terça-feira, 21 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alívio a dívidas estaduais terá custo alto

O Globo

Apesar da generosidade do programa aprovado, governadores ainda fazem pressão para derrubar vetos de Lula

Governadores passaram a reclamar em coro dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei Complementar que estabeleceu novas regras para a renegociação de dívidas estaduais. As reclamações não têm o menor sentido. A lei — sancionada por Lula em seus pontos essenciais — é apenas o último na série de socorros da União aos estados incapazes de honrar dívidas que hoje somam em torno de R$ 760 bilhões — 90% concentradas em São Paulo, Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Repetindo o que já ocorreu em 1993, 1997 e 2016, os estados receberão mais um alívio nas condições de pagamento.

Eles poderão aderir ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) até 31 de dezembro. Pelas regras, os juros cobrados — hoje de 4% — poderão cair até zero em troca de compromissos como entrega de ativos à União, investimentos em educação ou infraestrutura. No entender do secretário do Tesouro, Rogério Ceron, a lei “permitirá rápida redução desse endividamento ao longo do tempo”. “Não haverá nenhum tipo de perdão de dívida, mas com encargos menores você facilita o pagamento”, diz ele.

Não foram, contudo, impostas contrapartidas satisfatórias de responsabilidade fiscal aos governos estaduais. Nada garante, portanto, que não venham a pedir novo socorro no futuro quando as contas saírem do controle. Mesmo com as condições generosas sancionadas por Lula, os governadores já fazem pressão em suas bancadas no Congresso para derrubar os vetos.

Um deles exclui um trecho da lei que desobrigava estados afetados por calamidade pública, caso do Rio Grande do Sul, de repassar recursos ao Fundo de Equalização Federativa (FEF), criado para atender estados que não entrem no Propag. O governador gaúcho, Eduardo Leite, afirma que, antes do veto, o estado poderia pagar sua dívida e contribuir ao FEF de forma escalonada, a partir de 2027. Agora, diz ele, será preciso pagar tudo de forma integral. Mas os estados têm até o final do ano para se ajustar. Não faltará tempo.

Lula também vetou o abatimento de juros com base nos gastos em exploração de recursos naturais, como petróleo, gás e energia, e a dedução da dívida de despesas de responsabilidade federal, como obras. Foi uma decisão sensata. O Brasil conta com a Petrobras e diversas companhias privadas atuando nos setores de óleo, gás e energia. Investimentos estaduais não são necessários. Quanto às obras, não tem cabimento o governo federal arcar com o ônus de gastos estaduais sobre os quais não tem poder de decisão.

Dada a sucessão de socorros de Brasília, não espanta que diversos estados continuem a administrar suas contas dentro da velha cultura segundo a qual, em momento de aperto, a União atenderá a seus pleitos para evitar a falência de serviços públicos. Evidentemente, o pagamento das parcelas da dívida não pode paralisar os estados. Mas é um despropósito que governadores desejem viver sob o guarda-chuva financeiro da União, desprezando os princípios de responsabilidade fiscal que deveriam valer para todos. O resgate das finanças estaduais feito pela União tem um custo, e ele não é baixo. O Ministério da Fazenda estima o total em R$ 20 bilhões ao ano, com reflexos inevitáveis na dívida pública, cuja trajetória de alta é hoje o maior desafio da política econômica. O preço alto do socorro aos estados será, em última análise, pago por todos os brasileiros.

É lamentável incapacidade do MEC de proteger informações do Sisu

O Globo

Nos últimos dias, falhas no sistema de inscrição em universidades públicas têm espalhado enorme insegurança

Não bastasse a tensão inerente a tentar obter vaga em universidade, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) entrou em pane às vésperas do fim do prazo para a escolha dos estudantes. Oficialmente acaba hoje a inscrição para candidatos a 261.779 vagas em 6.851 cursos de graduação de 124 universidades públicas. Nos últimos dias, os erros verificados no acesso ao Sisu têm espalhado enorme insegurança. Há relatos de mudança nas opções de cursos, troca de perfis de candidatos e permissão para que uns alterem escolhas dos outros. Mesmo procurando negar as falhas, o Ministério da Educação (MEC) acionou a área de tecnologia para averiguar.

Diversos problemas no acesso ao Sisu foram relatados nas redes sociais durante o último fim de semana. Não apenas trocas por dados de outros candidatos, mas também mudanças de cursos feitas automaticamente pelo sistema. Em geral, quando o estudante saía e entrava novamente na plataforma, os dados verdadeiros eram recuperados. Mas sempre restava a preocupação sobre que informações o Sisu levaria em conta.

O estudante Benedito Cavalcante conta que, no último sábado, ao entrar no Sisu para tentar modificar uma de suas opções, a plataforma o dirigiu ao perfil de outra candidata chamada Maria Eduarda. Benedito, que mora em Manaus e pretende cursar medicina, obteve acesso aos dados pessoais dela e a suas opções de cursos, farmácia e pedagogia, em universidades do Ceará. Casos do tipo se multiplicaram. Uma estudante teve o bom senso de entrar em contato com o dono do perfil a que teve acesso, e os dois combinaram ativar a identificação em duas etapas, destinada a dificultar o acesso de terceiros. Mas claro que a segurança de nenhum sistema público que armazena dados sensíveis pode depender do bom senso nem da boa-fé dos usuários. É lamentável a incapacidade do MEC de proteger as informações dos estudantes.

Se a falha no sistema fizer com que o estudante perca a prévia de sua classificação no Sisu, ele ficará no escuro com relação a suas notas. O professor de matemática Frederico Torres, cujo perfil no Instagram sobre Enem e Sisu tem 108 mil seguidores, diz ter recebido mais de 20 mensagens sobre a invasão de perfis alheios e passou a aconselhar que, por precaução, os candidatos fizessem imagens das páginas a cada alteração de curso ou universidade, além de gravar tudo em vídeo para o caso de haver divergências quando o resultado final for divulgado. Outro conselho é abrir um processo na Ouvidoria do MEC.

Também rondam os estudantes ameaças de estelionatários. Um deles oferecia um link para o pagamento de uma taxa para inscrição gratuita no Sisu, no Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e no Programa Universidade para Todos (Prouni). Infelizmente, a ameaça mais premente está dentro dos próprios computadores do MEC. Tais falhas, logo no momento em que centenas de milhares de estudantes se inscrevem no ensino superior, não podem ser toleradas.

Agricultura promete reação, mas clima e crédito preocupam

Valor Econômico

Safra 2024/25 pode alcançar 322,3 milhões de toneladas de grãos, com aumento de 8,2% em relação à colheita anterior e poderá se tornar a maior da história

A recuperação da safra de 2024/2025 é o principal trunfo do governo para contrabalançar a desaceleração da economia prevista para este ano. O esperado aumento da produção de grãos pode contagiar positivamente outros setores, como os serviços, transportes e insumos, e animar a balança comercial, em um ano particularmente incerto devido ao receio de aumento das pressões protecionistas no exterior.

No cenário mais otimista, a retomada da produção agrícola compensará o recuo da receita da pecuária e turbinará a economia à semelhança do que aconteceu em 2023, embora com menos intensidade. Naquele ano, segundo revisão feita em dezembro pelo IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária saltou 16,3%, contribuindo decisivamente para a expansão total de 3,2%. O impacto só não foi maior porque a agropecuária contribui menos para o PIB do que os serviços e a indústria, que cresceram 2,8% e 1,7%, respectivamente.

A mais recente previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é que a safra 2024/25 pode alcançar 322,3 milhões de toneladas de grãos, número ligeiramente menor do que o estimado em dezembro, mas que representará aumento de 8,2% em relação à colheita anterior e poderá se tornar a maior da história. A área plantada deverá crescer 1,8% e a produtividade média, aumentar 6,3%. Com chuvas regulares, as condições climáticas têm, até o momento, favorecido o desenvolvimento das lavouras nos principais Estados produtores, contribuindo para a expansão da produtividade em diversas culturas.

A soja, carro-chefe da agricultura brasileira, tem a produção estimada em 166,3 milhões de toneladas, com crescimento de 12,6%. O clima tem beneficiado o plantio, que ocorreu de forma concentrada a partir do fim de outubro na maior parte das regiões produtoras. Em dezembro, a semeadura da oleaginosa atingia 94,1% da área destinada. Outras culturas também apresentam perspectivas positivas. A produção de milho deverá crescer 3,3%, e a de arroz, 8,5%.

A se confirmarem os levantamentos, haverá uma reversão do quadro negativo da safra de grãos anterior, de 2023/2024, quando a produção diminuiu em cerca de 7%, para 298,41 milhões de toneladas. A soja sofreu queda de 7,23 milhões de toneladas, totalizando 147,38 milhões de toneladas, prejudicada pelo atraso no início das chuvas, baixas precipitações e altas temperaturas em regiões produtoras, além do excesso de chuvas no Rio Grande ande do Sul, que afetou severamente a produtividade.

Por conta desse desempenho negativo em 2024, as estimativas são de que o PIB da agropecuária tenha caído de 2% a 3% no ano passado, enquanto o PIB total pode ter crescido de 3% a 3,5%. No terceiro trimestre, enquanto o PIB total cresceu 0,9%, o da agropecuária caiu na mesma magnitude, com a perda de produtividade de culturas importantes para o período, como cana, milho e laranja. Intempéries e incêndios atingiram muitas lavouras. Esse desempenho neutralizou os bons resultados do algodão, trigo e café que registraram aumento da produção.

Com a retomada da safra, a ponto de já haver preocupação com a disponibilidade de armazenagem, o PIB da agropecuária pode recuperar em 2025 as perdas do ano passado e poderá registrar crescimento de até 5,5% de acordo com algumas previsões, ajudado também pela queda do real em relação ao dólar, que torna os produtos brasileiros mais competitivos na exportação.

Há dois pontos de interrogação nesse cenário róseo: o clima e a oferta de crédito. A ocorrência de extremos climáticos é sempre um fator imponderável. Embora as previsões sejam positivas até agora, produtores de soja do Sul estão preocupados com a falta de chuva e o calor (Valor, 15/01). Já o custo do crédito vai subir inevitavelmente, acompanhando a indicação de elevação da taxa de juro básica, a Selic, dada pelo Banco Central. O Copom elevou a Selic para 12,25% na última reunião de 2024 e parte do mercado financeiro estima que a taxa possa chegar a 15% neste ano. Os juros elevados encarecem os investimentos em insumos e equipamentos e o capital de giro.

A alta dos juros básicos também aumenta os custos de equalização do crédito rural oficial, dificultando o equilíbrio entre a oferta de recursos subsidiados e as taxas cobradas dos produtores. No Plano Safra 2024/25, a expectativa era de redução dos juros, mas o cenário se inverteu, com a elevação da Selic. Isso pressiona o orçamento destinado à equalização, já comprometido com operações de anos anteriores, e levanta dúvidas sobre a disponibilidade de recursos mais baratos.

Dados do segundo semestre de 2024 já mostraram uma redução dos desembolsos do crédito rural e a substituição de fontes subsidiadas por alternativas privadas, como as Cédulas de Produto Rural (CPRs). Mas as alternativas de mercado têm custos mais elevados e não são acessíveis a produtores de menor porte. Em cenário de restrição orçamentária não dá para contar com a expansão do Plano Safra.

Um efeito secundário da maior ajuda da agricultura é que ela pode amortecer os preços dos alimentos, a maior influência hoje nos índices de inflação.

Trump, mais forte, assume com agenda agressiva

Folha de S. Paulo

Presidente ameaça soberania do Panamá e apresenta medidas polêmicas; hoje, ele tem mais apoio orgânico do que em 2017

Donald John Trump tomou posse nesta segunda (20) como o 47º presidente dos Estados Unidos com um discurso incendiário que, mesmo previsível, suscita temores acerca dos próximos quatro anos em que o magnata mercurial estará à frente da mais poderosa nação da Terra.

E, a depender dele e de Elon Musk, seu mais novo escudeiro, talvez até de Marte —nem o planeta vermelho escapou das promessas grandiloquentes alinhadas pelo republicano.

Dezenas delas deverão se materializar na forma de ordens executivas, parentes dos antigos decretos-leis brasileiros que, diferentemente das atuais medidas provisórias, não precisam ser submetidas ao Congresso.

A cornucópia trumpista foi aberta ante um Joe Biden em silêncio obsequioso, algo que Trump não fez quando faltou à posse do democrata que o havia derrotado em 2020. Tudo sob o teto do mesmo Capitólio vilipendiado pelos seguidores do republicano no 6 de janeiro de 2021, que agora devem ser perdoados.

Falou sobre estado de emergência nas fronteiras e decretos contra imigração ilegal, com base em mentiras acerca de uma invasão de criminosos de outros países, e mirou políticas identitárias.

Aos 78 anos, o mais velho a assumir o posto, Trump exalou o messianismo que marcou sua campanha eleitoral. Em bravata populista, afirmou que Deus o havia poupado no atentado de julho passado para que fizesse seu país "grandioso novamente" —o mote de sua ascensão à Casa Branca no pleito de 2016.

Insistiu em bufonarias como restrição a gêneros e renomear o golfo do México como "da América". Deu ares oficiais ao intento de retomar o canal do Panamá.

Foi a rara referência à maior rival dos EUA, a China, acusada falsamente de controlar o local. De resto, Trump tocou violinos para os ouvidos de Xi Jinping, agraciado com afagos antes da posse.

À inédita injúria de assistir um presidente ameaçar a soberania alheia na posse foi adicionado o insulto de ouvi-lo prometer ser um "pacificador e unificador".

Gabou-se do cessar-fogo em Gaza, que de fato só andou por sua insistência. Sem citar a Ucrânia, para deleite de Vladimir Putin, prometeu acabar com guerras e não entrar em nenhuma.

Enquanto Los Angeles combate uma onda inaudita de incêndios, sua posição em favor dos combustíveis fósseis foi ratificada, assim como a saída do Acordo de Paris, um dos aspectos mais nefastos de sua extensa pauta.

Haverá resistência a ela. Contudo o Trump de 2025 tem ativos que o de 2017 não tinha: controle total sobre seu partido, que comanda o Congresso, um gabinete de fiéis fanáticos, uma Suprema Corte conservadora e a nova elite tecnológica aliada a indústrias do passado para apoiá-lo.

Tal cenário tem guiado a cautela mundial ante Trump, por ora adotada até por vocais críticos com muito a perder, como Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Reforma tributária trará ganho para a cidadania

Folha de S. Paulo

Labirinto atual de impostos camufla carga excessiva no país; mesmo imperfeito, texto sancionado representa grande avanço

Com a sanção presidencial da principal lei complementar que regulamenta a reforma tributária, o país dá um passo decisivo para modernizar o sistema de impostos e favorecer o crescimento econômico.

O texto define as regras de cobrança dos dois tributos básicos sobre o consumo (CBS, federal, e IBS, estadual e municipal) que substituirão os atuais PIS, Cofins e IPI, federais, ICMS, estadual, e ISS, municipal. A transição ocorrerá de 2027 a 2032. Também é instituído o imposto seletivo para bens e serviços nocivos à saúde e ao ambiente.

Houve 15 vetos entre os 544 artigos, a maioria de natureza técnica, sem alterações de mérito no diploma aprovado pelo Congresso —que, embora longe do ideal devido à disposição dos parlamentares de atender lobbies, proporciona um salto de qualidade em dois pontos essenciais.

O primeiro é a unificação da base tributária, que viabiliza o fim da cobrança cumulativa, de imposto sobre imposto. No novo modelo, CBS e IBS incidem sobre o valor agregado nos produtos, descontando montantes pagos nos estágios intermediários até a chegada no consumidor final.

Infelizmente, as muitas isenções e tarifas reduzidas acabaram por elevar em demasia a alíquota padrão. Estimada em 28%, será a maior do mundo, segundo os dados da OCDE. Mas isso tão somente explicita o que já ocorre hoje —e não é percebido por causa do labirinto de tributos.

A plena exposição da excessiva carga incidente sobre a produção e comercialização de bens e serviços terá a serventia de facilitar a compreensão da sociedade, com ganhos para a cidadania.

De todo modo, até 2031 será necessário revisar os benefícios para que a alíquota não supere o teto de 26,5% fixado.

O outro ganho fundamental é a taxação no destino das mercadorias, o que permite o fim da guerra fiscal em que estados oferecem benesses tributárias para atrair empresas e investimentos. Tal anomalia distorce as decisões econômicas, que deixam de seguir critérios de eficiência e prejudicam a produtividade.

Resta ainda finalizar dois aspectos da regulamentação: as normas do comitê gestor que administrará a cobrança e distribuição do IBS a cargo de estados e municípios, com votação esperada neste ano, e a regulamentação dos fundos regionais para compensar o fim dos incentivos, o custo político da reforma.

O saldo, mesmo assim, é inequivocamente positivo, e o país deverá colher os frutos de um sistema mais moderno e amigável para a produção e o emprego.

A nova ‘herança maldita’

O Estado de S. Paulo

Haddad reconhece que comportamento da dívida preocupa, mas não faz qualquer aceno para retomar a confiança e culpa o governo Bolsonaro por suposta ‘bagunça’ na área fiscal

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu, em entrevista à CNN, estar preocupado com a trajetória da dívida pública. Embora não seja mais que a simples constatação dos fatos, a declaração traz algum alento, pois mostra que nem todos no governo Lula da Silva estão em estado de negação e acham que tudo não passa de um problema de “comunicação”.

Os dados do ano passado ainda não foram fechados, mas o Tesouro Nacional, no mais recente Relatório de Projeções Fiscais, divulgado em dezembro, estima que a dívida bruta deva atingir 77,7% do PIB. Ainda segundo o órgão, o endividamento bruto deve aumentar até 2028, para 83,1% do PIB, para só então iniciar uma trajetória descendente e recuar a 80,8% do PIB em 2034.

Essas projeções, no entanto, consideram parâmetros defasados, a começar pela taxa básica de juros, que está em 12,25% e deve chegar a 14,25% em março. No mesmo relatório, no entanto, há outra projeção sobre o comportamento da dívida e que considera previsões extraídas do Boletim Focus.

Com base nessas projeções, o mercado financeiro projeta que a dívida bruta deva fechar o ano de 2024 em 78,2% do PIB e subir a 87,7% em 2028 – estimativa superior à do governo, portanto. Nesse cenário, no entanto, o Tesouro Nacional tem uma projeção ainda mais pessimista que a dos investidores e prevê que a dívida bruta alcance 89,8% do PIB em 2028.

Os números demonstram que não há como o ministro negar que a dívida bruta faça parte de suas preocupações. De fato, a solução para qualquer problema passa por um diagnóstico correto, mas isso obviamente não basta. É preciso que essa preocupação se materialize em um compromisso que vá além do discurso e se transforme em ações concretas.

Não foi isso que o esvaziado pacote de corte de gastos do governo representou. E, apesar da insistência dos jornalistas, o ministro não trouxe nada de essencialmente novo na longa entrevista que concedeu à CNN.

É até compreensível que Haddad resista a anunciar medidas que não tenham sido submetidas e aprovadas por Lula da Silva, mas é sintomático que o presidente ainda não tenha percebido que a retomada da confiança dos investidores depende disso, a despeito das cotações do dólar terem superado os R$ 6,00.

Como costuma fazer, Haddad disse que nem sempre as projeções que o mercado faz se confirmam. É verdade, por exemplo, que o crescimento do PIB nos últimos dois anos surpreendeu a maioria dos analistas. Mas, se esse desempenho fosse realmente sustentável, a dívida bruta na proporção do PIB teria de ter caído no mesmo período.

Se a dívida não caiu, foi porque a taxa básica de juros aumentou, ao contrário do que o mercado projetava. A Selic aumentou porque os gastos públicos cresceram mais do que o mercado imaginava. E os gastos cresceram porque uma boa parte deles está vinculada ao comportamento das receitas, que subiram mais do que o mercado imaginava.

Mas o governo não está disposto a reconhecer sua parcela de culpa nessa conjuntura – e, diga-se de passagem, nem mesmo o ministro Haddad. Reeditando o discurso sobre a “herança maldita” que Lula da Silva dizia ter recebido do presidente Fernando Henrique Cardoso, o ministro queixou-se da suposta “bagunça” fiscal deixada pelo governo Jair Bolsonaro, como o calote nos precatórios e a proporção que as emendas parlamentares assumiram no Orçamento-Geral da União.

Mas o governo Lula da Silva ampliou as despesas públicas antes mesmo de assumir, por meio da emenda constitucional da transição. Já no primeiro ano de mandato, o Executivo retomou a política de aumento real do salário mínimo e resgatou o piso constitucional da Saúde e da Educação, sem pensar nas consequências que essas medidas teriam no gasto público e sem considerar o quanto isso enfraqueceria o arcabouço fiscal que ele mesmo propôs.

E é sempre bom lembrar que quem mais contribuiu para desidratar o pacote de gastos no fim do ano passado – motivo da desconfiança do mercado em relação à dívida – foram os próprios ministros do governo e a base do Executivo no Congresso. Um governo assim nem precisa de oposição, pois é quem mais boicota a si mesmo. Sobre isso, por óbvio, o ministro não falou, e nem falará até a eleição presidencial de 2026.

Hora de pragmatismo na relação com os EUA

O Estado de S. Paulo

Os efeitos disruptivos de Trump sobre a economia e a geopolítica globais podem ser moderados no Brasil, se o governo fizer a lição de casa na economia e contiver seus fetiches ideológicos

O cenário de incertezas globais prenunciado pelo segundo mandato de Donald Trump na presidência dos EUA impõe desafios a todo o mundo. Mas, para o bem ou para o mal, a América Latina não está entre suas prioridades geopolíticas. Suas políticas econômicas criam riscos aos emergentes em geral. Para o Brasil, em particular, não será diferente, mas o impacto tende a ser comparativamente moderado e pode até vir acompanhado de oportunidades. O maior desafio é doméstico: evitar que vulnerabilidades econômicas e voluntarismos políticos potencializem esses riscos e desperdicem essas oportunidades.

A guerra comercial com a China e as políticas protecionistas devem desacelerar a globalização comercial. Mas os EUA já exportam para o Brasil mais do que importam, e o maior dano que Trump poderia causar ao País já aconteceu em seu primeiro mandato, com as taxas de importação sobre produtos siderúrgicos. À época, as disputas com a China levaram a um aumento das exportações do Brasil, em especial do agro, o que deve acontecer novamente. Os impactos de políticas protecionistas mais agressivas sobre tradicionais parceiros dos EUA, como Canadá, México e Europa também podem favorecer colateralmente negociações com o Mercosul e o Brasil. O País pode inclusive ser uma alternativa de investimentos para empresas americanas.

Esse cenário só reforça a necessidade de uma agenda de modernização econômica que antecede a eleição de Trump, como a diversificação de exportações, melhorias no ambiente de negócios e na governança pública, redução do “custo Brasil”, mais incentivo à participação de investimentos privados e, sobretudo, equilíbrio fiscal. A perspectiva global de um dólar forte, juros altos e pressões inflacionárias impõe adversidades a todo o mundo, mas o desequilíbrio fiscal no Brasil imporá custos especialmente altos sobre a política monetária e o apetite dos investidores.

O Brasil receberá a Cúpula do Clima da ONU em 2025. Com Trump, a desidratação da agenda multilateral climática já está contratada, mas isso não reverterá a trajetória mundial rumo à transição energética, e o Brasil possui minerais críticos que interessam a todo o mundo, inclusive a empresas americanas.

Outra zona de potencial atrito em 2025 é a presidência do Brasil no Brics. Como se sabe, China e Rússia manobram para transformar o bloco de um grupo de grandes emergentes em um clube autocrático antiocidental. O governo Trump pode ser um pretexto conveniente para o Brasil jogar água na fervura e voltar a focar em questões econômicas, aproximando-se de outros países que buscam uma política de não alinhamento, como Índia ou Arábia Saudita. É também uma oportunidade para ampliar a distância das autocracias latino-americanas.

Tudo isso exigirá doses extras de sangue-frio e pragmatismo por parte do Planalto. Assim como as afinidades pessoais e ideológicas com Jair Bolsonaro não trouxeram grandes vantagens ao Brasil no primeiro mandato de Trump, as antipatias mútuas entre ele e Lula não precisam acarretar maiores prejuízos. Lula já derrapou feio antes das eleições, anunciando sua preferência pela democrata Kamala Harris e associando um governo Trump à volta do “fascismo”. Espera-se que esse estoque de gafes e provocações irresponsáveis já tenha sido queimado.

“Da nossa parte, não queremos briga nem com a Venezuela, nem com os americanos, nem com a China, nem com a Índia, nem com a Rússia. Nós queremos paz, harmonia, ter uma relação onde a diplomacia seja a coisa mais importante e não a desavença”, disse Lula no dia da posse de Trump, afirmando que torce para que o republicano faça uma “gestão profícua, para que o povo americano melhore”. Do mesmo modo, o povo brasileiro espera uma diplomacia profícua. Nem sempre foi assim nas gestões petistas, ao contrário. Mas o Itamaraty tem quadros competentes e profissionais. Bem fará o presidente se deixar que eles lubrifiquem o mecanismo institucional e diplomático com os EUA, e se concentre em sanar as vulnerabilidades econômicas internas que podem dificultar a navegação do Brasil no mar revolto à frente.

O professor faz a diferença

O Estado de S. Paulo

Notas de redação de alunos de escola pública do Pará realçam importância do magistério

O desempenho de 235 alunos de uma escola paraense que tiraram notas acima de 800 em redação no Enem (85 deles acima de 900), relatado em uma reportagem do Estadão, é um exemplo concreto da importância de bons professores. Não é exagero dizer que o interesse dos estudantes, sua formação intelectual e a capacidade de assimilar conhecimento dependem basicamente deles.

Foi por iniciativa do professor de português Demétrius Araújo, da Escola Estadual Anísio Teixeira, de Marabá, que os alunos do ensino médio passaram a aprender a redigir textos como se deve: acompanhando as correções, identificando os erros e descobrindo como torná-los mais coerentes, objetivos e coesos. E foi essa clareza de ideias que resultou no sucesso numa etapa decisiva do Enem. À primeira vista, parece ser o básico. E é.

As dificuldades da empreitada, porém, vêm do próprio sistema educacional adotado no País e ficam evidentes na descrição feita pelo professor de como passou a adotar a metodologia. Ele pediu autorização para usar um horário livre em sua planilha de aulas para fazer as correções e orientar os alunos. “Devido às circunstâncias, não são todos os professores de escola pública que fazem as correções dos textos, é um trabalho árduo. Tem alunos que chegam ao 3.º ano do ensino médio sem ter feito nenhum texto”, explicou Araújo, com a naturalidade de quem já se acostumou aos percalços da profissão.

Ser professor de ensino fundamental e médio no Brasil significa dividir a jornada de 40 horas semanais por diferentes escolas, muitas vezes complementar os baixos salários com aulas particulares, consumir uma parcela significativa do tempo no traslado entre unidades distantes e não contar com a solidez e perspectiva de um plano de carreira. A situação precária foi minando a atratividade do magistério e, como já disse a educadora Cláudia Costin, fez a opinião pública olhar para o professor com pena, e não com o respeito e a admiração que a profissão merece.

Medidas como a do Programa Mais Professores, anunciada recentemente pelo governo federal, podem ajudar a combater o desinteresse. A partir deste ano serão oferecidas bolsas mensais de R$ 1.050 a candidatos bem avaliados no Enem que escolherem cursos de licenciatura. Também haverá bolsas de R$ 2,1 mil para incentivar a transferência de professores para áreas com falta de docentes, especialmente nas Regiões Norte e Nordeste, onde alguns Estados registram déficit de mais de 60% para algumas disciplinas, embora não seja um problema isolado. Em São Paulo, Estado mais rico do País, por exemplo, o déficit de professores de física chega 63,3%, segundo dados do Inep.

O “Pé de Meia para Professores”, como o programa está sendo chamado, é uma boa iniciativa, mas insuficiente para solucionar um problema crônico. É preciso avançar muito mais na valorização da carreira de professor, com medidas de impacto em Estados e municípios. As disfunções graves pedem soluções urgentes e só assim casos como o da escola que recebeu o nome do criador do ensino público no País deixarão de ser uma notável exceção.

Donald Trump mostra a que veio

Correio Braziliense

No retorno à presidência, Trump cumpriu promessas de campanha e, de imediato, retomou projetos conservadores, sustentados pelo negacionismo, por políticas sociais excludentes e outros pilares que despertam preocupação

O republicano Donald Trump chegou ontem à Casa Branca para presidir pelos próximos quatro anos os Estados Unidos, a maior economia do mundo. No retorno à presidência, ele cumpriu promessas de campanha e, de imediato, retomou projetos conservadores, sustentados pelo negacionismo da ciência, pelo protecionismo, por políticas sociais excludentes, entre outros pilares que despertam preocupação. Mostrou a que veio e que tem pressa para cumprir a controversa agenda.  

Na cerimônia de posse, o bilionário anunciou que, pela segunda vez, os EUA deixarão o Acordo de Paris, assinado por 196 países em 2015, para conter o aquecimento do planeta. Foi além: declarou que o país está em emergência nacional de energia e que, para enfrentá-la, vai "perfurar e perfurar" para ter "a maior quantidade de petróleo" do planeta. Um recado claro para líderes preocupados com a crise climática, incluindo o brasileiro, que será o anfitrião da próxima COP, em novembro, no Pará. 

Outra urgência diz respeito à imigração. O republicano decretou emergência nacional na fronteira do sul, com deportação em massa de quem está em situação ilegal. Cerca de 2 milhões de brasileiros vivem nos Estados Unidos — a maior colônia estrangeira espalhada em diferentes estados norte-americanos —, e estimativas de 2022 indicam que em torno de 230 mil não têm documentação. Esses comporiam a parcela de estrangeiros denominada por Trump como "criminosos" e que, portanto, serão banidos do país. Especialistas também cogitam que, em função das medidas adotadas pelo republicano, haja uma nova dinâmica migratória na região das Américas, com possíveis desdobramentos nos países de economias mais equilibradas.

Ainda na pauta humanitária, Trump estabeleceu que, a partir de agora, só dois gêneros — masculino e feminino — serão reconhecidos no país. O segmento LGBTQIAP será ignorado. Na prática, o conservadorismo do novo ocupante da Casa Branca pode reforçar e estimular. mesmo que ele não tenha sido explícito, a homofobia e a violência contra esse segmento em todas as sociedades.

As políticas protecionistas anunciadas pelo novo presidente estadunidense — entre elas, a taxação de importações — poderão afetar os países emergentes diante da valorização do dólar em relação às outras moedas. Com o dólar mais forte, haverá mais pressões inflacionárias no território nacional, obrigando o Banco Central brasileiro a manter os juros mais altos e por um período mais prolongado. Vale lembrar que, antes mesmo da posse de Trump, a disparada da moeda americana tem sido alvo das críticas à política econômica do governo Lula, ofuscando, inclusive, bons resultados na área, como a baixa na taxa de desemprego. 

Atrás da China, os  EUA são o segundo maior parceiro comercial do mercado brasileiro. No ano passado, as exportações nacionais bateram recorde, somando US$ 40,3 bilhões, um valor histórico. Por todos esses motivos, enfraquecer as relações com o chefe da Casa Branca não faz sentido para o Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no discurso na primeira reunião ministerial do ano, acertou ao dizer que torce para que Trump "faça uma gestão profícua para que o povo americano melhore" e que "não quer briga".  Como líder da mais importante nação do mundo, o republicano tem como missão não só zelar pelo bem-estar da sociedade americana, mas agir para que o mesmo ocorra em todas as nações.

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