Alívio a dívidas estaduais terá custo alto
O Globo
Apesar da generosidade do programa aprovado,
governadores ainda fazem pressão para derrubar vetos de Lula
Governadores passaram a reclamar em coro dos
vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei Complementar que
estabeleceu novas regras para a renegociação de dívidas estaduais. As
reclamações não têm o menor sentido. A lei — sancionada por Lula em seus pontos
essenciais — é apenas o último na série de socorros da União aos estados
incapazes de honrar dívidas que hoje somam em torno de R$ 760 bilhões — 90%
concentradas em São Paulo, Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Repetindo
o que já ocorreu em 1993, 1997 e 2016, os estados receberão mais um alívio nas
condições de pagamento.
Eles poderão aderir ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) até 31 de dezembro. Pelas regras, os juros cobrados — hoje de 4% — poderão cair até zero em troca de compromissos como entrega de ativos à União, investimentos em educação ou infraestrutura. No entender do secretário do Tesouro, Rogério Ceron, a lei “permitirá rápida redução desse endividamento ao longo do tempo”. “Não haverá nenhum tipo de perdão de dívida, mas com encargos menores você facilita o pagamento”, diz ele.
Não foram, contudo, impostas contrapartidas
satisfatórias de responsabilidade fiscal aos governos estaduais. Nada garante,
portanto, que não venham a pedir novo socorro no futuro quando as contas saírem
do controle. Mesmo com as condições generosas sancionadas por Lula, os
governadores já fazem pressão em suas bancadas no Congresso para derrubar os
vetos.
Um deles exclui um trecho da lei que
desobrigava estados afetados por calamidade pública, caso do Rio Grande do Sul,
de repassar recursos ao Fundo de Equalização Federativa (FEF), criado para
atender estados que não entrem no Propag. O governador gaúcho, Eduardo Leite,
afirma que, antes do veto, o estado poderia pagar sua dívida e contribuir ao
FEF de forma escalonada, a partir de 2027. Agora, diz ele, será preciso pagar
tudo de forma integral. Mas os estados têm até o final do ano para se ajustar.
Não faltará tempo.
Lula também vetou o abatimento de juros com
base nos gastos em exploração de recursos naturais, como petróleo, gás e
energia, e a dedução da dívida de despesas de responsabilidade federal, como
obras. Foi uma decisão sensata. O Brasil conta com a Petrobras e diversas
companhias privadas atuando nos setores de óleo, gás e energia. Investimentos
estaduais não são necessários. Quanto às obras, não tem cabimento o governo
federal arcar com o ônus de gastos estaduais sobre os quais não tem poder de
decisão.
Dada a sucessão de socorros de Brasília, não
espanta que diversos estados continuem a administrar suas contas dentro da
velha cultura segundo a qual, em momento de aperto, a União atenderá a seus
pleitos para evitar a falência de serviços públicos. Evidentemente, o pagamento
das parcelas da dívida não pode paralisar os estados. Mas é um despropósito que
governadores desejem viver sob o guarda-chuva financeiro da União, desprezando
os princípios de responsabilidade fiscal que deveriam valer para todos. O resgate
das finanças estaduais feito pela União tem um custo, e ele não é baixo. O
Ministério da Fazenda estima o total em R$ 20 bilhões ao ano, com reflexos
inevitáveis na dívida pública, cuja trajetória de alta é hoje o maior desafio
da política econômica. O preço alto do socorro aos estados será, em última
análise, pago por todos os brasileiros.
É lamentável incapacidade do MEC de proteger
informações do Sisu
O Globo
Nos últimos dias, falhas no sistema de
inscrição em universidades públicas têm espalhado enorme insegurança
Não bastasse a tensão inerente a tentar obter
vaga em universidade, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) entrou em pane às
vésperas do fim do prazo para a escolha dos estudantes. Oficialmente acaba hoje
a inscrição para candidatos a 261.779 vagas em 6.851 cursos de graduação de 124
universidades públicas. Nos últimos dias, os erros verificados no acesso ao
Sisu têm espalhado enorme insegurança. Há relatos de mudança nas opções de
cursos, troca de perfis de candidatos e permissão para que uns alterem escolhas
dos outros. Mesmo procurando negar as falhas, o Ministério da Educação (MEC)
acionou a área de tecnologia para averiguar.
Diversos problemas no acesso ao Sisu foram
relatados nas redes sociais durante o último fim de semana. Não apenas trocas
por dados de outros candidatos, mas também mudanças de cursos feitas
automaticamente pelo sistema. Em geral, quando o estudante saía e entrava
novamente na plataforma, os dados verdadeiros eram recuperados. Mas sempre
restava a preocupação sobre que informações o Sisu levaria em conta.
O estudante Benedito Cavalcante conta que, no
último sábado, ao entrar no Sisu para tentar modificar uma de suas opções, a
plataforma o dirigiu ao perfil de outra candidata chamada Maria Eduarda.
Benedito, que mora em Manaus e pretende cursar medicina, obteve acesso aos
dados pessoais dela e a suas opções de cursos, farmácia e pedagogia, em
universidades do Ceará. Casos do tipo se multiplicaram. Uma estudante teve o
bom senso de entrar em contato com o dono do perfil a que teve acesso, e os
dois combinaram ativar a identificação em duas etapas, destinada a dificultar o
acesso de terceiros. Mas claro que a segurança de nenhum sistema público que
armazena dados sensíveis pode depender do bom senso nem da boa-fé dos usuários.
É lamentável a incapacidade do MEC de proteger as informações dos estudantes.
Se a falha no sistema fizer com que o
estudante perca a prévia de sua classificação no Sisu, ele ficará no escuro com
relação a suas notas. O professor de matemática Frederico Torres, cujo perfil
no Instagram sobre Enem e Sisu tem 108 mil seguidores, diz ter recebido mais de
20 mensagens sobre a invasão de perfis alheios e passou a aconselhar que, por
precaução, os candidatos fizessem imagens das páginas a cada alteração de curso
ou universidade, além de gravar tudo em vídeo para o caso de haver divergências
quando o resultado final for divulgado. Outro conselho é abrir um processo na
Ouvidoria do MEC.
Também rondam os estudantes ameaças de
estelionatários. Um deles oferecia um link para o pagamento de uma taxa para
inscrição gratuita no Sisu, no Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino
Superior (Fies) e no Programa Universidade para Todos (Prouni). Infelizmente, a
ameaça mais premente está dentro dos próprios computadores do MEC. Tais falhas,
logo no momento em que centenas de milhares de estudantes se inscrevem no
ensino superior, não podem ser toleradas.
Agricultura promete reação, mas clima e
crédito preocupam
Valor Econômico
Safra 2024/25 pode alcançar 322,3 milhões de
toneladas de grãos, com aumento de 8,2% em relação à colheita anterior e poderá
se tornar a maior da história
A recuperação da safra de 2024/2025 é o
principal trunfo do governo para contrabalançar a desaceleração da economia
prevista para este ano. O esperado aumento da produção de grãos pode contagiar
positivamente outros setores, como os serviços, transportes e insumos, e animar
a balança comercial, em um ano particularmente incerto devido ao receio de
aumento das pressões protecionistas no exterior.
No cenário mais otimista, a retomada da
produção agrícola compensará o recuo da receita da pecuária e turbinará a
economia à semelhança do que aconteceu em 2023, embora com menos intensidade.
Naquele ano, segundo revisão feita em dezembro pelo IBGE, o Produto Interno
Bruto (PIB) da agropecuária saltou 16,3%, contribuindo decisivamente para a
expansão total de 3,2%. O impacto só não foi maior porque a agropecuária
contribui menos para o PIB do que os serviços e a indústria, que cresceram 2,8%
e 1,7%, respectivamente.
A mais recente previsão da Companhia Nacional
de Abastecimento (Conab) é que a safra 2024/25 pode alcançar 322,3 milhões de
toneladas de grãos, número ligeiramente menor do que o estimado em dezembro,
mas que representará aumento de 8,2% em relação à colheita anterior e poderá se
tornar a maior da história. A área plantada deverá crescer 1,8% e a
produtividade média, aumentar 6,3%. Com chuvas regulares, as condições
climáticas têm, até o momento, favorecido o desenvolvimento das lavouras nos
principais Estados produtores, contribuindo para a expansão da produtividade em
diversas culturas.
A soja, carro-chefe da agricultura
brasileira, tem a produção estimada em 166,3 milhões de toneladas, com
crescimento de 12,6%. O clima tem beneficiado o plantio, que ocorreu de forma
concentrada a partir do fim de outubro na maior parte das regiões produtoras.
Em dezembro, a semeadura da oleaginosa atingia 94,1% da área destinada. Outras
culturas também apresentam perspectivas positivas. A produção de milho deverá
crescer 3,3%, e a de arroz, 8,5%.
A se confirmarem os levantamentos, haverá uma
reversão do quadro negativo da safra de grãos anterior, de 2023/2024, quando a
produção diminuiu em cerca de 7%, para 298,41 milhões de toneladas. A soja
sofreu queda de 7,23 milhões de toneladas, totalizando 147,38 milhões de
toneladas, prejudicada pelo atraso no início das chuvas, baixas precipitações e
altas temperaturas em regiões produtoras, além do excesso de chuvas no Rio
Grande ande do Sul, que afetou severamente a produtividade.
Por conta desse desempenho negativo em 2024,
as estimativas são de que o PIB da agropecuária tenha caído de 2% a 3% no ano
passado, enquanto o PIB total pode ter crescido de 3% a 3,5%. No terceiro
trimestre, enquanto o PIB total cresceu 0,9%, o da agropecuária caiu na mesma
magnitude, com a perda de produtividade de culturas importantes para o período,
como cana, milho e laranja. Intempéries e incêndios atingiram muitas lavouras.
Esse desempenho neutralizou os bons resultados do algodão, trigo e café que registraram
aumento da produção.
Com a retomada da safra, a ponto de já haver
preocupação com a disponibilidade de armazenagem, o PIB da agropecuária pode
recuperar em 2025 as perdas do ano passado e poderá registrar crescimento de
até 5,5% de acordo com algumas previsões, ajudado também pela queda do real em
relação ao dólar, que torna os produtos brasileiros mais competitivos na
exportação.
Há dois pontos de interrogação nesse cenário
róseo: o clima e a oferta de crédito. A ocorrência de extremos climáticos é
sempre um fator imponderável. Embora as previsões sejam positivas até agora,
produtores de soja do Sul estão preocupados com a falta de chuva e o calor
(Valor, 15/01). Já o custo do crédito vai subir inevitavelmente, acompanhando a
indicação de elevação da taxa de juro básica, a Selic, dada pelo Banco Central.
O Copom elevou a Selic para 12,25% na última reunião de 2024 e parte do mercado
financeiro estima que a taxa possa chegar a 15% neste ano. Os juros elevados
encarecem os investimentos em insumos e equipamentos e o capital de giro.
A alta dos juros básicos também aumenta os
custos de equalização do crédito rural oficial, dificultando o equilíbrio entre
a oferta de recursos subsidiados e as taxas cobradas dos produtores. No Plano
Safra 2024/25, a expectativa era de redução dos juros, mas o cenário se
inverteu, com a elevação da Selic. Isso pressiona o orçamento destinado à
equalização, já comprometido com operações de anos anteriores, e levanta
dúvidas sobre a disponibilidade de recursos mais baratos.
Dados do segundo semestre de 2024 já
mostraram uma redução dos desembolsos do crédito rural e a substituição de
fontes subsidiadas por alternativas privadas, como as Cédulas de Produto Rural
(CPRs). Mas as alternativas de mercado têm custos mais elevados e não são
acessíveis a produtores de menor porte. Em cenário de restrição orçamentária
não dá para contar com a expansão do Plano Safra.
Um efeito secundário da maior ajuda da
agricultura é que ela pode amortecer os preços dos alimentos, a maior
influência hoje nos índices de inflação.
Trump, mais forte, assume com agenda
agressiva
Folha de S. Paulo
Presidente ameaça soberania do Panamá e
apresenta medidas polêmicas; hoje, ele tem mais apoio orgânico do que em 2017
Donald John Trump tomou posse nesta segunda
(20) como o 47º presidente dos Estados
Unidos com um discurso incendiário que, mesmo previsível, suscita
temores acerca dos próximos quatro anos em que o magnata mercurial estará à
frente da mais poderosa nação da Terra.
E, a depender dele e de Elon Musk,
seu mais novo escudeiro, talvez até de Marte —nem o planeta vermelho escapou
das promessas grandiloquentes alinhadas pelo republicano.
Dezenas delas deverão
se materializar na forma de ordens executivas, parentes dos antigos
decretos-leis brasileiros que, diferentemente das atuais medidas provisórias,
não precisam ser submetidas ao Congresso.
A cornucópia trumpista foi aberta ante
um Joe
Biden em silêncio obsequioso, algo que Trump não fez quando faltou à
posse do democrata que o havia derrotado em 2020. Tudo sob o teto do mesmo
Capitólio vilipendiado pelos seguidores do republicano no 6 de janeiro de 2021,
que agora devem ser perdoados.
Falou sobre estado de emergência nas
fronteiras e decretos contra imigração ilegal, com base em mentiras acerca de
uma invasão de criminosos de outros países, e mirou políticas identitárias.
Aos 78 anos, o mais velho a assumir o posto,
Trump exalou o messianismo que marcou sua campanha eleitoral. Em bravata
populista, afirmou que Deus o havia poupado no atentado de julho passado para
que fizesse seu país "grandioso novamente" —o mote de sua ascensão à
Casa Branca no pleito de 2016.
Insistiu em bufonarias como restrição a
gêneros e renomear o golfo do México como "da América". Deu ares
oficiais ao intento de retomar o canal do Panamá.
Foi a rara referência à maior rival dos EUA,
a China,
acusada falsamente de controlar o local. De resto, Trump tocou violinos para os
ouvidos de Xi Jinping,
agraciado com afagos antes da posse.
À inédita injúria de assistir um presidente
ameaçar a soberania alheia na posse foi adicionado o insulto de ouvi-lo
prometer ser um "pacificador e unificador".
Gabou-se do cessar-fogo em Gaza, que
de fato só andou por sua insistência. Sem citar a Ucrânia, para
deleite de Vladimir
Putin, prometeu acabar com guerras e não entrar em nenhuma.
Enquanto Los Angeles combate
uma onda inaudita de incêndios, sua posição em favor dos combustíveis fósseis
foi ratificada, assim como a saída do Acordo de
Paris, um dos aspectos mais nefastos de sua extensa pauta.
Haverá resistência a ela. Contudo o Trump de
2025 tem ativos que o de 2017 não tinha: controle total sobre seu partido, que
comanda o Congresso, um gabinete de fiéis fanáticos, uma Suprema Corte
conservadora e a
nova elite tecnológica aliada a indústrias do passado para apoiá-lo.
Tal cenário tem guiado a cautela mundial ante
Trump, por ora adotada até por vocais críticos com muito a perder, como Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT).
Reforma tributária trará ganho para a
cidadania
Folha de S. Paulo
Labirinto atual de impostos camufla carga
excessiva no país; mesmo imperfeito, texto sancionado representa grande avanço
Com a sanção presidencial da principal
lei complementar que regulamenta a reforma tributária, o país dá um passo
decisivo para modernizar o sistema de impostos e favorecer o crescimento
econômico.
O texto define as regras de cobrança dos dois
tributos básicos sobre o consumo (CBS, federal, e IBS, estadual e municipal)
que substituirão os atuais PIS, Cofins e IPI, federais, ICMS, estadual, e ISS,
municipal. A transição ocorrerá de 2027 a 2032. Também é instituído o imposto
seletivo para bens e serviços nocivos à saúde e ao ambiente.
Houve 15 vetos entre os 544 artigos, a
maioria de natureza técnica, sem alterações de mérito no diploma aprovado pelo
Congresso —que, embora longe do ideal devido à disposição dos parlamentares de
atender lobbies, proporciona um salto de qualidade em dois pontos essenciais.
O primeiro é a unificação da base tributária,
que viabiliza o fim da cobrança cumulativa, de imposto sobre imposto. No novo
modelo, CBS e IBS incidem sobre o valor agregado nos produtos, descontando
montantes pagos nos estágios intermediários até a chegada no consumidor final.
Infelizmente, as
muitas isenções e tarifas reduzidas acabaram por elevar em demasia a
alíquota padrão. Estimada em 28%, será a maior do mundo, segundo os dados
da OCDE.
Mas isso tão somente explicita o que já ocorre hoje —e não é percebido por
causa do labirinto de tributos.
A plena exposição da excessiva carga
incidente sobre a produção e comercialização de bens e serviços terá a
serventia de facilitar a compreensão da sociedade, com ganhos para a cidadania.
De todo modo, até 2031 será necessário
revisar os benefícios para que a alíquota não supere o teto de 26,5% fixado.
O outro ganho fundamental é a taxação no
destino das mercadorias, o que permite o fim da guerra fiscal em que estados
oferecem benesses tributárias para atrair empresas e investimentos. Tal
anomalia distorce as decisões econômicas, que deixam de seguir critérios de
eficiência e prejudicam a produtividade.
Resta ainda finalizar dois aspectos da
regulamentação: as normas do comitê gestor que administrará a cobrança e
distribuição do IBS a cargo de estados e municípios, com votação esperada neste
ano, e a regulamentação dos fundos regionais para compensar o fim dos
incentivos, o custo político da reforma.
O saldo, mesmo assim, é inequivocamente positivo, e o país deverá colher os frutos de um sistema mais moderno e amigável para a produção e o emprego.
A nova ‘herança maldita’
O Estado de S. Paulo
Haddad reconhece que comportamento da dívida
preocupa, mas não faz qualquer aceno para retomar a confiança e culpa o governo
Bolsonaro por suposta ‘bagunça’ na área fiscal
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
admitiu, em entrevista à CNN, estar preocupado com a trajetória da dívida
pública. Embora não seja mais que a simples constatação dos fatos, a declaração
traz algum alento, pois mostra que nem todos no governo Lula da Silva estão em
estado de negação e acham que tudo não passa de um problema de “comunicação”.
Os dados do ano passado ainda não foram
fechados, mas o Tesouro Nacional, no mais recente Relatório de Projeções
Fiscais, divulgado em dezembro, estima que a dívida bruta deva atingir 77,7% do
PIB. Ainda segundo o órgão, o endividamento bruto deve aumentar até 2028, para
83,1% do PIB, para só então iniciar uma trajetória descendente e recuar a 80,8%
do PIB em 2034.
Essas projeções, no entanto, consideram
parâmetros defasados, a começar pela taxa básica de juros, que está em 12,25% e
deve chegar a 14,25% em março. No mesmo relatório, no entanto, há outra
projeção sobre o comportamento da dívida e que considera previsões extraídas
do Boletim Focus.
Com base nessas projeções, o mercado
financeiro projeta que a dívida bruta deva fechar o ano de 2024 em 78,2% do PIB
e subir a 87,7% em 2028 – estimativa superior à do governo, portanto. Nesse
cenário, no entanto, o Tesouro Nacional tem uma projeção ainda mais pessimista
que a dos investidores e prevê que a dívida bruta alcance 89,8% do PIB em 2028.
Os números demonstram que não há como o
ministro negar que a dívida bruta faça parte de suas preocupações. De fato, a
solução para qualquer problema passa por um diagnóstico correto, mas isso
obviamente não basta. É preciso que essa preocupação se materialize em um
compromisso que vá além do discurso e se transforme em ações concretas.
Não foi isso que o esvaziado pacote de corte
de gastos do governo representou. E, apesar da insistência dos jornalistas, o
ministro não trouxe nada de essencialmente novo na longa entrevista que
concedeu à CNN.
É até compreensível que Haddad resista a
anunciar medidas que não tenham sido submetidas e aprovadas por Lula da Silva,
mas é sintomático que o presidente ainda não tenha percebido que a retomada da
confiança dos investidores depende disso, a despeito das cotações do dólar
terem superado os R$ 6,00.
Como costuma fazer, Haddad disse que nem
sempre as projeções que o mercado faz se confirmam. É verdade, por exemplo, que
o crescimento do PIB nos últimos dois anos surpreendeu a maioria dos analistas.
Mas, se esse desempenho fosse realmente sustentável, a dívida bruta na
proporção do PIB teria de ter caído no mesmo período.
Se a dívida não caiu, foi porque a taxa
básica de juros aumentou, ao contrário do que o mercado projetava. A Selic
aumentou porque os gastos públicos cresceram mais do que o mercado imaginava. E
os gastos cresceram porque uma boa parte deles está vinculada ao comportamento
das receitas, que subiram mais do que o mercado imaginava.
Mas o governo não está disposto a reconhecer
sua parcela de culpa nessa conjuntura – e, diga-se de passagem, nem mesmo o
ministro Haddad. Reeditando o discurso sobre a “herança maldita” que Lula da
Silva dizia ter recebido do presidente Fernando Henrique Cardoso, o ministro
queixou-se da suposta “bagunça” fiscal deixada pelo governo Jair Bolsonaro,
como o calote nos precatórios e a proporção que as emendas parlamentares
assumiram no Orçamento-Geral da União.
Mas o governo Lula da Silva ampliou as
despesas públicas antes mesmo de assumir, por meio da emenda constitucional da
transição. Já no primeiro ano de mandato, o Executivo retomou a política de
aumento real do salário mínimo e resgatou o piso constitucional da Saúde e da
Educação, sem pensar nas consequências que essas medidas teriam no gasto
público e sem considerar o quanto isso enfraqueceria o arcabouço fiscal que ele
mesmo propôs.
E é sempre bom lembrar que quem mais
contribuiu para desidratar o pacote de gastos no fim do ano passado – motivo da
desconfiança do mercado em relação à dívida – foram os próprios ministros do
governo e a base do Executivo no Congresso. Um governo assim nem precisa de
oposição, pois é quem mais boicota a si mesmo. Sobre isso, por óbvio, o
ministro não falou, e nem falará até a eleição presidencial de 2026.
Hora de pragmatismo na relação com os EUA
O Estado de S. Paulo
Os efeitos disruptivos de Trump sobre a
economia e a geopolítica globais podem ser moderados no Brasil, se o governo
fizer a lição de casa na economia e contiver seus fetiches ideológicos
O cenário de incertezas globais prenunciado
pelo segundo mandato de Donald Trump na presidência dos EUA impõe desafios a
todo o mundo. Mas, para o bem ou para o mal, a América Latina não está entre
suas prioridades geopolíticas. Suas políticas econômicas criam riscos aos
emergentes em geral. Para o Brasil, em particular, não será diferente, mas o
impacto tende a ser comparativamente moderado e pode até vir acompanhado de
oportunidades. O maior desafio é doméstico: evitar que vulnerabilidades
econômicas e voluntarismos políticos potencializem esses riscos e desperdicem
essas oportunidades.
A guerra comercial com a China e as políticas
protecionistas devem desacelerar a globalização comercial. Mas os EUA já
exportam para o Brasil mais do que importam, e o maior dano que Trump poderia
causar ao País já aconteceu em seu primeiro mandato, com as taxas de importação
sobre produtos siderúrgicos. À época, as disputas com a China levaram a um
aumento das exportações do Brasil, em especial do agro, o que deve acontecer
novamente. Os impactos de políticas protecionistas mais agressivas sobre tradicionais
parceiros dos EUA, como Canadá, México e Europa também podem favorecer
colateralmente negociações com o Mercosul e o Brasil. O País pode inclusive ser
uma alternativa de investimentos para empresas americanas.
Esse cenário só reforça a necessidade de uma
agenda de modernização econômica que antecede a eleição de Trump, como a
diversificação de exportações, melhorias no ambiente de negócios e na
governança pública, redução do “custo Brasil”, mais incentivo à participação de
investimentos privados e, sobretudo, equilíbrio fiscal. A perspectiva global de
um dólar forte, juros altos e pressões inflacionárias impõe adversidades a todo
o mundo, mas o desequilíbrio fiscal no Brasil imporá custos especialmente altos
sobre a política monetária e o apetite dos investidores.
O Brasil receberá a Cúpula do Clima da ONU em
2025. Com Trump, a desidratação da agenda multilateral climática já está
contratada, mas isso não reverterá a trajetória mundial rumo à transição
energética, e o Brasil possui minerais críticos que interessam a todo o mundo,
inclusive a empresas americanas.
Outra zona de potencial atrito em 2025 é a
presidência do Brasil no Brics. Como se sabe, China e Rússia manobram para
transformar o bloco de um grupo de grandes emergentes em um clube autocrático
antiocidental. O governo Trump pode ser um pretexto conveniente para o Brasil
jogar água na fervura e voltar a focar em questões econômicas, aproximando-se
de outros países que buscam uma política de não alinhamento, como Índia ou
Arábia Saudita. É também uma oportunidade para ampliar a distância das
autocracias latino-americanas.
Tudo isso exigirá doses extras de sangue-frio
e pragmatismo por parte do Planalto. Assim como as afinidades pessoais e
ideológicas com Jair Bolsonaro não trouxeram grandes vantagens ao Brasil no
primeiro mandato de Trump, as antipatias mútuas entre ele e Lula não precisam
acarretar maiores prejuízos. Lula já derrapou feio antes das eleições,
anunciando sua preferência pela democrata Kamala Harris e associando um governo
Trump à volta do “fascismo”. Espera-se que esse estoque de gafes e provocações
irresponsáveis já tenha sido queimado.
“Da nossa parte, não queremos briga nem com a
Venezuela, nem com os americanos, nem com a China, nem com a Índia, nem com a
Rússia. Nós queremos paz, harmonia, ter uma relação onde a diplomacia seja a
coisa mais importante e não a desavença”, disse Lula no dia da posse de Trump,
afirmando que torce para que o republicano faça uma “gestão profícua, para que
o povo americano melhore”. Do mesmo modo, o povo brasileiro espera uma
diplomacia profícua. Nem sempre foi assim nas gestões petistas, ao contrário. Mas
o Itamaraty tem quadros competentes e profissionais. Bem fará o presidente se
deixar que eles lubrifiquem o mecanismo institucional e diplomático com os EUA,
e se concentre em sanar as vulnerabilidades econômicas internas que podem
dificultar a navegação do Brasil no mar revolto à frente.
O professor faz a diferença
O Estado de S. Paulo
Notas de redação de alunos de escola pública
do Pará realçam importância do magistério
O desempenho de 235 alunos de uma escola
paraense que tiraram notas acima de 800 em redação no Enem (85 deles acima de
900), relatado em uma reportagem do Estadão, é um exemplo concreto da
importância de bons professores. Não é exagero dizer que o interesse dos
estudantes, sua formação intelectual e a capacidade de assimilar conhecimento
dependem basicamente deles.
Foi por iniciativa do professor de português
Demétrius Araújo, da Escola Estadual Anísio Teixeira, de Marabá, que os alunos
do ensino médio passaram a aprender a redigir textos como se deve: acompanhando
as correções, identificando os erros e descobrindo como torná-los mais
coerentes, objetivos e coesos. E foi essa clareza de ideias que resultou no
sucesso numa etapa decisiva do Enem. À primeira vista, parece ser o básico. E
é.
As dificuldades da empreitada, porém, vêm do
próprio sistema educacional adotado no País e ficam evidentes na descrição
feita pelo professor de como passou a adotar a metodologia. Ele pediu
autorização para usar um horário livre em sua planilha de aulas para fazer as
correções e orientar os alunos. “Devido às circunstâncias, não são todos os
professores de escola pública que fazem as correções dos textos, é um trabalho
árduo. Tem alunos que chegam ao 3.º ano do ensino médio sem ter feito nenhum
texto”, explicou Araújo, com a naturalidade de quem já se acostumou aos
percalços da profissão.
Ser professor de ensino fundamental e médio
no Brasil significa dividir a jornada de 40 horas semanais por diferentes
escolas, muitas vezes complementar os baixos salários com aulas particulares,
consumir uma parcela significativa do tempo no traslado entre unidades
distantes e não contar com a solidez e perspectiva de um plano de carreira. A
situação precária foi minando a atratividade do magistério e, como já disse a
educadora Cláudia Costin, fez a opinião pública olhar para o professor com
pena, e não com o respeito e a admiração que a profissão merece.
Medidas como a do Programa Mais Professores,
anunciada recentemente pelo governo federal, podem ajudar a combater o
desinteresse. A partir deste ano serão oferecidas bolsas mensais de R$ 1.050 a
candidatos bem avaliados no Enem que escolherem cursos de licenciatura. Também
haverá bolsas de R$ 2,1 mil para incentivar a transferência de professores para
áreas com falta de docentes, especialmente nas Regiões Norte e Nordeste, onde
alguns Estados registram déficit de mais de 60% para algumas disciplinas, embora
não seja um problema isolado. Em São Paulo, Estado mais rico do País, por
exemplo, o déficit de professores de física chega 63,3%, segundo dados do Inep.
O “Pé de Meia para Professores”, como o
programa está sendo chamado, é uma boa iniciativa, mas insuficiente para
solucionar um problema crônico. É preciso avançar muito mais na valorização da
carreira de professor, com medidas de impacto em Estados e municípios. As
disfunções graves pedem soluções urgentes e só assim casos como o da escola que
recebeu o nome do criador do ensino público no País deixarão de ser uma notável
exceção.
Donald Trump mostra a que veio
Correio Braziliense
No retorno à presidência, Trump cumpriu
promessas de campanha e, de imediato, retomou projetos conservadores,
sustentados pelo negacionismo, por políticas sociais excludentes e outros
pilares que despertam preocupação
O republicano Donald Trump chegou ontem
à Casa Branca para presidir pelos próximos quatro anos os Estados Unidos, a
maior economia do mundo. No retorno à presidência, ele cumpriu promessas de
campanha e, de imediato, retomou projetos conservadores, sustentados pelo
negacionismo da ciência, pelo protecionismo, por políticas sociais excludentes,
entre outros pilares que despertam preocupação. Mostrou a que veio e que tem
pressa para cumprir a controversa agenda.
Na cerimônia de posse, o bilionário anunciou
que, pela segunda vez, os EUA deixarão o Acordo de Paris, assinado por 196
países em 2015, para conter o aquecimento do planeta. Foi além: declarou que o
país está em emergência nacional de energia e que, para enfrentá-la, vai
"perfurar e perfurar" para ter "a maior quantidade de
petróleo" do planeta. Um recado claro para líderes preocupados com a crise
climática, incluindo o brasileiro, que será o anfitrião da próxima COP, em
novembro, no Pará.
Outra urgência diz respeito à imigração. O
republicano decretou emergência nacional na fronteira do sul, com deportação em
massa de quem está em situação ilegal. Cerca de 2 milhões de brasileiros vivem
nos Estados Unidos — a maior colônia estrangeira espalhada em diferentes
estados norte-americanos —, e estimativas de 2022 indicam que em torno de 230
mil não têm documentação. Esses comporiam a parcela de estrangeiros denominada
por Trump como "criminosos" e que, portanto, serão banidos do país.
Especialistas também cogitam que, em função das medidas adotadas pelo
republicano, haja uma nova dinâmica migratória na região das Américas, com
possíveis desdobramentos nos países de economias mais equilibradas.
Ainda na pauta humanitária, Trump estabeleceu
que, a partir de agora, só dois gêneros — masculino e feminino — serão
reconhecidos no país. O segmento LGBTQIAP será ignorado. Na prática, o
conservadorismo do novo ocupante da Casa Branca pode reforçar e estimular.
mesmo que ele não tenha sido explícito, a homofobia e a violência contra esse
segmento em todas as sociedades.
As políticas protecionistas anunciadas pelo
novo presidente estadunidense — entre elas, a taxação de importações — poderão
afetar os países emergentes diante da valorização do dólar em relação às outras
moedas. Com o dólar mais forte, haverá mais pressões inflacionárias no
território nacional, obrigando o Banco Central brasileiro a manter os juros
mais altos e por um período mais prolongado. Vale lembrar que, antes mesmo da
posse de Trump, a disparada da moeda americana tem sido alvo das críticas à
política econômica do governo Lula, ofuscando, inclusive, bons resultados na
área, como a baixa na taxa de desemprego.
Atrás da China, os EUA são o segundo maior parceiro comercial do mercado brasileiro. No ano passado, as exportações nacionais bateram recorde, somando US$ 40,3 bilhões, um valor histórico. Por todos esses motivos, enfraquecer as relações com o chefe da Casa Branca não faz sentido para o Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no discurso na primeira reunião ministerial do ano, acertou ao dizer que torce para que Trump "faça uma gestão profícua para que o povo americano melhore" e que "não quer briga". Como líder da mais importante nação do mundo, o republicano tem como missão não só zelar pelo bem-estar da sociedade americana, mas agir para que o mesmo ocorra em todas as nações.
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