Correio Braziliense
Tarifas sobre produtos estrangeiros e
incentivos para reindustrializar os Estados Unidos prometem beneficiar setores
norte-americanos, enquanto criam barreiras para exportadores estrangeiros
O segundo mandato de Donald Trump nos Estados
Unidos inaugura um contexto de grandes expectativas e desafios tanto para a
política global quanto para o Brasil. Com um cenário interno favorável — apoio
popular, maioria no Congresso e uma Suprema Corte alinhada —, Trump possui as
condições necessárias para implementar uma agenda marcada pelo protecionismo
econômico, pelo enfraquecimento das políticas climáticas e pela rejeição ao
multilateralismo. Esse novo capítulo da política americana levanta questões geopolíticas
e econômicas que impactam diretamente o Brasil, sob o governo de Luiz Inácio
Lula da Silva, que terá de lidar com as tensões que surgirão dessa relação.
Entre as principais prioridades do governo Trump, está o reforço do protecionismo econômico. Tarifas sobre produtos estrangeiros e incentivos para reindustrializar os Estados Unidos prometem beneficiar setores norte-americanos, enquanto criam barreiras para exportadores estrangeiros. Para o Brasil, essas políticas podem representar dificuldades adicionais no acesso ao mercado norte-americano.
Além disso, Trump retorna ao poder com uma
agenda que privilegia combustíveis fósseis em detrimento das energias
renováveis. Essa postura contrasta fortemente com a posição do governo
brasileiro, que busca se estabelecer como líder na transição energética e no
combate às mudanças climáticas. Tais diferenças ideológicas dificultam a
possibilidade de uma aliança estratégica entre Brasil e Estados Unidos no campo
político, apesar de haver interesses econômicos mútuos.
As divergências de agenda entre os governos
podem complicar o diálogo político. Enquanto o governo Lula busca preservar os
laços econômicos e garantir competitividade para os exportadores brasileiros,
sua crescente aproximação com a China no âmbito dos Brics coloca o Brasil em
uma posição delicada.
A rivalidade geopolítica entre EUA e China
será um dos principais desafios para o Brasil nos próximos anos. A China, maior
parceiro comercial do Brasil, desempenha um papel central na exportação de
commodities e no financiamento de infraestrutura. Por outro lado, Trump
intensifica sua oposição à influência chinesa no cenário global. O desafio do
governo Lula será equilibrar essa equação, evitando tomar partido na disputa e
mantendo uma relação pragmática com ambas as potências.
A postura de Trump, marcada pelo
isolacionismo e pela rejeição às instituições multilaterais, desafia a atuação
brasileira em fóruns internacionais. Lula tem se esforçado para reposicionar o
Brasil como um ator relevante na luta contra as mudanças climáticas e na defesa
do multilateralismo. No entanto, enfrentará dificuldades em uma ordem mundial
cada vez mais polarizada.
No plano regional, a relação com a Argentina
promete ser outro teste para a diplomacia brasileira. Javier Milei, presidente
argentino e aliado de Trump, reforçará seu discurso crítico ao Mercosul.
O governo Lula terá que equilibrar os interesses dos demais países no bloco,
buscando preservar sua liderança regional. A questão migratória também poderá
colocar o Brasil em um papel central, envolvendo os países da América Central.
Internamente, o segundo mandato de Trump
ressoa na política brasileira. Sua vitória fortalece grupos de oposição ao
governo Lula, especialmente os aliados de Jair Bolsonaro, que mantêm uma
relação próxima com o ex-presidente americano. A retomada de uma agenda de
direita nos Estados Unidos pode inspirar e apoiar a articulação de novas
candidaturas conservadoras no Brasil, particularmente nas eleições de 2026.
Além disso, a pressão das big techs por uma menor regulação das plataformas
digitais, frequentemente apoiada por esses grupos, também fomentará os debates
no Brasil.
Diante desse panorama, o grande desafio do
governo brasileiro será adotar uma política externa que combine pragmatismo
econômico com a defesa consistente de seus valores e interesses. A relação com
os Estados Unidos continuará sendo central para o Brasil, tanto pela relevância
comercial quanto pela influência americana no sistema financeiro global.
Entretanto, o fortalecimento da parceria com a China e a consolidação dos Brics
também são cruciais para o futuro do país.
Nesse contexto, o governo Lula precisará
evitar antagonismos desnecessários e priorizar os interesses nacionais. Como o
próprio presidente afirmou em diversas ocasiões: "O Brasil não quer brigar
com ninguém". Esse pragmatismo será fundamental para navegar as
turbulências que o segundo mandato de Trump promete trazer, tanto para o Brasil
quanto para o mundo.
A busca por equilíbrio e flexibilidade
definirá o futuro das relações Brasil-EUA e, de forma mais ampla, a posição do
Brasil em um sistema internacional em transformação. Lula e sua equipe terão de
demonstrar habilidade diplomática e visão estratégica para enfrentar esses
desafios, garantindo que os interesses do Brasil prevaleçam em um cenário
global cada vez mais complexo.
*Doutora em ciência política e professora de relações internacionais na ESPM
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