Não existe "casa revisora" do STF
Correio Braziliense
Ao aprovar sustação de ação penal no STF relacionada à tentativa de golpe de Estado na qual está incluído o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), o Legislativo insiste em impor uma agenda de choque com as prerrogativas do Judiciário
A Câmara dos Deputados, na quarta-feira, aprovou em plenário a sustação de ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF) relacionada à tentativa de golpe de Estado na qual está incluído o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), por 315 votos a 143 e quatro abstenções. O presidente Hugo Motta (PR-PB) definiu que não haveria discussão em Plenário sobre a suspensão de ação penal, apenas a votação. Promulgada na forma da Resolução 18/25, a votação ocorreu a toque de caixa: na mesma tarde, foi apreciada de forma relâmpago na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).
Trata-se de mais uma insistência do Legislativo em impor uma agenda de choque com as prerrogativas do Judiciário. Seu texto foi elaborado com o propósito sub-reptício de contemplar os demais envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, que são réus como Ramagem, e, ainda, proteger dezenas de parlamentares que estão sendo investigados por desvio de recursos de emendas parlamentares. Devido ao espírito de corpo, teve ampla aprovação.
O relator do pedido, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), alegou em plenário que caberia à Câmara sustar a ação porque os crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa, dos quais Ramagem é suspeito, teriam sido praticados depois de sua diplomação. A redação, porém, não especifica que a sustação do processo se refere a Ramagem, sendo que a ação engloba oito acusados, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo anterior, Ramagem é um dos réus no processo de tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Foi indiciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como um dos integrantes do "núcleo crucial" da trama golpista por ter prestado suporte técnico, elaborando documentos para subsidiar ações de desinformação, especialmente em relação à segurança do sistema de votação eletrônico e à legitimidade das instituições responsáveis pelo processo eleitoral de 2022.
O presidente da Primeira Turma do STF, ministro Cristiano Zanin, em ofício à Câmara, havia informado que a suspensão só valeria para os crimes cometidos após a diplomação como deputado eleito, em dezembro de 2022. Portanto, seria possível interromper a análise de dois crimes (dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado), por se referirem aos atos de 8 de Janeiro, que ocorreram após a diplomação. Os demais crimes, não: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa. Não há previsão legal de sustação para outros réus, como Jair Bolsonaro.
Em seu relatório, Alfredo Gaspar buscou refúgio no artigo 53 da Constituição, que trata da imunidade parlamentar, prevendo que cabe à Casa do parlamentar decidir sobre o andamento de ação penal (sustação ou prosseguimento). Assim, as 34 pessoas acusadas de estimular e realizar atos contra os Três Poderes e contra o Estado Democrático de Direito, incluindo Bolsonaro e ex-ministros como os generais Braga Netto e Augusto Heleno, seriam beneficiadas na decisão. Ledo engano, a Câmara não é uma "casa revisora". Quem faz as leis não interpreta as leis, isso é papel do Judiciário.
Nesta sexta-feira, a Primeira Turma do STF formou maioria para derrubar parcialmente a decisão da Câmara dos Deputados. Os ministros votaram para que Ramagem continue respondendo por três dos cinco crimes imputados a ele: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Foram suspensos até o fim do mandato os crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, conforme determina a Constituição.
O Globo
É preciso reequilibrar bancadas da Câmara,
mas projeto que cria 18 novas vagas não tem cabimento
As bancadas estaduais na Câmara não são
redistribuídas desde 1993, quando foram estabelecidas com base no Censo de
1991. De lá para cá, variações demográficas criaram distorções. Para respeitar
o princípio constitucional da proporcionalidade entre os representantes e as
respectivas populações representadas, nove estados cuja população aumentou —
Santa Catarina, Paraná, Pará, Amazonas, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso
e Rio Grande do Norte — deveriam ampliar suas bancadas, enquanto sete — Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul, Piauí, Paraíba, Bahia, Pernambuco e Alagoas —
precisariam reduzi-las.
Embora a Constituição determine que as bancadas sejam atualizadas antes de toda eleição, isso depende do recenseamento populacional. Omisso, o Congresso aproveitou esse pretexto para deixar de ajustá-las depois dos Censos de 2000 e 2010. Agora, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), os parlamentares têm o dever de rever a distribuição segundo o Censo de 2022. Os deputados aproveitaram para tentar outra mudança, de natureza corporativista e paroquial.
A Câmara aprovou um projeto que cria 18 novas
vagas na Casa, elevando o número de 513 para 531. Dessa forma, nenhum estado
perderia cadeiras, e as novas seriam usadas para reequilibrar as bancadas. A
proposta seguiu para o Senado. Atualizações periódicas da bancada são cruciais
para reduzir as distorções causadas pela demografia. Mas a decisão de inchar a
Câmara tem como objetivo apenas acomodar o interesse de bancadas que perderiam
cadeiras, de modo a mantê-las intactas.
Noutros países, o movimento tem sido o
contrário. Os Estados Unidos têm 435 representantes desde 1929. A Itália
reduziu os seus de 630 para 400. A Alemanha, de 736 para 630. O Japão, de 480
para 465. França e Portugal estudam tomar medida semelhante.
Em teoria, o cálculo do tamanho das bancadas
deveria ser simples: divide-se a população brasileira pelas 513 cadeiras e
chega-se ao número de brasileiros que cada deputado representa (382.449).
Depois, caso o voto de cada brasileiro tivesse o mesmo peso, bastaria dividir a
população de um estado por esse número para obter o tamanho justo de sua
bancada. A valer tal regra, São Paulo teria 120 deputados; Acre, Amapá e
Roraima, apenas dois. Para evitar tal desproporção, porém, a Constituição
estabelece um mínimo de oito e um máximo de 70 por bancada. É por isso que um
voto de Roraima acaba valendo oito votos paulistas. Mas a mesma Constituição
não prevê nenhum aumento no total de parlamentares com as variações
demográficas.
É evidente que cada novo deputado virá com
gabinete, séquito de assessores e verbas de todo tipo. O custo das novas vagas
para a Câmara é estimado em R$ 64,8 milhões anuais. Sem falar nas emendas
parlamentares — em 2024, cada deputado teve direito a quase R$ 38 milhões só em
emendas individuais. O
inchaço será reproduzido nas Assembleias estaduais, com 30 novas vagas ao custo
de R$ 75 milhões por ano, como mostrou reportagem do GLOBO. Os
deputados minimizam o efeito fiscal com o argumento de que tais gastos serão
cobertos pelo remanejamento de verbas. Pura balela.
O STF fez bem ao determinar que as bancadas sejam reequilibradas. Para isso, o certo seria transferir cadeiras entre os estados segundo sua representação. Aumentar o número de deputados é só gastar mais dinheiro para nada.
Prefeituras se revelam incapazes de promover desenvolvimento no país
O Globo
Mais de um quarto da população vive em
municípios em condições ruins de saúde, educação e renda, diz Firjan
Um contingente de 57 milhões de brasileiros,
ou mais de 25% da população, mora nos 47,3% dos municípios que apresentam nível
de desenvolvimento considerado baixo ou crítico, de acordo como o mais recente
Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, elaborado pela Federação das
Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Daí decorrem a pressão sobre o sistema
de saúde, problemas de segurança e falta de mão de obra qualificada. Recai
sobre as prefeituras, nível de gestão mais próximo da população, a responsabilidade
pelas falhas em serviços básicos como saúde ou educação e por não criar em suas
cidades um ambiente favorável à geração de empregos e renda.
O indicador da Firjan foi calculado com base
em dados de 2023, disponíveis para 5.550 dos 5.570 municípios brasileiros. Ele
reflete as disparidades do país: 87% dos municípios do Norte-Nordeste têm
desenvolvimento baixo ou crítico, enquanto 80% das cidades de Sul, Sudeste e
Centro-Oeste alcançam patamar alto ou moderado. Dez das 27 unidades
federativas, todas no Norte-Nordeste, apresentam o nível baixo ou crítico. O
desequilíbrio persiste apesar de todas as políticas de desenvolvimento regional
baseadas em incentivos fiscais. Apenas levar fábricas a regiões pobres ou
remotas não traz desenvolvimento.
Dos dez municípios brasileiros em melhores
condições, seis ficam em São Paulo e
quatro no Paraná.
A única capital da lista é Curitiba. O pior cenário é do Amapá, onde 100% da
população vive em municípios em condições ruins de emprego, saúde e educação.
Seguem-se Maranhão (77,6%), Pará (74,6%), Bahia (70,5%) e Piauí (65%). No
extremo oposto estão Brasília, São Paulo e Santa Catarina. Em dez anos, de 2013
a 2023, 89% dos municípios melhoraram de posição, mas apenas 1,9% alcançou a
avaliação mais elevada.
O Estado do Rio de Janeiro está em posição
intermediária, com 31,9% da população em situação insatisfatória. Nenhum dos
municípios fluminenses aparece entre os dez mais bem colocados do país. Nem
mesmo Niterói, outrora primeiro colocado em qualidade de vida no estado e
sétimo no ranking nacional do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Em dez
anos, a cidade despencou dez posições no Índice Firjan e hoje está em 11º
lugar.
O detalhamento da pesquisa chama a atenção
para uma mistura de inépcia e falta de recursos que leva prefeituras a não
promover políticas públicas eficazes em saúde e educação. É possível que a
sucessão de gerações melhore o quadro, mas, sem programas de governo bem
estruturados e executados com consistência, nada andará. É preciso cobrar mais
dos prefeitos e levá-los a se articular com os governadores, responsáveis pelos
investimentos em infraestrutura. Desavenças políticas levam a população mais
vulnerável a pagar um preço alto.
Leão 14 e o magistério social de Francisco
Folha de S. Paulo
Com novo papa, legado reformista do
antecessor tende a continuar em importantes aspectos, como imigração e
desigualdade
A
eleição do americano Robert Francis Prevost como papa Leão 14 parece
indicar que, apesar das divisões internas da Igreja Católica e do crescimento
de posições extremistas à direita no catolicismo nos últimos anos, os cardeais
optaram pela continuidade. O legado reformista do papa
Francisco tende a ser preservado em diversos e importantes aspectos.
Embora o novo pontífice tenha nascido e
crescido nos Estados
Unidos, sua experiência como missionário e bispo em dioceses modestas
do Peru, a
dupla cidadania peruana e a experiência global como chefe da ordem dos
agostinianos o mantiveram em contato com as chamadas "periferias
existenciais", vistas por Francisco como a chave da fé cristã no século
21.
Prevost também mostrou ser um crítico
da onda anti-imigrantes deflagrada pelo trumpismo e ter afinidade com
a agenda de combate à crise global do clima, igualmente cara a seu antecessor.
Trata-se, portanto, de mais um papa
"progressista"? Qualquer resposta agora seria prematura ou simplista
demais.
Afinal, convém lembrar que a contraposição
entre conservadorismo e progressismo não costuma ser muito útil na hora de
descrever o posicionamento de membros da hierarquia católica.
As últimas décadas do papado mostraram, por
exemplo, que a combinação entre uma adesão estrita à doutrina sobre moralidade
sexual —o que inclui tanto a condenação ao aborto quanto
o afastamento em relação a fiéis divorciados ou que não sejam heterossexuais—
pode muito bem conviver com a crítica social e o clamor pela justiça.
Nesse ponto, por ora, Leão 14 parece mais
claramente alinhado aos aspectos
radicais do magistério social de Francisco do que com sua abertura
pastoral a fiéis que não aderem ao comportamento sexual considerado exemplar
pela Igreja, mesmo que ele ainda não tenha abordado esses temas com frequência.
Não se pode descartar, porém, que aconteçam
surpresas —o próprio pontífice argentino, quando era arcebispo de Buenos Aires,
teve embates com a comunidade LGBT de seu país.
De qualquer modo, a possibilidade de que o
novo papa se aproxime da esquerda global em temas como imigração e
desigualdade, mas soe reacionário em sua "pauta de costumes", pode
acabar por aproximá-lo das periferias vibrantes do catolicismo, que hoje são
principalmente os países da África ao
sul do Saara e, em menor grau, os do Sudeste da Ásia e
regiões vizinhas.
Em tais locais, que têm registrado um
crescimento expressivo no número de fiéis se comparados à contração da Igreja
na Europa,
na América do Norte e em diversos países da América
Latina, é justamente esse o perfil dos prelados de maior relevo, alguns dos
quais participaram do recente conclave ao lado de Leão 14.
Resta saber se a fórmula será suficiente para
garantir a unidade e a vitalidade do catolicismo nas próximas décadas.
Deferência de Lula a Putin constrange o
Brasil
Folha de S. Paulo
Não há pragmatismo, só erro diplomático, na
viagem para convescote de autocratas em apoio ao país que invadiu a Ucrânia
Não há qualquer vantagem estratégica na
presença de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) no cortejo
a Vladimir
Putin. Sua
viagem a Moscou para o beija-mão do autocrata abala a imagem do
Brasil, ao permitir a leitura de parcialidade ante o ataque movido pelo russo
à Ucrânia.
Comemoravam-se 80 anos do Dia da Vitória
contra o nazismo,
com a entrada do Exército Vermelho em Berlim. O feito militar se deu após a
morte de 27 milhões de pessoas da União Soviética na Segunda
Guerra Mundial.
O presidente brasileiro posou para a
propaganda do regime russo ao lado de líderes autoritários unidos pelo
terceiro-mundismo, a doença infantil do anti-imperialismo. Na pretensão de opor
à força global dos Estados
Unidos, fazem mesuras ao czar de um país que de potência tem só o arsenal
atômico.
Lula presenciou não a justa celebração do fim
do mais letal conflito da história da humanidade, e sim a glorificação de outro
atual, condenado pela maior parte das democracias do mundo, com exceção do
Brasil. A guerra de mais de três anos travada pelo gigante nuclear contra a
ex-república soviética já causou 1 milhão de mortes, de acordo com estimativas
difíceis de verificar.
Ninguém ignora em Brasília que
tal agressão foi precedida pela tomada da Crimeia, uma década antes, pelo mesmo
Putin. O pretexto para seu expansionismo belicoso seria, desta feita, a
iminente adesão ucraniana à Otan.
Na parada militar moscovita, deu-se outra
patranha, a de que a Rússia "foi
e sempre será uma barreira indestrutível contra o nazismo, a russofobia e o
antissemitismo". Em cinismo, Putin se irmana a Donald Trump ao
instrumentalizar a tragédia do Holocausto de forma mendaz.
O gesto de Lula pode soar diplomático, ao
prestigiar uma das nações fundadoras do Brics, porém serve mais para
desqualificá-lo no sonhado papel de mediador entre Rússia e Ucrânia. E,
decerto, para constranger o Brasil perante a União
Europeia, um dos maiores parceiros comerciais e reduto antagonista de Putin após
a meia-volta errática de Trump.
A deferência ao russo não pode ser equiparada
ao cultivo de boas relações com o autoritário Xi Jinping.
A China,
afinal, é outro destino decisivo das exportações nacionais e não move no
momento guerra contra uma nação soberana —em que pesem ameaças perenes contra
Taiwan.
Lula teria feito melhor ao Brasil se, em vez
de participar de convescote com autocratas, cuidasse das articulações políticas
em que seu governo, ainda
envolvido em um escândalo bilionário, colhe mais derrotas que vitórias.
Lula em Moscou: o dia da infâmia
O Estado de S. Paulo
A imagem de Lula na Praça Vermelha, ladeado
por facínoras para ver o desfile de mísseis que vão massacrar inocentes na
Ucrânia, marcará o dia da infâmia da política externa brasileira
Ao tomar parte nas celebrações do “Dia da
Vitória” em Moscou – data em que a Rússia festeja a vitória na 2.ª Guerra
contra o nazismo alemão e que o autocrata Vladimir Putin usa para fazer
propaganda de seu regime tirano –, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva selou
não um triunfo diplomático ou um gesto de realismo pragmático, mas um vexame
moral e um fiasco geopolítico para o Brasil. Ao lado de autocratas de todos os
cantos, Lula foi aquilo que os antigos agentes secretos soviéticos chamariam de
“idiota útil”: um ocidental deslumbrado e voluntarioso – e descartável após
servir às ambições do império russo.
Em teoria, a participação de um presidente
brasileiro nas comemorações do fim da 2.ª Guerra poderia significar a
celebração da liberdade contra a tirania, da coragem do povo russo, do papel
civilizatório da Rússia nas artes, nas letras, nas ciências, ou mesmo uma
oportunidade para um estadista astuto tecer alianças diplomáticas num mundo
multipolar – e até explorar canais para promover uma paz justa entre Rússia e
Ucrânia. Na prática, Lula foi o exato oposto.
O cortejo foi a peça de propaganda fabricada
por um regime que encarna o que há de mais próximo ao fascismo hoje: uma
autocracia que envilece sua nação e oprime seu povo, silenciando a oposição,
perseguindo minorias, fraudando eleições para sustentar um líder vitalício
adornado por uma iconografia imperial. É também um Estado predador, que
desestabiliza governos, invade vizinhos e massacra civis sob a bandeira
fraudulenta da “desnazificação”. A semelhança com as ambições irredentistas de
Hitler, que invocava a germanidade para saquear territórios da Checoslováquia e
da Polônia, é óbvia demais para ser ignorada.
Ironicamente, o gesto de Lula também o
aproxima do presidente dos EUA, Donald Trump. Ambos têm apreço por autocratas,
disputam um lugar no coração de Putin e culpam a Ucrânia por uma guerra de
agressão que a Rússia começou.
Como em todos os governos petistas, Lula
conduz uma política externa pautada não por interesses de Estado, mas por taras
ideológicas e por sua ambição de ser festejado como vedete terceiro-mundista.
Foi assim na aloprada mediação nuclear com o Irã, em 2010. É assim na
contemporização sistemática de ditaduras como Cuba, Venezuela e Nicarágua. E é
assim também, à custa da credibilidade internacional do Brasil, na relação
amistosa com Vladimir Putin, um déspota que reintroduziu a guerra na Europa e
exumou a guerra fria, flertando com um conflito mundial nuclear.
Ao celebrar o imperialismo de Putin, Lula,
numa só tacada, surrou os princípios constitucionais que regem a política
externa brasileira – autodeterminação dos povos, prevalência dos direitos
humanos e solução pacífica dos conflitos. Também conspurcou a memória dos
combatentes da Força Expedicionária Brasileira que tombaram ombro a ombro com
os aliados europeus em nome da liberdade na 2.ª Guerra. E jogou mais uma pá de
cal na tal “frente ampla democrática” que o elegeu em 2022, sequestrando aquele
pacto cívico para usá-lo como instrumento de autopromoção ideológica.
O resultado é que o Brasil se afasta dos
polos democráticos e reformistas do mundo e se aproxima da constelação sombria
de regimes autoritários do novo eixo de caos. Em vez de se mover com
pragmatismo e independência num mundo multipolar, Lula opta por um
multilateralismo de fachada, que relativiza regras, desrespeita tratados e
consagra a lei do mais forte – justamente a lógica que mais prejudica um país
como o Brasil, que não dispõe do poder das armas ou do dinheiro, só da
diplomacia, da persuasão e da adesão às normas internacionais para proteger
seus interesses.
A imagem de Lula na Praça Vermelha, ladeado
por facínoras, assistindo ao desfile de tanques e mísseis que vão massacrar
inocentes na Ucrânia e outros povos, marcará na História o dia da infâmia da
política externa brasileira, um dia em que o Brasil, sem ganhar rigorosamente
nada em troca, arruinou seus princípios republicanos e democráticos, bajulando
criminosos de guerra e adulando ditadores por puro capricho do demiurgo
petista.
O chanceler paralelo Celso Amorim disse que
Lula iria a Moscou como um “mensageiro da paz”. Foi apenas um mensageiro da
torpeza.
Uma reforma que envelheceu rápido
O Estado de S. Paulo
Cinco anos e meio depois de aprovada, a
reforma da Previdência mostra-se insuficiente e uma nova discussão é
necessária, mais abrangente e realista do que a feita em novembro de 2019
Uma reforma previdenciária que, cinco anos e
meio após sua aprovação, dá sinais flagrantes de caducidade foi, evidentemente,
uma reforma incompleta. Sem desconsiderar o mérito de instalar e fazer avançar
no Congresso um processo há décadas indispensável, que alimentou debates e
polêmicas meses a fio, o consenso que vem se formando sobre a necessidade de
uma “reforma da reforma” é a prova de que as concessões feitas ao longo das
discussões parlamentares acabaram por produzir uma modelagem malfeita.
Reportagem do Estadão mostrou que,
além do envelhecimento acelerado da população e das novas relações do mercado
de trabalho, as preferências da chamada “geração Z”, contemporânea da
massificação da internet, têm contribuído para elevar a pressão pela revisão
dos critérios previdenciários, à medida que busca novas prioridades, como
flexibilidade no trabalho e maior qualidade de vida.
Some-se a isso a política de valorização do
salário mínimo – indexador de aposentadorias e pensões – acima da inflação,
resgatada por Lula da Silva, que anulou a relativa folga obtida nas despesas
previdenciárias a partir de 2019, e chega-se à fórmula de corrosão da reforma.
Em fevereiro, o secretário do Tesouro
Nacional, Rogério Ceron, afirmou que o Brasil terá de passar por uma nova
reforma, o que considerou “inevitável” e “irrefutável”. Ceron deu voz oficial a
uma constatação consensual e, como já dissemos neste espaço, expôs a dimensão
da gravidade do problema. Mas não foi o único integrante da gestão lulopetista
a reconhecer a grave questão.
Cálculos da equipe econômica para as despesas
orçamentárias preveem que em 2026 serão gastos R$ 1,130 trilhão com
Previdência, quase metade do total previsto para as despesas obrigatórias do
País, de R$ 2,385 trilhões. As projeções indicam que em 2029 o gasto
previdenciário se aproxime de R$ 1,4 trilhão. Em contrapartida, dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, mostram
que 65,3% da população ocupada (67,7 milhões de pessoas) contribuiu para a
Previdência em 2024, relação que tende a cair com o envelhecimento da população
e a queda no número de contribuintes.
Protelar a solução irá ampliar o problema,
mas não há a menor expectativa de que o atual governo encampe uma discussão
sobre o assunto. Neste ano começaram a vigorar as regras de transição para quem
já contribuía para o INSS antes de 13 de novembro de 2019, quando entrou em
vigor a reforma da Previdência, que incluem pedágio, regra de pontos e adoção
de progressividade na idade mínima para aposentadoria.
No próximo ano, a campanha presidencial vai
eliminar qualquer possibilidade de repensar a política previdenciária – que,
vale ressaltar, já é naturalmente inexistente num governo do PT, partido que se
colocou explicitamente contra a reforma durante as discussões no Congresso e
que tentou a todo custo impedir as mudanças.
Uma revisão dos critérios de concessão de
benefícios previdenciários a partir de agora não incluiria somente questões
como a idade mínima, que tanta controvérsia provocou quando foram estipuladas
as novas regras. O desequilíbrio na base de contribuintes, com menos
trabalhadores pagando e mais beneficiários recebendo, ameaça arruinar o
sistema. A solução, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, é elevar
também a contribuição.
Propostas como a criação de um sistema de
capitalização, ampliação da contribuição previdenciária, novos modelos de
tributação de renda, soluções específicas voltadas às novas relações de
trabalho, como no caso dos aplicativos e outros “trabalhos independentes”,
apontam para uma reforma muito mais abrangente do que a firmada em 2019.
Medidas como a desindexação dos benefícios
previdenciários da política de reajuste real do salário mínimo e a revisão de
benefícios assistenciais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC),
concedido a idosos e deficientes em situação de pobreza, já seriam um começo.
Mas são discussões do mundo real que o atual governo, por natureza, e o atual
Congresso, por desinteresse, não querem nem ouvir falar. É preciso lembrar,
porém, que não se resolve um problema fingindo que ele não existe.
O Fed resiste a Trump
O Estado de S. Paulo
Chamado de ‘idiota’ pelo presidente, o chefe
do banco central americano é olímpico sobre os juros
Sem surpresa, o Federal Reserve (Fed), banco
central dos EUA, manteve os juros básicos da economia americana entre 4,25% e
4,5% em sua mais recente reunião de política monetária. A incerteza gerada pelo
tarifaço do presidente Donald Trump aumenta os riscos de inflação e de
desemprego, destacou o Fed.
Também não surpreendeu a reação de Trump ao
anúncio. “Idiota”, disparou o republicano contra o presidente do Fed, Jerome
Powell, a quem Trump vem destinando artilharia pesada na atual gestão.
Na visão delirante do republicano, a inflação
nos EUA é “virtualmente” inexistente, o que é facilmente contestado pelos
dados. Em março, a inflação anualizada foi de 2,4%, acima da meta de 2% que o
Fed, que tem o mandato duplo de buscar pleno emprego combinado com estabilidade
de preços, persegue.
Trump também alega que as tarifas que ele
impôs ao mundo já estão inundando o país de recursos, que os preços estão em
queda nos EUA e que Powell demora demais para cortar os juros.
O fato é que as tarifas realmente justificam
juros mais baixos – mas na arqui-inimiga China. O BC chinês acaba de anunciar
uma redução da taxa de depósitos compulsórios dos bancos para aumentar a
liquidez do sistema financeiro, além de ter cortado juros de curto prazo para
lidar com o impacto econômico do tarifaço de 145% que Trump impôs sobre os
produtos chineses.
Ou seja, Trump está forçando a rival China a
reduzir os juros, enquanto internamente o efeito imediato de sua guerra
comercial sem qualquer fundamento é mais pressão inflacionária. Logo, não há
nenhum motivo para que o Fed, ademais independente, corte juros, como vem
insistindo Trump.
Inflacionário no curto prazo e recessivo no
longo, o caos tarifário imposto por Trump deve sim levar o Fed a cortar os
juros no segundo trimestre, mas pelo pior motivo possível: combater a recessão
que se avizinha.
Instituições financeiras como o J.P. Morgan
estimam em 60% a probabilidade de recessão nos EUA no final deste ano, uma
consequência direta do desarranjo econômico provocado pelas tarifas. O banco
também entende que o Fed passará a cortar os juros só a partir de setembro – a
próxima reunião da autoridade monetária norte-americana está agendada para
junho.
Estimativas e previsões sempre podem mudar,
já que eventos geopolíticos e fenômenos naturais costumam surpreender. Mas, nas
atuais condições de temperatura e pressão, Trump pode esbravejar o quanto
quiser contra Powell, que vem apenas e tão somente fazendo o trabalho que lhe
compete.
É digno de nota, contudo, que o presidente do
Fed, diante dos inúmeros ataques destemperados que vem sofrendo, não caia nas
provocações de Trump. Quando é questionado sobre os insultos que recebe do
presidente, Powell foge da personalização assegurando que as decisões do Fed
baseiam-se nos dados, na perspectiva econômica e no balanço de riscos.
Pode parecer pouco, mas em um governo que já prendeu até juízes, fazer o trabalho que deve ser feito, em vez de atender a caprichos presidenciais, é quase heroico.
Setor empresarial critica aumento da taxa
Selic
O Povo
O mandato do Banco Central independente
inclui também a obrigação de fomentar o pleno emprego
O aumento da taxa básica de juros em 0,5
ponto percentual, com o Comitê de Política Monetária (Copom) elevando-a a
14,75% ao ano, mostra nada mudou em relação à troca do presidente do Banco
Central (BC). A propósito, o aumento já era esperado por analistas
econômicos e pelo mercado financeiro.
Antes, o presidente da República, Luiz Inácio
Lula da Silva, culpava o ex-presidente do BC, Roberto Campos Neto, criticando-o
acidamente pela alta taxa de juros, sugerindo que haveria ligações
dele com o ex-presidente Jair Bolsonaro, que o nomeara.
Entretanto, com Gabriel Galípolo,
nomeado por Lula, a taxa chegou ao seu mais alto patamar, desde 2006. O
problema, portanto, pelo que se pode observar, não era Campos Neto, mas um
entendimento dos técnicos do BC, que decidiram aumentar a taxa por unanimidade.
É o terceiro aumento desde o início de 2025, quando começou a administração de
Galípolo.
Na elevação de janeiro, a ministra das
Relações Institucionais da Presidência da República, Gleisi Hoffmann, então presidente
do PT, disse que a taxa já estava “determinada” e que Galípolo nada poderia
fazer. As críticas do governo concentram-se agora na elevação da taxa Selic,
evitando críticas diretas a ao presidente do BC.
Quanto ao comunicado do Banco Central,
emitido logo após a reunião, não houve indicativo de que a taxa será mantida,
se haverá novo aumento ou uma eventual redução no próximo encontro do Copom.
As possibilidades ficaram abertas.
Pelo menos foi isso que os especialistas
puderam “traduzir” da linguagem cifrada, própria desses comunicados, anotando
que a conjuntura “demanda cautela adicional na atuação da política
monetária e flexibilidade para incorporar os dados que impactem a dinâmica
de inflação”.
Críticas abertas à decisão do BC partiram do
setor empresarial. Em nota oficial, a Confederação Nacional da Indústria (CNI)
destacou que o aumento da Selic “impõe um fardo ainda mais pesado à
economia”. A mesma queixa partiu de entidades ligadas ao comércio e das
centrais sindicais.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT)
anotou que a elevação da taxa básica, “reforça o aperto econômico da
população”, ressaltando que o BC não deixou claro se o ciclo de altas estava
encerrado. A Força Sindical manifestou-se com críticas no mesmo sentido.
Se o BC manifestou indecisão sobre o que fará
na próxima reunião do Copom, seria pertinente que ouvisse outros setores da
sociedade, além daqueles que veem aumento da taxa de juros como remédio único
para regular a economia.
É preciso levar em conta que o mandato do Banco Central independente inclui também a obrigação de fomentar o pleno emprego.
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