terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Trump 2.0 e os desafios para o Brasil - Denilde Holzhacker *

Correio Braziliense

Tarifas sobre produtos estrangeiros e incentivos para reindustrializar os Estados Unidos prometem beneficiar setores norte-americanos, enquanto criam barreiras para exportadores estrangeiros

O segundo mandato de Donald Trump nos Estados Unidos inaugura um contexto de grandes expectativas e desafios tanto para a política global quanto para o Brasil. Com um cenário interno favorável — apoio popular, maioria no Congresso e uma Suprema Corte alinhada —, Trump possui as condições necessárias para implementar uma agenda marcada pelo protecionismo econômico, pelo enfraquecimento das políticas climáticas e pela rejeição ao multilateralismo. Esse novo capítulo da política americana levanta questões geopolíticas e econômicas que impactam diretamente o Brasil, sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que terá de lidar com as tensões que surgirão dessa relação.

Entre as principais prioridades do governo Trump, está o reforço do protecionismo econômico. Tarifas sobre produtos estrangeiros e incentivos para reindustrializar os Estados Unidos prometem beneficiar setores norte-americanos, enquanto criam barreiras para exportadores estrangeiros. Para o Brasil, essas políticas podem representar dificuldades adicionais no acesso ao mercado norte-americano.

Além disso, Trump retorna ao poder com uma agenda que privilegia combustíveis fósseis em detrimento das energias renováveis. Essa postura contrasta fortemente com a posição do governo brasileiro, que busca se estabelecer como líder na transição energética e no combate às mudanças climáticas. Tais diferenças ideológicas dificultam a possibilidade de uma aliança estratégica entre Brasil e Estados Unidos no campo político, apesar de haver interesses econômicos mútuos.

As divergências de agenda entre os governos podem complicar o diálogo político. Enquanto o governo Lula busca preservar os laços econômicos e garantir competitividade para os exportadores brasileiros, sua crescente aproximação com a China no âmbito dos Brics coloca o Brasil em uma posição delicada.

A rivalidade geopolítica entre EUA e China será um dos principais desafios para o Brasil nos próximos anos. A China, maior parceiro comercial do Brasil, desempenha um papel central na exportação de commodities e no financiamento de infraestrutura. Por outro lado, Trump intensifica sua oposição à influência chinesa no cenário global. O desafio do governo Lula será equilibrar essa equação, evitando tomar partido na disputa e mantendo uma relação pragmática com ambas as potências.

A postura de Trump, marcada pelo isolacionismo e pela rejeição às instituições multilaterais, desafia a atuação brasileira em fóruns internacionais. Lula tem se esforçado para reposicionar o Brasil como um ator relevante na luta contra as mudanças climáticas e na defesa do multilateralismo. No entanto, enfrentará dificuldades em uma ordem mundial cada vez mais polarizada.

No plano regional, a relação com a Argentina promete ser outro teste para a diplomacia brasileira. Javier Milei, presidente argentino e aliado de Trump, reforçará  seu discurso crítico ao Mercosul. O governo Lula terá que equilibrar os interesses dos demais países no bloco, buscando preservar sua liderança regional. A questão migratória também poderá colocar o Brasil em um papel central, envolvendo os países da América Central.

Internamente, o segundo mandato de Trump ressoa na política brasileira. Sua vitória fortalece grupos de oposição ao governo Lula, especialmente os aliados de Jair Bolsonaro, que mantêm uma relação próxima com o ex-presidente americano. A retomada de uma agenda de direita nos Estados Unidos pode inspirar e apoiar a articulação de novas candidaturas conservadoras no Brasil, particularmente nas eleições de 2026. Além disso, a pressão das big techs por uma menor regulação das plataformas digitais, frequentemente apoiada por esses grupos, também fomentará os debates no Brasil.

Diante desse panorama, o grande desafio do governo brasileiro será adotar uma política externa que combine pragmatismo econômico com a defesa consistente de seus valores e interesses. A relação com os Estados Unidos continuará sendo central para o Brasil, tanto pela relevância comercial quanto pela influência americana no sistema financeiro global. Entretanto, o fortalecimento da parceria com a China e a consolidação dos Brics também são cruciais para o futuro do país.

Nesse contexto, o governo Lula precisará evitar antagonismos desnecessários e priorizar os interesses nacionais. Como o próprio presidente afirmou em diversas ocasiões: "O Brasil não quer brigar com ninguém". Esse pragmatismo será fundamental para navegar as turbulências que o segundo mandato de Trump promete trazer, tanto para o Brasil quanto para o mundo.

A busca por equilíbrio e flexibilidade definirá o futuro das relações Brasil-EUA e, de forma mais ampla, a posição do Brasil em um sistema internacional em transformação. Lula e sua equipe terão de demonstrar habilidade diplomática e visão estratégica para enfrentar esses desafios, garantindo que os interesses do Brasil prevaleçam em um cenário global cada vez mais complexo.

*Doutora em ciência política e professora de relações internacionais na ESPM

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