).
3) Fortalecer a Instituição Fiscal
Independente (IFI) para que suas projeções de receitas e despesas sirvam ao
processo orçamentário. Objetivo: escrutinar o processo orçamentário
formalmente, além do que a instituição já promove com seus estudos e pressão
formal e informal sobre o Executivo, aliás, um avanço consolidado no bojo do
Senado.
4 e 5) Incorporar as avaliações de políticas
públicas e as revisões periódicas do gasto na LDO e na LOA. Objetivo: mudar o
eixo do debate político em torno do Orçamento, hoje concentrado na partilha de
recursos para emendas parlamentares. O processo de revisão de gastos (spending
review) deve ter frequência estabelecida em lei e ser obrigatoriamente
considerado no processo orçamentário típico, isto é, deve ensejar mudanças
orçamentárias para valer.
6) Acabar com a “impositividade” especial das
emendas parlamentares. Objetivo: devolver o Orçamento público a quem a
Constituição determina que o elabore e o execute, isto é, o Poder Executivo. O
papel do Legislativo é fiscalizar, emendar (desde que corte gastos) e dar
parecer. Não é governar.
7) Desindexar todas as despesas públicas.
Objetivo: fortalecer o processo orçamentário, no qual se deve decidir o
comportamento das despesas, inclusive a partir dos mecanismos de avaliação e
monitoramento.
8) Desvinculação ampla. Objetivo: retirar as
rigidezes do Orçamento público, que em geral não promovem a melhoria dos
serviços públicos; ao contrário, apresentam-se como um fim em si mesmo. Mudar a
lógica de que carimbos e represamentos de fatias do Orçamento teriam o condão
de produzir mais e melhores políticas públicas.
9) Criar, no PPA e na LOA, em conjunto com os
Estados, a lista de obras prioritárias para curto, médio e longo prazo, cujo
caráter será mandatório. Objetivo: destinar o espaço fiscal, que, no caso de
ser implementada a agenda em tela, será crescente, a investimentos de boa
qualidade.
10) Restabelecer uma política de geração de
superávits primários, mas em bases recorrentes. Objetivo: ampliar o esforço
fiscal recorrente na próxima década. Essa política tem de estar fixada em lei,
expressamente, em uma modificação que proponho, portanto, para a lei do novo
arcabouço fiscal.
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