segunda-feira, 29 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desmatamento amplia escassez de água no Brasil

O Globo

Faltam políticas eficazes para a proteção das nascentes dos rios e das reservas de água doce do país

Conhecido por concentrar 12% da água doce do mundo, incluindo dois dos maiores aquíferos do planeta (Guarani e Alter do Chão), o Brasil começa a enfrentar escassez crônica de água onde antes ela era abundante. O principal motivo é o desmatamento.

Quando chove, o solo sob as árvores funciona como uma esponja. “Cria-se uma gigantesca caixa- d’água debaixo das florestas”, escreveu em artigo recente no jornal O Estado de S. Paulo o economista Cláudio de Moura Castro. “Essa caixa vaza, lentamente, abastecendo os lençóis freáticos. Em algum lugar, esses lençóis viram nascentes que, ao longo do ano, fluem para os rios.” Sem as árvores, “a água da chuva escorre célere, pois o terreno pelado não a absorve”. As nascentes e lençóis freáticos secam aos poucos.

De 1985 a 2023, segundo levantamento do projeto MapBiomas, a superfície de água doce no Brasil encolheu 30,8%. Algo como 6 milhões de hectares em espelho d’água, equivalentes à área de cinco cidades como São Paulo, desapareceram. Já há casos de desentendimento pela falta de água, segundo disse Marcos Rosa, coordenador do MapBiomas, ao podcast O Assunto, do g1.

No distrito de Junco, em Juazeiro, na Bahia, produtores de frutas irrigam as plantações numa região alta, e a água que chega para mais de 300 pequenos agricultores já não é suficiente para suas necessidades. Na Amazônia, onde rios são fonte de sustento e meio de transporte, as populações ribeirinhas têm necessitado de mais apoio para receber água e comida.

A água que chega ao Pantanal vem de chuvas na cabeceira de rios do Semiárido, que aos poucos inundam a região plana. A cada ano a inundação tem sido menor, diz Rosa. O Rio Paraguai, em Mato Grosso do Sul, costumava subir 4 ou 5 metros no período da cheia. Agora, passa pouco de 1 metro.

A seca tem favorecido a disseminação das chamas, a maior parte delas resultado de ação humana. Desde o início do ano, segundo Rosa, foram detectados mais de 12 mil focos de incêndio no Pantanal, que se propagam com facilidade na vegetação ressecada. Houve crescimento de 31% em comparação com o mesmo período do ano passado, o pior resultado obtido desde 1998, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou a rastrear o fogo na região.

A Amazônia, maior floresta tropical do mundo, já perdeu 27,5% de sua vegetação original. No Cerrado, onde estão as nascentes de muitos rios, a destruição já chegou a 53,4%. Como resultado, tem chovido menos no Brasil Central, uma grave ameaça para a produtividade do agronegócio.

Está em jogo com a crise da água não só a agricultura, mas também o abastecimento das cidades. O desmatamento está concentrado em apenas 0,96% das 7 milhões de propriedades rurais brasileiras. É, portanto, um problema que já deveria ter sido resolvido. É preciso haver consciência em Brasília da necessidade de preservar e plantar novas árvores para que, mesmo diante das mudanças climáticas, o Brasil possa continuar a desfrutar a abundância de água que sempre o distinguiu.

Polícia se mostra despreparada para enfrentar criminalidade no meio digital

O Globo

Estelionatos e fraudes cometidas por meio de celulares ou mesmo IA impõem novos desafios a forças da lei

O celular tornou-se objeto de desejo no mundo do crime. Roubos e furtos ultrapassaram a marca de 1 milhão de aparelhos em 2019, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Depois recuaram, mesmo assim houve 937.294 registros em 2023. A queda recente pode ser enganosa. Embora tenham diminuído os roubos de celular, os furtos continuam em alta. A cobiça pelos aparelhos tem razão de ser.

Para os bandidos, ele se tornou porta de entrada a outro tipo de crime: capturar senhas de banco, cartões de crédito e débito, aplicativos de compras e informações pessoais — e, mesmo bloqueado, é possível vendê-lo em países onde o bloqueio de celulares brasileiros não funciona. Na descrição do pesquisador Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), as fraudes digitais se tornaram uma modalidade de crime com baixo risco e alto potencial de retorno.

Quando denunciadas, elas costumam ser classificadas como estelionatos. Em 2018, havia mais roubos que estelionatos — precisamente 1 milhão a mais. No ano passado, os estelionatos, impulsionados por informações retiradas de celulares alheios ou via ligações telefônicas fraudulentas, ultrapassaram em 1,1 milhão o número de roubos. A relação se inverteu. Ao mesmo tempo, assaltos a bancos e a outras instituições financeiras se tornaram mais raros. De 2022 para 2023, caíram quase 30%.

Todas essas mudanças impõem novos desafios à polícia. No entender dos pesquisadores do FBSP, as forças da lei ainda não se adaptaram para combater com eficiência os crimes cometidos no meio digital. Instrumentos úteis de inteligência contra crimes financeiros, como o sistema do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), são pouco usados pelas polícias estaduais. Também faltam policiais treinados para enfrentar esse tipo de crime. Quando um agente se qualifica, conta Lima, do FBSP, acaba contratado pelo mercado privado, onde o salário é bem mais alto. A segurança cibernética é uma preocupação crescente no mundo corporativo, que exige mão de obra mais preparada.

No futuro, é inequívoca a tendência de aumento na presença de criminosos no mundo digital, cujas portas são abertas com facilidade principalmente pelo acesso a informações pessoais de celulares. O avanço tecnológico tem contribuído para criar modalidades de crime ainda mais sofisticadas, em que as ligações dos estelionatários simulam vozes de pessoas conhecidas geradas por Inteligência Artificial (IA). A relevância do tema requer uma política pública específica não só para informar a população sobre os riscos que corre, mas também para capacitar policiais a um combate em que inteligência e conhecimento valem mais que a truculência.

Posições do Brasil no G20 carecem de ajustes domésticos

Valor Econômico

Crescimento é fundamental para diminuir as carências alimentares da população e melhorar a situação de vida em geral

Como presidente da vez do G20, o Brasil conseguiu alguns trunfos ao tornar suas políticas mais difundidas e aceitas pelos países do grupo, que reúne as economias mais avançadas entre as desenvolvidas e emergentes. É meritória a iniciativa de constituir uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, colocando a necessidade de erradicar esses dois flagelos como objetivo central de políticas públicas nos quatro cantos do planeta. Da mesma forma, o apelo para que as políticas tributárias sejam progressivas, e não regressivas, como as que existem no Brasil, parecem ter ampla receptividade internacional.

O Brasil tem resultados a apresentar desde que o presidente Lula colocou, em seu primeiro mandato, prioridade central à redução da pobreza e combate à fome. Um quarto de século depois da criação do Bolsa Família, no entanto, o programa mostrou que tem vulnerabilidades. O número de famílias que fazem parte dele não diminuiu, ao contrário, aumentou. Desde 2020, mais de R$ 1 trilhão foram gastos em programas sociais, e o resultado, pelos dados da Organização das Nações Unidas (ONU), é que o país ainda tem hoje 8,4 milhões de subnutridos, ou 3,9% da população brasileira, no período 2021-2023, que inclui o primeiro ano do terceiro mandato de Lula.

Há 700 milhões de pessoas famintas no planeta, o que indica que a prioridade para alimentá-las e torná-las cidadãs saudáveis é um objetivo inadiável. Ainda assim, segundo levantamentos dos programas e verbas disponíveis para isso, o mundo chegará a 2030 com mais de 500 milhões de pessoas que não sabem se terão alguma comida no dia seguinte. A chance de frustração de um dos principais objetivos de desenvolvimento sustentável entre os trinta designados pela ONU é enorme. Daí a importância de concentrar esforços para garantir a sobrevivência física de boa parte do planeta, explícita na constituição da aliança impulsionada pelo Brasil.

A saída do Brasil do Mapa da Fome em 2014 - o critério é o de 2,5% da população em estado de subnutrição no triênio - e sua volta depois não se deve apenas à pandemia, quando os recursos destinados à população carente não só não foram reduzidos, mas aumentaram. O ciclo econômico teve grande influência, e uma das maiores recessões da história republicana, sob o governo de Dilma Rousseff, contribuiu para isso a partir de 2014.

A lição é que o crescimento é fundamental para diminuir as carências alimentares da população e melhorar a situação de vida em geral. Nesse sentido, os programas sociais precisam não apenas ser eficientes e focados na parcela mais pobre da população, mas também favorecer o fim de sua dependência das transferências do Estado. Os programas inaugurados no primeiro mandato de Lula e perseguidos quase um quarto de século depois, em seu terceiro mandato, mostram-se insuficientes. Apresentá-los como exemplo de políticas bem-sucedidas ao resto do mundo é uma verdade que necessita de complemento, isto é, de políticas que promovam um crescimento tão contínuo quanto possível, baseado em práticas fiscais responsáveis e diretrizes que favoreçam o aumento da produtividade, em especial por meio da qualificação da mão de obra.

A aliança patrocinada pelo Brasil pode fazer muita coisa pelos países que estão mais atrasados, ao fornecer exemplos de práticas bem-sucedidas, o caminho para concretizá-las e, com alguma sorte, os meios para se obter financiamento para torná-las viáveis. No entanto, seu sucesso depende em igual proporção de políticas de crescimento sustentável, das quais o Brasil carece há muito tempo.

Da mesma forma, é um alento que o Brasil tenha conseguido alguma menção à taxação de fortunas que contribuem muito aquém do socialmente justo para a arrecadação de tributos dos entes nacionais. A progressividade dos impostos é um imperativo das sociedades democráticas, embora, como lembrou a secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, essa seja uma decisão de política soberana nacional. O governo Trump, legitimamente eleito em 2016, reduziu a carga tributária dos mais ricos com apoio popular para fazê-lo.

O Brasil obteve uma menção diluída à taxação especial dos super-ricos a ser feita na declaração final do G20, mas ela tende a ser inócua. Os governos do PT, e o de Lula agora, que se esforçaram para consagrá-la, não conseguiram fazer na esfera doméstica o que pregam no âmbito internacional - o esforço para isso parece ter sido mais retórico do que prático. Um exemplo é a montanha de R$ 560 bilhões de subsídios tributários existentes que beneficiam grupos de alta renda influentes sobre o aparelho de Estado, que continuam crescendo, com apoio do PT.

A presidência do Brasil no G20, no entanto, não se limita a isso. Há, apesar de tudo, progressos nas áreas de combate à fome e haverá em outros temas nos quais o país está bem posicionado, com bons exemplos a difundir em mudanças climáticas e políticas sociais inclusivas, por exemplo. Falta, no entanto, aproveitar exemplos externos de como crescer mais de forma saudável.

Guardas civis avançam com limites nebulosos

Folha de S. Paulo

Mais armadas, corporações podem ajudar na segurança desde que não colidam com papel da PM e sob controle institucional

Foi-se o tempo em que as guardas municipais se limitavam a uma espécie de linha auxiliar na segurança das cidades, como proteger o patrimônio público, fiscalizar o trânsito ou cuidar da ronda escolar.

Nos últimos anos, o recrudescimento da violência urbana estimulou prefeitos país afora a criar novas tropas ou alterar radicalmente o seu escopo de atuação, inclusive com o uso de armamento pesado —algo não previsto na Constituição de 1988, mas que acabou legitimado em decisão do Supremo Tribunal Federal de 2018.

Levantamento da Folha mostrou que há guardas civis em 22 capitais, 20 delas armadas (6, como São Paulo, fazem uso de fuzis).

A escalada para que essas corporações ganhem status de unidades de elite não para por aí: uma PEC no Congresso Nacional prevê ampliar a segurança jurídica para avalizar ações mais ostensivas e alterar o nome para Polícia Municipal.

Esse papel constitucional cabe à Polícia Militar, sob responsabilidade dos governos estaduais, mas o advento do Estatuto Geral das Guardas Municipais, de 2014, ampliou os poderes do grupo, autorizando o patrulhamento nas ruas, o uso progressivo da força e a realização de prisões em flagrante.

Em algumas capitais, agentes paramentados já se assemelham a pequenas tropas de choque, abordando suspeitos e combatendo furtos, roubos e o tráfico de drogas.

Às vésperas das eleições municipais, o discurso de incremento às guardas ganhou tração política —a violência urbana é preocupação precípua entre os eleitores, ainda que prefeitos tenham influência secundária em seu combate.

Não há dúvida de que, se bem treinadas e com papéis claramente delineados, as guardas municipais podem ser um relevante ativo no combate à criminalidade, sobretudo em cidades mais populosas.

O modelo de polícia municipalizada foi implantado em algumas metrópoles dos EUA já em meados do século 19. As responsabilidades incluem a manutenção da ordem pública e as investigações criminais —aqui, respectivamente, deveres das polícias Militar e Civil.

Como no Brasil já existe essa divisão de funções, e não há no horizonte imediato qualquer possibilidade de unificação das forças, seja sob comando municipal ou estadual, corre-se o risco considerável de que as guardas acabem se sobrepondo às prerrogativas da PM.

É amplamente conhecida por estudiosos da segurança pública a convivência desarmoniosa e pouco produtiva, para dizer o mínimo, entre as polícias Militar —esta um resquício anacrônico da ditadura— e Civil. Sem atribuições e limites determinados, um empoderado terceiro elemento pode complicar ainda mais essa relação.

Fome e Bolsa Família

Folha de S. Paulo

Insegurança alimentar cai, mas é preciso reduzir dependência em programa social

O Brasil continua fazendo parte do grupo que integra o Mapa da Fome das Nações Unidas. Em novo relatório do organismo, com dados relativos ao triênio 2021-2023, o país figura com 39,7 milhões de pessoas em insegurança alimentar. A boa notícia é que, em relação ao período de 2020 a 2022, quando 70,3 milhões estavam nesta situação, houve queda de 44%.

ONU qualifica a insegurança alimentar como "moderada" e "grave". Na primeira, há redução na quantidade ingerida e incerteza sobre o acesso a alimentos. Na segunda, ocorrência de um ou mais dias sem comida. Esta ainda afeta 14,3 milhões de brasileiros, ou 6,6% da população —ante 21,1 milhões (9,9%) no relatório anterior.

A redução entre os levantamentos do órgão pode ser explicada principalmente por dois fatores: o relaxamento, em 2022, das medidas mais restritivas impostas pela pandemia da Covid-19 e o aumento, naquele ano eleitoral, dos valores pagos pelo Bolsa Família.

O triênio 2021-2023 computa dois anos (2022 e 2023) em que o principal benefício social aos mais pobres no país foi reajustado para cerca de R$ 600. Na pesquisa anterior, apenas o ano de 2022 continha o valor neste patamar.

Os dados demonstram claramente a importância do Bolsa Família para que os brasileiros menos favorecidos consigam o básico: comer.

O lado negativo dessa moeda é a constatação de quão dependente o Brasil se tornou de um programa social para que parcela significativa da população possa sobreviver.

Em muitos estados do Norte e Nordeste há hoje, perturbadoramente, mais beneficiários do Bolsa Família do que trabalhadores com carteira assinada, o que revela a falta de dinamismo da economia.

O governo Lula (PT) comemorou os números da ONU e estima que o país deixará o Mapa da Fome ao seu término, em 2026. Até lá, com o Bolsa Família turbinado, isso é bastante factível.

O fundamental, porém, seria Lula ajustar as contas públicas e criar um ambiente econômico que permita aos brasileiros ter melhores empregos e ganhar mais, abrindo portas de saída para quem ainda depende de programas sociais.

Lula tem razão

O Estado de S. Paulo

Presidente está certo ao dizer que a fome decorre de escolhas políticas. E foram muitas as escolhas do lulopetismo que colaboraram para a vulnerabilidade de parte da população

Tem razão o presidente Lula da Silva ao afirmar, durante encontro do G-20 no Rio de Janeiro, que “a fome não é uma coisa natural” e que existe “por decisão política”. De fato, são decisões políticas que engendram as condições para que uma parte da população sofra de insegurança alimentar.

Lula não disse, mas algumas dessas decisões políticas foram suas, várias delas cruciais para piorar a vida dos mais pobres. Durante longos 13 anos, ele e sua criatura, Dilma Rousseff, deixaram deliberadamente de fazer reformas que poderiam modernizar o Estado brasileiro, dinamizar o setor produtivo e estimular o crescimento sustentável da economia, condição sem a qual milhões de brasileiros ficarão permanentemente à mercê da pobreza extrema.

A escolha política lulopetista foi deliberadamente a do atraso. Em vez de abrir a economia para obrigar a indústria e o mercado a se prepararem melhor para a competição internacional, Lula e Dilma preferiram dobrar a aposta no protecionismo, a partir de uma visão arcaica sobre o desenvolvimento. Resultado: baixa produtividade, acomodação de diversos setores a privilégios e precarização galopante do mercado de trabalho.

Além disso, Lula e Dilma fizeram opção preferencial pela dilapidação das contas públicas como alavanca do desenvolvimento, movidos pela convicção de que o Estado deve ser o protagonista da economia, cabendo à iniciativa privada papel acessório nesse esforço. Com tal espírito, as estatais se tornaram a vanguarda dessa grande fuga para trás. A corrupção na Petrobras foi apenas o problema mais escandaloso desse modelo: o Estado supostamente indutor do crescimento sangrou até ver quase esgotada sua capacidade de atender os mais necessitados em suas carências básicas.

O desequilíbrio das contas públicas, tão negligenciado por Lula e Dilma, levou à alta dos juros, à inflação e, por fim, à recessão – que atingiu fortemente os mais pobres, que em várias regiões do Brasil se tornaram absolutamente dependentes de programas de transferência forçada de renda para sobreviver.

São os pobres que sofrem também com decisões políticas de Lula que ajudam a sabotar a racionalização do Orçamento. Graças à sua ojeriza à desvinculação em geral, quase não há mais espaço orçamentário para investimentos em qualquer área, a começar pela social. Com isso, o Brasil anda de lado – mas quem passa necessidades não tem como esperar que o milagre lulopetista se realize.

No triênio 2021-2023, 8,4 milhões de brasileiros – ou 3,9% da população – passavam fome e estavam em quadro de subnutrição, segundo informou o mais recente relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo, conhecido como Mapa da Fome, elaborado pela ONU. O estudo mostra ainda que um quinto dos brasileiros, ou 39,7 milhões de pessoas, se encontrava em insegurança alimentar moderada ou grave. Significa dizer que essa parcela da população ou teve dificuldade para ter acesso a alimentos ou simplesmente não teve acesso por um dia ou mais.

Com o costumeiro tom messiânico, Lula afirmou, no pré-lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que vai tirar o Brasil do Mapa da Fome até o fim de seu mandato. Pode até acontecer, graças à injeção de recursos estatais em programas sociais e de valorização real do salário mínimo e das aposentadorias. Mas nada disso garante que a trágica situação será superada de vez. Ao contrário: perpetua a dependência e não cria condições para que os pobres consigam de fato ascender socialmente e ter a chance de viver definitivamente sem o pesadelo da fome.

O combate a essa chaga deve ser uma política de Estado permanente e um compromisso de todos. A saída para a falta de comida na mesa dos brasileiros exige mais do que um programa de transferência de renda pode entregar – e basta lembrar que o número de famílias atendidas pelo Bolsa Família saltou de 14 milhões para 21 milhões e o benefício médio cresceu da faixa dos R$ 200 para quase R$ 700, sem afastar o fantasma do prato vazio. Crescimento sustentado, geração de empregos de qualidade, distribuição da riqueza, abertura da economia, saúde eficiente e educação com resultados exitosos, e não demagogia, é o que livrará os brasileiros da fome.

Crime e ostentação no Tatuapé

O Estado de S. Paulo

PCC demonstra, mais uma vez, sua audácia e transforma área rica de São Paulo em ponto de lavagem de dinheiro, ostentação e execuções. Até mafioso italiano escolheu o bairro para viver

Audaciosos e brutais, criminosos do Primeiro Comando da Capital (PCC) se instalaram no Tatuapé, uma das regiões mais ricas de São Paulo. No bairro da zona leste, bandidos ostentam luxo ao mesmo tempo que amedrontam a população. A área que engloba o Jardim Anália Franco e a Vila Regente Feijó ganhou a alcunha – nada abonadora – de “Little Italy” ou “Sicília”, por ter virado a primeira base da opulência do crime organizado na cidade. Por lá, até integrante da ‘Ndrangheta – máfia da Calábria –, que agora virou delator na Itália e pode revelar ligações de bandidos brasileiros com o grupo europeu, decidiu viver.

Na região, negócios de criminosos que ascenderam da miséria ao movimentar fortunas com o tráfico transatlântico em parceria com a máfia italiana e também a máfia dos Bálcãs funcionam como lavanderias do dinheiro sujo da droga vendida para a Europa, África e Ásia. São investimentos, em nome de laranjas ou empresas de fachada, que incluem apartamentos de até R$ 20 milhões, lojas de carros importados, abertura de fintechs, postos de combustíveis e operações em criptomoedas. Lava-se dinheiro até no transporte público.

Para desespero da vizinhança, bandidos do PCC e comparsas ocupam imóveis em condomínios de alto padrão – entre eles o Edifício Figueira Altos do Tatuapé, o mais alto residencial da cidade, com 50 andares e 168 metros de altura –, frequentam bares e promovem festas regadas a vinho Pêra Manca, champanhe Dom Pérignon e uísque Johnnie Walker Blue Label. Pura extravagância.

Além de barrar o acesso de agentes municipais a regiões periféricas da capital, causando transtornos aos cidadãos, o crime agora leva alguns moradores a deixar o Tatuapé, cansados da baixeza de bandidos que assediam as mulheres. Nas cenas mais assustadoras, acertos de contas entre integrantes do PCC, com execuções, passaram a ser realizados nas ruas do bairro.

Todo esse cenário foi descrito pelo Estadão em recente reportagem. O jornal encontrou 41 endereços de apartamentos na região em 12 das 20 principais investigações abertas pela Polícia Federal, pela Polícia Civil, pela Receita Federal e pelo Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo. Nos últimos cinco anos, a recorrência com que diferentes forças de segurança bateram às portas dos condomínios atrás de bandidos despertou a atenção – houve prédio com seis unidades revistadas em quatro operações distintas.

Um dos capítulos dessa história do crime no Tatuapé envolve, ainda, o mafioso italiano Vincenzo Pasquino – agora delator. Ele vivia com sua mulher, Morena Maggiore, que fazia compras pelo bairro, como uma moradora comum, mas sempre acompanhada de um segurança. Pasquino chegou ao Brasil em 2017 para cuidar da logística do envio de droga da América do Sul e foi preso em 2022.

O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou sua extradição, que ocorreu em março. Na Itália, fora condenado a 17 anos de prisão por tráfico de drogas. Ao colaborar com a Justiça de seu país, fez relatos sobre a sociedade com brasileiros, que são considerados relevantes para investigações por aqui sobre o PCC e o Comando Vermelho e que merecem a atenção máxima das autoridades locais.

Os tentáculos da bandidagem preocupam. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou à GloboNews que o crime organizado se sofisticou e que o governo precisa aprimorar suas estratégias para combatê-lo. Tarcísio defendeu a realização de operações com o Ministério Público e o ataque à infiltração do PCC em setores econômicos legais. Vê-se que a cooperação internacional também se faz necessária.

Como mostra essa nova realidade do nefasto reinado do crime no Tatuapé, somente a integração de informações, a articulação entre as forças de segurança e o uso da inteligência serão capazes de causar danos à facção. A resposta a tamanha ousadia exige eficiência. Caso contrário, São Paulo assistirá a novas invasões, quando, a bem da verdade, nenhuma área do mapa da metrópole deveria estar sob o domínio do crime.

Violência reiterada

O Estado de S. Paulo

Menina de 13 anos estuprada é submetida a calvário judicial para garantir seu direito ao aborto

Precisou a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, intervir para que uma menina de 13 anos, vítima de estupro, pudesse realizar um aborto legal. Os entraves no acesso a esse direito são tantos que a história dessa garota de Goiás ilustra bem a marcha da insensatez em curso no País contra um procedimento previsto em lei há 84 anos. De passo em passo, uma garantia conferida a mulheres brasileiras é cerceada de tal modo que corre o risco de perder sua eficácia.

A saga da adolescente para ter autorizada a interrupção da gravidez foi longa. Primeiramente, ela foi violentada por um homem de 24 anos, e ato sexual com menores de 14 anos enquadra-se no crime de estupro de vulnerável. Depois, com a anuência de sua mãe, a menina queria abortar, mas seu pai se opôs. Uma juíza de primeiro grau autorizou a interrupção da gravidez, mas desde que se preservasse a vida do nascituro. Ou seja, impôs a antecipação do parto, o que não está na lei.

Houve recurso, e o caso chegou ao Tribunal de Justiça de Goiás. Lá, a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade achou correto e justo negar a realização do procedimento à menina porque seu pai alegou que não existiam indícios médicos de perigo para que se prosseguisse com a gestação. Foi apenas a decisão da presidente do STJ, do dia 25 de julho, que restabeleceu a previsão legal do Código Penal e cessou essa série de violências à qual a garota foi submetida.

O sofrimento, porém, só aumenta. Agora, a adolescente já está com mais de 28 semanas de gestação, e os riscos no procedimento tendem a ser maiores.

E esse calvário era completamente desnecessário. No Brasil, o aborto é autorizado em três situações, sem qualquer corte temporal. Pelo Código Penal, de 1940, o procedimento é previsto em caso de estupro e de risco de vida da gestante. Além disso, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), há a possibilidade de interrupção da gravidez de fetos anencéfalos.

É conhecido o desejo de parte do Congresso Nacional de endurecer a legislação referente ao aborto. Por exemplo, tramita neste momento um projeto de lei que trata como homicidas as mulheres estupradas que abortam a partir da 22.ª semana de gestação. O espírito desse texto vai na linha da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe médicos de realizarem a partir da 22.ª semana a assistolia fetal – uma técnica reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em que se induz a parada do batimento cardíaco do feto antes de sua retirada do útero. Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, a norma do CFM está suspensa.

A julgar pelo comportamento de alguns juízes e médicos, que dificultam o aborto o quanto podem, mesmo ao arrepio da lei, não é necessário recrudescer a legislação contra a interrupção da gravidez. É como se houvesse um direito consuetudinário, de cariz moralista, que torna ilegal o aborto legal.

Crise climática e saúde pública

Correio Braziliense

O governo federal criou uma secretaria extraordinária para coordenar, articular, orientar e monitorar as atividades de preparação da COP30

Em 2025, o Brasil sediará a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, no Pará. O governo federal criou uma secretaria extraordinária para coordenar, articular, orientar e monitorar as atividades de preparação do evento. Muitos são os temas globais a serem discutidos, mas é importante que o país aproveite a oportunidade para avançar nas pautas nacionais sobre o tema.

Pela primeira vez acontecendo na Amazônia, o encontro marcará os 10 anos do Acordo de Paris, a principal convenção climática das Organizações das Nações Unidas (ONU) e que estabeleceu metas para a redução de gases causadores do aquecimento global. A expectativa é de que a floresta, peça vital na balança do equilíbrio ambiental, ocupe espaço de destaque nos debates, com propostas de preservação e também de diminuição de emissões a partir de seu território.

Os olhares do mundo estão voltados para a terra amazônica há tempos e, cada vez mais, a emergência climática exige ações de proteção. O comportamento da humanidade determina o clima, e o clima influencia a vida das pessoas. No Brasil, assim como em outros países, situações extremas têm afetado a população.

Nos últimos meses, os estados brasileiros vêm atravessando períodos prolongados de tempo seco, comprometendo a regularidade das chuvas. Em 2023, o país viveu o ano mais quente da sua história — a exemplo do planeta, segundo os dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM). E o calor segue na previsão do tempo, com chance de superar o recorde do ano passado e promovendo alterações em várias situações do cotidiano.

Além do meio ambiente, da economia e da vida em sociedade, as mudanças climáticas interferem na saúde humana. Efeitos físicos e psicológicos, com a potencialização e o surgimento de enfermidades, são apontados em estudos. Os extremos de temperatura podem agir diretamente em diversos sistemas do organismo, conforme indicam pesquisadores. Outro impacto está diretamente ligado a vetores que transmitem doenças. Essa sensibilidade depende das vulnerabilidades individuais e coletivas, variando de acordo com idades e locais, por exemplo. Fato é que as consequências negativas no corpo são percebidas, reforçando e necessidade de medidas e a gravidade do cenário.

Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) alerta que mais de 70% dos trabalhadores que integram a força de trabalho global estão expostos a graves riscos para a saúde em razão das mudanças climáticas. De acordo com o documento, inúmeras condições estão associadas ao aquecimento, incluindo câncer, doenças cardiovasculares, respiratórias, disfunções renais e problemas de saúde mental. Crianças, idosos e pessoas com comorbidades são os mais suscetíveis.

As estratégias ambientais precisam estar integradas ao bem-estar dos cidadãos. Elaborar e aplicar um plano global que garanta a saúde humana e do planeta são desafios a serem vencidos urgentemente. Que a construção de alternativas seja meta diária de governos, de organizações e da sociedade. Que em novembro próximo, durante a COP29, em Baku, capital do Azerbaijão, decisões importantes saiam das mesas de conversas. E que, em 2025, na Amazônia, a busca por soluções para o equilíbrio ambiental apresente resultados amplos e novas saídas para a região e para o mundo.

 

 

 

 

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