Desmatamento amplia escassez de água no Brasil
O Globo
Faltam políticas eficazes para a
proteção das nascentes dos rios e das reservas de água doce do país
Conhecido por concentrar 12% da água doce do
mundo, incluindo dois dos maiores aquíferos do planeta (Guarani e Alter do
Chão), o Brasil começa a enfrentar escassez crônica de água onde antes ela era
abundante. O principal motivo é o desmatamento.
Quando chove, o solo sob as árvores funciona como uma esponja. “Cria-se uma gigantesca caixa- d’água debaixo das florestas”, escreveu em artigo recente no jornal O Estado de S. Paulo o economista Cláudio de Moura Castro. “Essa caixa vaza, lentamente, abastecendo os lençóis freáticos. Em algum lugar, esses lençóis viram nascentes que, ao longo do ano, fluem para os rios.” Sem as árvores, “a água da chuva escorre célere, pois o terreno pelado não a absorve”. As nascentes e lençóis freáticos secam aos poucos.
De 1985 a 2023, segundo levantamento do
projeto MapBiomas, a superfície de água doce no Brasil encolheu 30,8%. Algo
como 6 milhões de hectares em espelho d’água, equivalentes à área de cinco
cidades como São Paulo, desapareceram. Já há casos de desentendimento pela
falta de água, segundo disse Marcos Rosa, coordenador do MapBiomas, ao podcast
O Assunto, do g1.
No distrito de Junco, em Juazeiro, na Bahia,
produtores de frutas irrigam as plantações numa região alta, e a água que chega
para mais de 300 pequenos agricultores já não é suficiente para suas
necessidades. Na Amazônia,
onde rios são fonte de sustento e meio de transporte, as populações ribeirinhas
têm necessitado de mais apoio para receber água e comida.
A água que chega ao Pantanal vem de chuvas na
cabeceira de rios do Semiárido, que aos poucos inundam a região plana. A cada
ano a inundação tem sido menor, diz Rosa. O Rio Paraguai, em Mato Grosso
do Sul, costumava subir 4 ou 5 metros no período da cheia. Agora, passa
pouco de 1 metro.
A seca tem favorecido a disseminação das
chamas, a maior parte delas resultado de ação humana. Desde o início do ano,
segundo Rosa, foram detectados mais de 12 mil focos de incêndio no Pantanal,
que se propagam com facilidade na vegetação ressecada. Houve crescimento de 31%
em comparação com o mesmo período do ano passado, o pior resultado obtido desde
1998, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou a
rastrear o fogo na região.
A Amazônia, maior floresta tropical do mundo,
já perdeu 27,5% de sua vegetação original. No Cerrado, onde estão as nascentes
de muitos rios, a destruição já chegou a 53,4%. Como resultado, tem chovido
menos no Brasil Central, uma grave ameaça para a produtividade do agronegócio.
Está em jogo com a crise da água não só a
agricultura, mas também o abastecimento das cidades. O desmatamento está
concentrado em apenas 0,96% das 7 milhões de propriedades rurais brasileiras.
É, portanto, um problema que já deveria ter sido resolvido. É preciso haver
consciência em Brasília da necessidade de preservar e plantar novas árvores
para que, mesmo diante das mudanças climáticas, o Brasil possa continuar a
desfrutar a abundância de água que sempre o distinguiu.
Polícia se mostra despreparada para enfrentar
criminalidade no meio digital
O Globo
Estelionatos e fraudes cometidas por
meio de celulares ou mesmo IA impõem novos desafios a forças da lei
O celular tornou-se objeto de desejo no mundo
do crime. Roubos e furtos ultrapassaram a marca de 1 milhão de aparelhos em
2019, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Depois recuaram, mesmo
assim houve 937.294 registros em 2023. A queda recente pode ser enganosa.
Embora tenham diminuído os roubos de celular, os furtos continuam em alta. A
cobiça pelos aparelhos tem razão de ser.
Para os bandidos, ele se tornou porta de
entrada a outro tipo de crime: capturar senhas de banco, cartões de crédito e
débito, aplicativos de compras e informações pessoais — e, mesmo bloqueado, é
possível vendê-lo em países onde o bloqueio de celulares brasileiros não
funciona. Na descrição do pesquisador Renato Sérgio de Lima, presidente do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), as fraudes digitais se tornaram
uma modalidade de crime com baixo risco e alto potencial de retorno.
Quando denunciadas, elas costumam ser
classificadas como estelionatos. Em 2018, havia mais roubos que estelionatos —
precisamente 1 milhão a mais. No ano passado, os estelionatos, impulsionados
por informações retiradas de celulares alheios ou via ligações telefônicas
fraudulentas, ultrapassaram em 1,1 milhão o número de roubos. A relação se
inverteu. Ao mesmo tempo, assaltos a bancos e a outras instituições financeiras
se tornaram mais raros. De 2022 para 2023, caíram quase 30%.
Todas essas mudanças impõem novos desafios à
polícia. No entender dos pesquisadores do FBSP, as forças da lei ainda não se
adaptaram para combater com eficiência os crimes cometidos no meio digital.
Instrumentos úteis de inteligência contra crimes financeiros, como o sistema do
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), são pouco usados pelas
polícias estaduais. Também faltam policiais treinados para enfrentar esse tipo
de crime. Quando um agente se qualifica, conta Lima, do FBSP, acaba contratado
pelo mercado privado, onde o salário é bem mais alto. A segurança cibernética é
uma preocupação crescente no mundo corporativo, que exige mão de obra mais
preparada.
No futuro, é inequívoca a tendência de
aumento na presença de criminosos no mundo digital, cujas portas são abertas
com facilidade principalmente pelo acesso a informações pessoais de celulares.
O avanço tecnológico tem contribuído para criar modalidades de crime ainda mais
sofisticadas, em que as ligações dos estelionatários simulam vozes de pessoas
conhecidas geradas por Inteligência Artificial (IA). A relevância do tema
requer uma política pública específica não só para informar a população sobre
os riscos que corre, mas também para capacitar policiais a um combate em que
inteligência e conhecimento valem mais que a truculência.
Posições do Brasil no G20 carecem de ajustes
domésticos
Valor Econômico
Crescimento é fundamental para diminuir as
carências alimentares da população e melhorar a situação de vida em geral
Como presidente da vez do G20, o Brasil
conseguiu alguns trunfos ao tornar suas políticas mais difundidas e aceitas
pelos países do grupo, que reúne as economias mais avançadas entre as
desenvolvidas e emergentes. É meritória a iniciativa de constituir uma Aliança
Global contra a Fome e a Pobreza, colocando a necessidade de erradicar esses
dois flagelos como objetivo central de políticas públicas nos quatro cantos do
planeta. Da mesma forma, o apelo para que as políticas tributárias sejam
progressivas, e não regressivas, como as que existem no Brasil, parecem ter
ampla receptividade internacional.
O Brasil tem resultados a apresentar desde
que o presidente Lula colocou, em seu primeiro mandato, prioridade central à
redução da pobreza e combate à fome. Um quarto de século depois da criação do
Bolsa Família, no entanto, o programa mostrou que tem vulnerabilidades. O
número de famílias que fazem parte dele não diminuiu, ao contrário, aumentou.
Desde 2020, mais de R$ 1 trilhão foram gastos em programas sociais, e o
resultado, pelos dados da Organização das Nações Unidas (ONU), é que o país
ainda tem hoje 8,4 milhões de subnutridos, ou 3,9% da população brasileira, no
período 2021-2023, que inclui o primeiro ano do terceiro mandato de Lula.
Há 700 milhões de pessoas famintas no
planeta, o que indica que a prioridade para alimentá-las e torná-las cidadãs
saudáveis é um objetivo inadiável. Ainda assim, segundo levantamentos dos
programas e verbas disponíveis para isso, o mundo chegará a 2030 com mais de
500 milhões de pessoas que não sabem se terão alguma comida no dia seguinte. A
chance de frustração de um dos principais objetivos de desenvolvimento
sustentável entre os trinta designados pela ONU é enorme. Daí a importância de
concentrar esforços para garantir a sobrevivência física de boa parte do
planeta, explícita na constituição da aliança impulsionada pelo Brasil.
A saída do Brasil do Mapa da Fome em 2014 - o
critério é o de 2,5% da população em estado de subnutrição no triênio - e sua
volta depois não se deve apenas à pandemia, quando os recursos destinados à
população carente não só não foram reduzidos, mas aumentaram. O ciclo econômico
teve grande influência, e uma das maiores recessões da história republicana,
sob o governo de Dilma Rousseff, contribuiu para isso a partir de 2014.
A lição é que o crescimento é fundamental
para diminuir as carências alimentares da população e melhorar a situação de
vida em geral. Nesse sentido, os programas sociais precisam não apenas ser
eficientes e focados na parcela mais pobre da população, mas também favorecer o
fim de sua dependência das transferências do Estado. Os programas inaugurados
no primeiro mandato de Lula e perseguidos quase um quarto de século depois, em
seu terceiro mandato, mostram-se insuficientes. Apresentá-los como exemplo de
políticas bem-sucedidas ao resto do mundo é uma verdade que necessita de
complemento, isto é, de políticas que promovam um crescimento tão contínuo
quanto possível, baseado em práticas fiscais responsáveis e diretrizes que
favoreçam o aumento da produtividade, em especial por meio da qualificação da
mão de obra.
A aliança patrocinada pelo Brasil pode fazer
muita coisa pelos países que estão mais atrasados, ao fornecer exemplos de
práticas bem-sucedidas, o caminho para concretizá-las e, com alguma sorte, os
meios para se obter financiamento para torná-las viáveis. No entanto, seu
sucesso depende em igual proporção de políticas de crescimento sustentável, das
quais o Brasil carece há muito tempo.
Da mesma forma, é um alento que o Brasil
tenha conseguido alguma menção à taxação de fortunas que contribuem muito aquém
do socialmente justo para a arrecadação de tributos dos entes nacionais. A
progressividade dos impostos é um imperativo das sociedades democráticas,
embora, como lembrou a secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, essa seja
uma decisão de política soberana nacional. O governo Trump, legitimamente
eleito em 2016, reduziu a carga tributária dos mais ricos com apoio popular
para fazê-lo.
O Brasil obteve uma menção diluída à taxação
especial dos super-ricos a ser feita na declaração final do G20, mas ela tende
a ser inócua. Os governos do PT, e o de Lula agora, que se esforçaram para
consagrá-la, não conseguiram fazer na esfera doméstica o que pregam no âmbito
internacional - o esforço para isso parece ter sido mais retórico do que
prático. Um exemplo é a montanha de R$ 560 bilhões de subsídios tributários
existentes que beneficiam grupos de alta renda influentes sobre o aparelho de
Estado, que continuam crescendo, com apoio do PT.
A presidência do Brasil no G20, no entanto,
não se limita a isso. Há, apesar de tudo, progressos nas áreas de combate à
fome e haverá em outros temas nos quais o país está bem posicionado, com bons
exemplos a difundir em mudanças climáticas e políticas sociais inclusivas, por
exemplo. Falta, no entanto, aproveitar exemplos externos de como crescer mais
de forma saudável.
Guardas civis avançam com limites nebulosos
Folha de S. Paulo
Mais armadas, corporações podem ajudar na
segurança desde que não colidam com papel da PM e sob controle institucional
Foi-se o tempo em que as guardas municipais
se limitavam a uma espécie de linha auxiliar na segurança das cidades, como
proteger o patrimônio público, fiscalizar o trânsito ou cuidar da ronda
escolar.
Nos últimos anos, o recrudescimento da violência urbana
estimulou prefeitos país afora a criar novas tropas ou alterar radicalmente o
seu escopo de atuação, inclusive com o uso de armamento pesado —algo não
previsto na Constituição de
1988, mas que acabou legitimado em decisão do Supremo Tribunal Federal de 2018.
Levantamento da Folha mostrou que
há guardas civis em 22 capitais, 20
delas armadas (6, como São Paulo, fazem uso de fuzis).
A escalada para que essas corporações ganhem
status de unidades de elite não para por aí: uma PEC no Congresso
Nacional prevê ampliar a segurança jurídica para avalizar ações
mais ostensivas e alterar o nome para Polícia Municipal.
Esse papel constitucional cabe à Polícia
Militar, sob responsabilidade dos governos estaduais, mas o advento
do Estatuto Geral das Guardas Municipais, de 2014, ampliou os poderes do grupo,
autorizando o patrulhamento nas ruas, o uso progressivo da força e a realização
de prisões em flagrante.
Em algumas capitais, agentes paramentados já
se assemelham a pequenas tropas de choque, abordando suspeitos e combatendo
furtos, roubos e o tráfico de drogas.
Às vésperas das eleições municipais, o discurso de
incremento às guardas ganhou tração política —a violência
urbana é preocupação precípua entre os eleitores, ainda que prefeitos tenham
influência secundária em seu combate.
Não há dúvida de que, se bem treinadas e com
papéis claramente delineados, as guardas municipais podem ser um relevante
ativo no combate à criminalidade, sobretudo em cidades mais populosas.
O modelo de polícia municipalizada foi
implantado em algumas metrópoles dos EUA já em meados do século 19. As
responsabilidades incluem a manutenção da ordem pública e as investigações
criminais —aqui, respectivamente, deveres das polícias Militar e Civil.
Como no Brasil já existe essa divisão de
funções, e não há no horizonte imediato qualquer possibilidade de unificação
das forças, seja sob comando municipal ou estadual, corre-se o risco
considerável de que as guardas acabem se sobrepondo às prerrogativas da PM.
É amplamente conhecida por estudiosos da
segurança pública a convivência desarmoniosa e pouco produtiva, para dizer o
mínimo, entre as polícias Militar —esta um resquício anacrônico da ditadura—
e Civil. Sem atribuições e limites determinados, um empoderado terceiro
elemento pode complicar ainda mais essa relação.
Fome e Bolsa Família
Folha de S. Paulo
Insegurança alimentar cai, mas é preciso
reduzir dependência em programa social
O Brasil continua fazendo parte do grupo que
integra o Mapa da Fome das
Nações Unidas. Em novo relatório do organismo, com dados relativos ao triênio
2021-2023, o país figura com 39,7 milhões de pessoas em insegurança alimentar.
A boa notícia é que, em relação ao período de 2020 a 2022, quando 70,3 milhões
estavam nesta situação, houve queda de 44%.
A ONU qualifica
a insegurança alimentar como "moderada" e "grave". Na
primeira, há redução na quantidade ingerida e incerteza sobre o acesso a
alimentos. Na segunda, ocorrência de um ou mais dias sem comida. Esta ainda
afeta 14,3 milhões de brasileiros, ou 6,6% da população —ante 21,1 milhões
(9,9%) no relatório anterior.
A redução entre os levantamentos do órgão
pode ser explicada principalmente por dois fatores: o relaxamento, em 2022, das
medidas mais restritivas impostas pela pandemia da Covid-19 e o aumento,
naquele ano eleitoral, dos valores pagos pelo Bolsa Família.
O triênio 2021-2023 computa dois anos (2022 e
2023) em que o principal benefício social aos mais pobres no país foi
reajustado para cerca de R$ 600. Na pesquisa anterior, apenas o ano de 2022
continha o valor neste patamar.
Os dados demonstram claramente a importância
do Bolsa Família para que os brasileiros menos favorecidos consigam o básico:
comer.
O lado negativo dessa moeda é a constatação
de quão dependente o Brasil se tornou de um programa social para que parcela
significativa da população possa sobreviver.
Em muitos estados do Norte e Nordeste há
hoje, perturbadoramente, mais beneficiários do Bolsa Família do que
trabalhadores com carteira assinada, o que revela a falta de dinamismo da economia.
O governo Lula (PT) comemorou os números
da ONU e estima que o país deixará o Mapa da Fome ao seu término, em 2026. Até
lá, com o Bolsa
Família turbinado, isso é bastante factível.
O fundamental, porém, seria Lula ajustar as contas públicas e criar um ambiente econômico que permita aos brasileiros ter melhores empregos e ganhar mais, abrindo portas de saída para quem ainda depende de programas sociais.
Lula tem razão
O Estado de S. Paulo
Presidente está certo ao dizer que a fome
decorre de escolhas políticas. E foram muitas as escolhas do lulopetismo que
colaboraram para a vulnerabilidade de parte da população
Tem razão o presidente Lula da Silva ao
afirmar, durante encontro do G-20 no Rio de Janeiro, que “a fome não é uma
coisa natural” e que existe “por decisão política”. De fato, são decisões
políticas que engendram as condições para que uma parte da população sofra de
insegurança alimentar.
Lula não disse, mas algumas dessas decisões
políticas foram suas, várias delas cruciais para piorar a vida dos mais pobres.
Durante longos 13 anos, ele e sua criatura, Dilma Rousseff, deixaram
deliberadamente de fazer reformas que poderiam modernizar o Estado brasileiro,
dinamizar o setor produtivo e estimular o crescimento sustentável da economia,
condição sem a qual milhões de brasileiros ficarão permanentemente à mercê da
pobreza extrema.
A escolha política lulopetista foi
deliberadamente a do atraso. Em vez de abrir a economia para obrigar a
indústria e o mercado a se prepararem melhor para a competição internacional,
Lula e Dilma preferiram dobrar a aposta no protecionismo, a partir de uma visão
arcaica sobre o desenvolvimento. Resultado: baixa produtividade, acomodação de
diversos setores a privilégios e precarização galopante do mercado de trabalho.
Além disso, Lula e Dilma fizeram opção
preferencial pela dilapidação das contas públicas como alavanca do
desenvolvimento, movidos pela convicção de que o Estado deve ser o protagonista
da economia, cabendo à iniciativa privada papel acessório nesse esforço. Com
tal espírito, as estatais se tornaram a vanguarda dessa grande fuga para trás.
A corrupção na Petrobras foi apenas o problema mais escandaloso desse modelo: o
Estado supostamente indutor do crescimento sangrou até ver quase esgotada sua
capacidade de atender os mais necessitados em suas carências básicas.
O desequilíbrio das contas públicas, tão
negligenciado por Lula e Dilma, levou à alta dos juros, à inflação e, por fim,
à recessão – que atingiu fortemente os mais pobres, que em várias regiões do
Brasil se tornaram absolutamente dependentes de programas de transferência
forçada de renda para sobreviver.
São os pobres que sofrem também com decisões
políticas de Lula que ajudam a sabotar a racionalização do Orçamento. Graças à
sua ojeriza à desvinculação em geral, quase não há mais espaço orçamentário
para investimentos em qualquer área, a começar pela social. Com isso, o Brasil
anda de lado – mas quem passa necessidades não tem como esperar que o milagre
lulopetista se realize.
No triênio 2021-2023, 8,4 milhões de
brasileiros – ou 3,9% da população – passavam fome e estavam em quadro de
subnutrição, segundo informou o mais recente relatório O Estado da
Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo, conhecido como Mapa da Fome,
elaborado pela ONU. O estudo mostra ainda que um quinto dos brasileiros, ou
39,7 milhões de pessoas, se encontrava em insegurança alimentar moderada ou
grave. Significa dizer que essa parcela da população ou teve dificuldade para
ter acesso a alimentos ou simplesmente não teve acesso por um dia ou mais.
Com o costumeiro tom messiânico, Lula
afirmou, no pré-lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que vai
tirar o Brasil do Mapa da Fome até o fim de seu mandato. Pode até
acontecer, graças à injeção de recursos estatais em programas sociais e de
valorização real do salário mínimo e das aposentadorias. Mas nada disso garante
que a trágica situação será superada de vez. Ao contrário: perpetua a
dependência e não cria condições para que os pobres consigam de fato ascender
socialmente e ter a chance de viver definitivamente sem o pesadelo da fome.
O combate a essa chaga deve ser uma política
de Estado permanente e um compromisso de todos. A saída para a falta de comida
na mesa dos brasileiros exige mais do que um programa de transferência de renda
pode entregar – e basta lembrar que o número de famílias atendidas pelo Bolsa
Família saltou de 14 milhões para 21 milhões e o benefício médio cresceu da
faixa dos R$ 200 para quase R$ 700, sem afastar o fantasma do prato vazio.
Crescimento sustentado, geração de empregos de qualidade, distribuição da riqueza,
abertura da economia, saúde eficiente e educação com resultados exitosos, e não
demagogia, é o que livrará os brasileiros da fome.
Crime e ostentação no Tatuapé
O Estado de S. Paulo
PCC demonstra, mais uma vez, sua audácia e
transforma área rica de São Paulo em ponto de lavagem de dinheiro, ostentação e
execuções. Até mafioso italiano escolheu o bairro para viver
Audaciosos e brutais, criminosos do Primeiro
Comando da Capital (PCC) se instalaram no Tatuapé, uma das regiões mais ricas
de São Paulo. No bairro da zona leste, bandidos ostentam luxo ao mesmo tempo
que amedrontam a população. A área que engloba o Jardim Anália Franco e a Vila
Regente Feijó ganhou a alcunha – nada abonadora – de “Little Italy” ou
“Sicília”, por ter virado a primeira base da opulência do crime organizado na
cidade. Por lá, até integrante da ‘Ndrangheta – máfia da Calábria –, que agora
virou delator na Itália e pode revelar ligações de bandidos brasileiros com o
grupo europeu, decidiu viver.
Na região, negócios de criminosos que
ascenderam da miséria ao movimentar fortunas com o tráfico transatlântico em
parceria com a máfia italiana e também a máfia dos Bálcãs funcionam como
lavanderias do dinheiro sujo da droga vendida para a Europa, África e Ásia. São
investimentos, em nome de laranjas ou empresas de fachada, que incluem
apartamentos de até R$ 20 milhões, lojas de carros importados, abertura de
fintechs, postos de combustíveis e operações em criptomoedas. Lava-se dinheiro
até no transporte público.
Para desespero da vizinhança, bandidos do PCC
e comparsas ocupam imóveis em condomínios de alto padrão – entre eles o
Edifício Figueira Altos do Tatuapé, o mais alto residencial da cidade, com 50
andares e 168 metros de altura –, frequentam bares e promovem festas regadas a
vinho Pêra Manca, champanhe Dom Pérignon e uísque Johnnie Walker Blue Label.
Pura extravagância.
Além de barrar o acesso de agentes municipais
a regiões periféricas da capital, causando transtornos aos cidadãos, o crime
agora leva alguns moradores a deixar o Tatuapé, cansados da baixeza de bandidos
que assediam as mulheres. Nas cenas mais assustadoras, acertos de contas entre
integrantes do PCC, com execuções, passaram a ser realizados nas ruas do
bairro.
Todo esse cenário foi descrito pelo Estadão em
recente reportagem. O jornal encontrou 41 endereços de apartamentos na região
em 12 das 20 principais investigações abertas pela Polícia Federal, pela
Polícia Civil, pela Receita Federal e pelo Grupo Especial de Combate ao Crime
Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo. Nos últimos cinco anos,
a recorrência com que diferentes forças de segurança bateram às portas dos
condomínios atrás de bandidos despertou a atenção – houve prédio com seis
unidades revistadas em quatro operações distintas.
Um dos capítulos dessa história do crime no
Tatuapé envolve, ainda, o mafioso italiano Vincenzo Pasquino – agora delator.
Ele vivia com sua mulher, Morena Maggiore, que fazia compras pelo bairro, como
uma moradora comum, mas sempre acompanhada de um segurança. Pasquino chegou ao
Brasil em 2017 para cuidar da logística do envio de droga da América do Sul e
foi preso em 2022.
O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou
sua extradição, que ocorreu em março. Na Itália, fora condenado a 17 anos de
prisão por tráfico de drogas. Ao colaborar com a Justiça de seu país, fez
relatos sobre a sociedade com brasileiros, que são considerados relevantes para
investigações por aqui sobre o PCC e o Comando Vermelho e que merecem a atenção
máxima das autoridades locais.
Os tentáculos da bandidagem preocupam. O
governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou à GloboNews que o crime
organizado se sofisticou e que o governo precisa aprimorar suas estratégias
para combatê-lo. Tarcísio defendeu a realização de operações com o Ministério
Público e o ataque à infiltração do PCC em setores econômicos legais. Vê-se que
a cooperação internacional também se faz necessária.
Como mostra essa nova realidade do nefasto
reinado do crime no Tatuapé, somente a integração de informações, a articulação
entre as forças de segurança e o uso da inteligência serão capazes de causar
danos à facção. A resposta a tamanha ousadia exige eficiência. Caso contrário,
São Paulo assistirá a novas invasões, quando, a bem da verdade, nenhuma área do
mapa da metrópole deveria estar sob o domínio do crime.
Violência reiterada
O Estado de S. Paulo
Menina de 13 anos estuprada é submetida a
calvário judicial para garantir seu direito ao aborto
Precisou a presidente do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, intervir para que uma
menina de 13 anos, vítima de estupro, pudesse realizar um aborto legal. Os
entraves no acesso a esse direito são tantos que a história dessa garota de
Goiás ilustra bem a marcha da insensatez em curso no País contra um
procedimento previsto em lei há 84 anos. De passo em passo, uma garantia
conferida a mulheres brasileiras é cerceada de tal modo que corre o risco de
perder sua eficácia.
A saga da adolescente para ter autorizada a
interrupção da gravidez foi longa. Primeiramente, ela foi violentada por um
homem de 24 anos, e ato sexual com menores de 14 anos enquadra-se no crime de
estupro de vulnerável. Depois, com a anuência de sua mãe, a menina queria
abortar, mas seu pai se opôs. Uma juíza de primeiro grau autorizou a
interrupção da gravidez, mas desde que se preservasse a vida do nascituro. Ou
seja, impôs a antecipação do parto, o que não está na lei.
Houve recurso, e o caso chegou ao Tribunal de
Justiça de Goiás. Lá, a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade achou
correto e justo negar a realização do procedimento à menina porque seu pai
alegou que não existiam indícios médicos de perigo para que se prosseguisse com
a gestação. Foi apenas a decisão da presidente do STJ, do dia 25 de julho, que
restabeleceu a previsão legal do Código Penal e cessou essa série de violências
à qual a garota foi submetida.
O sofrimento, porém, só aumenta. Agora, a
adolescente já está com mais de 28 semanas de gestação, e os riscos no
procedimento tendem a ser maiores.
E esse calvário era completamente
desnecessário. No Brasil, o aborto é autorizado em três situações, sem qualquer
corte temporal. Pelo Código Penal, de 1940, o procedimento é previsto em caso
de estupro e de risco de vida da gestante. Além disso, por decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF), há a possibilidade de interrupção da gravidez de fetos
anencéfalos.
É conhecido o desejo de parte do Congresso
Nacional de endurecer a legislação referente ao aborto. Por exemplo, tramita
neste momento um projeto de lei que trata como homicidas as mulheres estupradas
que abortam a partir da 22.ª semana de gestação. O espírito desse texto vai na
linha da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe médicos de
realizarem a partir da 22.ª semana a assistolia fetal – uma técnica reconhecida
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em que se induz a parada do batimento
cardíaco do feto antes de sua retirada do útero. Por ordem do ministro
Alexandre de Moraes, do STF, a norma do CFM está suspensa.
A julgar pelo comportamento de alguns juízes e médicos, que dificultam o aborto o quanto podem, mesmo ao arrepio da lei, não é necessário recrudescer a legislação contra a interrupção da gravidez. É como se houvesse um direito consuetudinário, de cariz moralista, que torna ilegal o aborto legal.
Crise climática e saúde pública
Correio Braziliense
O governo federal criou uma secretaria
extraordinária para coordenar, articular, orientar e monitorar as atividades de
preparação da COP30
Em 2025, o Brasil sediará a Conferência das
Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, no Pará. O
governo federal criou uma secretaria extraordinária para coordenar, articular,
orientar e monitorar as atividades de preparação do evento. Muitos são os temas
globais a serem discutidos, mas é importante que o país aproveite a
oportunidade para avançar nas pautas nacionais sobre o tema.
Pela primeira vez acontecendo na Amazônia, o
encontro marcará os 10 anos do Acordo de Paris, a principal convenção climática
das Organizações das Nações Unidas (ONU) e que estabeleceu metas para a redução
de gases causadores do aquecimento global. A expectativa é de que a floresta,
peça vital na balança do equilíbrio ambiental, ocupe espaço de destaque nos
debates, com propostas de preservação e também de diminuição de emissões a
partir de seu território.
Os olhares do mundo estão voltados para a
terra amazônica há tempos e, cada vez mais, a emergência climática exige ações
de proteção. O comportamento da humanidade determina o clima, e o clima
influencia a vida das pessoas. No Brasil, assim como em outros países,
situações extremas têm afetado a população.
Nos últimos meses, os estados brasileiros vêm
atravessando períodos prolongados de tempo seco, comprometendo a regularidade
das chuvas. Em 2023, o país viveu o ano mais quente da sua história — a exemplo
do planeta, segundo os dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM). E o
calor segue na previsão do tempo, com chance de superar o recorde do ano
passado e promovendo alterações em várias situações do cotidiano.
Além do meio ambiente, da economia e da vida
em sociedade, as mudanças climáticas interferem na saúde humana. Efeitos
físicos e psicológicos, com a potencialização e o surgimento de enfermidades,
são apontados em estudos. Os extremos de temperatura podem agir diretamente em
diversos sistemas do organismo, conforme indicam pesquisadores. Outro impacto
está diretamente ligado a vetores que transmitem doenças. Essa sensibilidade
depende das vulnerabilidades individuais e coletivas, variando de acordo com idades
e locais, por exemplo. Fato é que as consequências negativas no corpo são
percebidas, reforçando e necessidade de medidas e a gravidade do cenário.
Um relatório da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) alerta que mais de 70% dos trabalhadores que integram a força de
trabalho global estão expostos a graves riscos para a saúde em razão das
mudanças climáticas. De acordo com o documento, inúmeras condições estão
associadas ao aquecimento, incluindo câncer, doenças cardiovasculares,
respiratórias, disfunções renais e problemas de saúde mental. Crianças, idosos
e pessoas com comorbidades são os mais suscetíveis.
As estratégias ambientais precisam estar
integradas ao bem-estar dos cidadãos. Elaborar e aplicar um plano global que
garanta a saúde humana e do planeta são desafios a serem vencidos urgentemente.
Que a construção de alternativas seja meta diária de governos, de organizações
e da sociedade. Que em novembro próximo, durante a COP29, em Baku, capital do
Azerbaijão, decisões importantes saiam das mesas de conversas. E que, em 2025,
na Amazônia, a busca por soluções para o equilíbrio ambiental apresente resultados
amplos e novas saídas para a região e para o mundo.
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