Folha de S. Paulo
A geometria política vai além de questões
convencionais de extremos e centro
Há pelo menos três graves equívocos no debate
sobre polarização. O primeiro é supor que ela exige algum grau de simetria
entre posições polares. Alguns argumentam que não há polarização nos EUA porque
Biden é centrista. A confusão origina-se na falta de compreensão quanto ao
conceito de mediana, muitas vezes entendida como centro.
A mediana de uma distribuição de preferências políticas pode estar ou não no valor central, digamos 5 em uma escala de 1 a 10 (onde 10 é extrema direita e 1, extrema esquerda). Não importa a escala —se baseada no auto posicionamento ou métricas objetivas— a mediana é o ponto que divide o eleitorado em duas partes iguais: metade à esquerda deste ponto e metade à direita.
Segundo o Latinobarometro/Eurobarometro
(2023), a mediana está à direita do centro, por exemplo, na Polônia, Brasil e
Finlândia —é superior a 6; ou muito mais à direita dele em El Salvador e
Montenegro, girando em torno de 7. Em outros está à esquerda (Espanha). A
polarização assimétrica nestes casos ocorre entre grupos com posições centrais
na escala e um dos polos, e não entre estes últimos. Se a mediana estiver em
cerca de 3, posições em 6 será percebida como "fascista".
Uma tendência universal, em eleições
majoritárias ou no voto distrital, é que haja uma convergência ideológica dos
competidores para a mediana de preferências (não para o centro!). Mas a
convergência tem dado lugar a tendências centrípetas.
O segundo equivoco é confundir as dimensões
do conflito político (economia, pauta de costumes, etnia, etc), reduzindo-os a
uma dimensão. O equivoco não permite entender a similaridade de posições em
relação à economia ou gasto social entre esquerda e direita radicais, etc. Como
sabemos, o conflito político tornou-se crescentemente mais multidimensional.
O terceiro é desconsiderar que a polarização
não se reduz a questões programáticas. Dados para os EUA mostram certa
estabilidade no posicionamento de democratas e republicanos em relação às
políticas públicas, mas mudança radical na forma em que percebem uns aos
outros.
A divergência no Brasil também é
mínima: envolve posse
de armas e educação sexual.
A polarização
tornou-se afetiva, assentando-se em emoções negativas (desconfiança,
desprezo, aversão) dirigidas a grupos políticos rivais.
A métrica mais comum para medi-la é a diferença entre os
escores de simpatia para seu próprio partido e rejeição quanto aos rivais.
Embora concordem em relação às políticas,
crescentemente abominam a possibilidade que seus filhos casem com adversários
políticos.
A geometria política não é simplória.
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