Correio Braziliense
Aprender com a experiência internacional e
adaptar as lições ao contexto brasileiro é o caminho para que a proposta não
apenas reduza horas, mas também amplie oportunidades e promova justiça social
A proposta de redução da jornada de trabalho
para 36 horas semanais está no centro dos debates sobre qualidade de vida e
direitos trabalhistas no Brasil. Em um país em que a média semanal de trabalho
ainda ultrapassa 44 horas, a medida promete aliviar a exaustão da força de
trabalho e abrir espaço para novas oportunidades de emprego.
A proposta de emenda à Constituição (PEC) visa reduzir a jornada semanal de trabalho sem redução salarial e eliminar a escala de 6x1, substituindo-a por quatro dias de trabalho. A PEC já alcançou o número necessário de assinaturas para tramitação e está sendo debatida no Congresso Nacional. Independentemente do desfecho legislativo, a iniciativa tem o mérito de provocar um debate que o Brasil precisa enfrentar: como conciliar a modernização das relações trabalhistas com a garantia de bem-estar e qualidade de vida para os trabalhadores?
Enquanto o Brasil discute a viabilidade da
redução da jornada de trabalho, países como França e Alemanha já implementaram
medidas semelhantes, obtendo resultados que servem de exemplo e alerta. Na
França, a jornada de 35 horas foi introduzida no início dos anos 2000,
acompanhada de incentivos fiscais para as empresas. Apesar de melhorar a
qualidade de vida em muitos setores, a medida enfrentou críticas sobre a
dificuldade de aplicação em áreas de alta demanda, como saúde e transporte.
Na Alemanha, a produtividade é alta mesmo com
jornadas reduzidas, devido a investimentos em infraestrutura, saúde pública e
educação técnica. Já os países nórdicos, com jornadas entre 34 e 36 horas,
integram políticas de bem-estar social robustas, que incluem creches,
transporte acessível e suporte à saúde mental, garantindo que a redução
beneficie todos.Por outro lado, o modelo americano, com jornadas médias de 40
horas, mas alta dependência de horas extras, serve como alerta para o risco de
precarização, especialmente se não houver políticas públicas que garantam
salários dignos e proteção ao trabalhador.
No contexto brasileiro, a redução da jornada
de trabalho para 36 horas semanais pode trazer diversos benefícios. Melhoria na
qualidade de vida, por exemplo, já que menos horas trabalhadas significam mais
tempo para lazer, cuidados familiares e desenvolvimento pessoal. Além disso, a
medida pode contribuir para a saúde mental, reduzindo o estresse, burnout e
outros problemas que afetam milhões de trabalhadores no país. Outro impacto
positivo seria a geração de empregos, uma vez que empresas poderiam criar vagas
para cobrir as horas reduzidas, ajudando a combater o desemprego.
No entanto, o Brasil enfrenta riscos e
desafios que podem comprometer os benefícios. Um dos principais entraves é a
dependência de horas extras: muitos trabalhadores, devido aos baixos salários,
precisam de múltiplos vínculos empregatícios, e a redução da jornada pode
intensificar essa dinâmica. Outro risco é a sobrecarga em setores críticos,
como saúde e educação, que já sofrem com escalas apertadas e podem enfrentar
dificuldades ainda maiores sem planejamento adequado. Por fim, há o impacto nas
pequenas e médias empresas (PMEs), que, sem incentivos governamentais, podem
ter dificuldades para adaptar suas operações, resultando em prejuízos ou até
demissões.
Para transformar a proposta em uma realidade
sustentável, é essencial um conjunto de políticas públicas e apoio
governamental. Isso inclui medidas como saúde mental e bem-estar, expandindo o
Sistema Único de Saúde (SUS) para oferecer mais serviços psicológicos e
psiquiátricos e incentivando empresas privadas a adotarem programas de apoio
emocional. Também é crucial investir em educação e qualificação, promovendo
capacitação voltada à economia 4.0, que aumente a produtividade mesmo com menos
horas trabalhadas.
Incentivos para PMEs são igualmente
importantes, como a redução temporária de encargos trabalhistas e a oferta de
crédito acessível para a modernização de processos. Melhorias em transporte
público eficiente também são necessárias, para reduzir o tempo de deslocamento
e aumentar o tempo útil dos trabalhadores. Por fim, é fundamental um
planejamento de escalas nos setores críticos, garantindo suporte suficiente
para evitar sobrecarga e exaustão dos profissionais.
A proposta para reduzir a jornada de trabalho
e eliminar a escala 6x1 é um convite ao debate sobre o futuro do trabalho no
Brasil. Mais do que uma medida legislativa, a iniciativa coloca em pauta
questões essenciais: como equilibrar produtividade, qualidade de vida e
inclusão social? Aprender com a experiência internacional e adaptar as lições
ao contexto brasileiro é o caminho para que a proposta não apenas reduza horas,
mas também amplie oportunidades e promova justiça social. O Brasil está diante
de uma oportunidade única. A pergunta que fica é: estamos prontos para
enfrentá-la?
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