terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Plano de Trump pode ter efeitos dramáticos na economia global, mas é difícil saber o que virá - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Ainda se sabe pouco do que republicano quer fazer e de sua capacidade operacional, legal ou política de implementar medidas

Cobrar mais imposto de importação, limitar o comércio exterior e baixar impostos domésticos sem ter receita alternativa é uma fórmula para cozinhar um prato de inflação e taxas de juros mais altas. É o que diz a opinião sensata, óbvia e convencional sobre o efeito da implementação de algumas das promessas de Donald Trump.

Em tese e tudo mais constante parece razoável acreditar que assim seja. Claro que são essas as medidas que podem ter impacto mais imediato na economia americana e do mundo. Donos de dinheiro grande nos EUA acreditam que guerra comercial haverá e, portanto, acreditam ao menos em dólar mais forte (por causa de taxas de juros mais altas).

Mas ainda nesta segunda-feira da posse, se sabe muito pouco do que Trump vai querer fazer de fato, da extensão ou profundidade dessas medidas e em sua capacidade, operacional, legal ou política, de implementá-las. Além do mais, a depender do que fizer em outras áreas e do resto do mundo, seu programa de governo pode ter efeito ainda mais drásticos ou dramáticos.

Trump adiou por algumas semanas o anúncio do aumento de impostos de importação e outras medidas restritivas contra China, seus aliados Canadá e México e sabe-se lá quais países. Não é possível nem especular sobre o tamanho do efeito das restrições comerciais.

No limite maior, podem desandar em uma guerra comercial global, com efeitos secundários sobre atividade econômica, investimentos, fluxos de capitais, preços e condições financeiras. Se moderadas, podem redundar em renegociações de acordos, como Trump 1 já o fez com Canadá e México, ou em concessões de outros parceiros comerciais —Trump é negocista, da barganha. Os aumentos de "tarifas" (impostos de importação) seriam então limitados, com prejuízos contidos para alguns setores da economia americana. Parece óbvio, claro, mas nem os americanos têm ideia do que virá.

O déficit fiscal do governo federal em relação a sua receita é o maior em 50 anos, afora nos anos pós-estouro da crise de 2008 (2009 a 2012) e na epidemia.

Nesses períodos, o governo foi em parte e na prática financiado pelo Fed, o banco central dos EUA. O Fed também na prática subsidiou o setor privado, com ações que redundaram em juros menores. Além do mais, o tamanho da dívida em relação ao PIB era de 39,2% em 2008. Em 2012, foi a 70%. Para 78,9% em 2019 (antes da epidemia). Em 2024, foi a 97,8%. Já se tornou uma preocupação dos donos do dinheiro.

Como vai ser agora? Trump quer manter cortes de impostos para ricos e diminuir impostos para empresas. O déficit primário já é de 3,6% do PIB. Como vai tapar o rombo? Trump diz que vai desmontar o Estado, embora o grosso da despesa seja Previdência, saúde e defesa. Diz ainda que vai obter dinheiro com mais impostos de importação (que teriam de ser brutais, para renderem o bastante). Sem ter ideia do programa fiscal de Trump, é muito difícil começar a pensar sobre taxas de juros e dólar ou inflação.

Qual vai ser a reação popular e política se a inflação voltar a subir? Se o custo do financiamento imobiliário aumentar ainda mais? Se o modesto ganho dos salários reais dos anos finais de Joe Biden desacelerar a quase nada?

Apesar da onda de bajulação dos muito ricos e aspirantes oficiais a plutocratas, setores prejudicados por tiros no pé de Trump vão ficar calados? Se houver retaliação de parceiros comerciais contra a produção agrícola americana, o que o Congresso vai fazer? Deixar que se explodam? A agricultura emprega e produz relativamente pouco, dado o PIB dos EUA, mas tem muita influência política, no Senado em especial.

No pacote do primeiro dia, Trump anunciou também a retomada do Canal do Panamá. O que quer dizer? Que vai ameaçar o governo panamenho apenas para conseguir restrições ao investimento chinês naquele país, por exemplo, e algum favor para empresas americanas (tarifa mais baixa)? Pode ir às vias de fato?

Mesmo sem uso explícito da força, de "marines", vai ser agressivo e ameaçador a ponto de assustar mexicanos ou aliados europeus (e leva-los a tomar providências)? Essa nova política do grande porrete vai ter qual efeito em relações econômicas, em gastos de defesa no resto do mundo?

Imigração. Vai haver impacto bastante, deportações maciças, para afetar o mercado de trabalho (agricultura e serviços perderiam trabalho barato)? Mas em quanto tempo? Em qual dimensão? Vai haver campos de concentração pré-deportação (o que mudaria, para bem ou mal, a política mundial sobre o assunto)? A deportação vai ser grande a ponto de afetar remessas (de dinheiro imigrante) para países centro-americanos?

De cara, Trump também anunciou uma ampla desregulamentação do setor de energia e combustíveis, o desmonte do programa Biden de transição ambiental e de tecnologia verde e a saída do Acordo de Paris.

Suponha-se que os EUA "perfurem", explorem combustíveis fósseis em massa, que mudem sua produção de energia, que tudo isso mexa em preços de energia e no nível de investimento em tecnologias associadas (carro elétrico, baterias, solar etc.). Que os EUA por isso percam vantagens em tecnologia de eletricidade, mas tenham mais energia barata para data centers e inteligência artificial. Mudança grande de fato pode ter impactos amplos em investimento no mundo inteiro.

Equiparar cartéis de drogas a organizações terroristas internacionais, como prometeu Trump, pode ampliar o escopo de atuação militar americana. Vai ter tiro pancada e bomba no quintal latino-americano? Ou vai ser bravata? Trump ameaça também países que queiram driblar o uso do dólar. Não se sabe que tipo de punição econômica pode aplicar (e que não ricocheteie de volta, na cara dos americanos). Se for para valer, pode facilitar a fragmentação econômica mundial, o que é uma ineficiência (menos crescimento).

No fim das contas, se o programa Trump em economia e relações internacionais for o que parece nos discursos e levado ao limite, o mundo acabaria por ser dividido em esferas de influência, quintais onde outras potências não se metem. Isso quer dizer que a China pode levar Taiwan? Que a Rússia pode ocupar parte do leste europeu ou submetê-lo sob ameaça? Que economia resulta disso?

 

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