sábado, 10 de maio de 2025

Para que servem os economistas? – Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back

CartaCapital

Prossegue o espetáculo da naturalização da economia como esfera autônoma da vida social

Começamos com uma afirmação que, certamente, vai desfiar desagrados aos cultores da Ciência Sombria. A história do pensamento econômico nos oferece o espetáculo da naturalização da economia, que tem de se apresentar como uma esfera autônoma da vida humana e social em que prevalecem leis naturais às quais os indivíduos deveriam submeter-se.

Da infância smithiana à maturidade caquética das expectativas racionais, os conflitos de concepção e de método assolaram a trajetória intelectual da Ciência Sombria. Nos momentos de controvérsia aguçada, os príncipes e sacerdotes da Ciência Econômica convocam os Quatro Cavaleiros da Ortodoxia – Naturalismo, Individualismo, Racionalismo e Equilíbrio – para espaldeirar a turba dissidente.

Leis naturais, aquelas que possuem a mesma forma das leis da física. De Adam Smith para a frente, esse movimento de aproximação do paradigma da física se torna crescente. Havia não só um ambiente intelectual que favorecia essa aproximação, como a dimensão econômica, ao mesmo tempo, vai se tornando cada vez mais importante, e cada vez mais separada das demais.

Ao longo do século XIX, a economia tomou como paradigma a imponente construção da mecânica clássica e como paradigma moral o utilitarismo da filosofia radical do fim do século XVIII. O homo economicus, dotado de conhecimento perfeito, busca maximizar sua utilidade ou os seus ganhos diante das restrições de recursos que lhe são impostas pela natureza ou pelo estado da técnica. Essa metafísica da corrente dominante supõe uma ontologia do econômico que postula certa concepção do modo de ser, uma visão da estrutura e das conexões da sociedade. Para esse paradigma, a sociedade, onde se desenvolve a ação econômica, é constituída mediante a agregação dos indivíduos racionais.

Tais premissas da economia repetidas todo o santo dia não passam de retórica travestida de ciência. A tal racionalidade é fabricada por meio de crenças e dogmas, maquiados por números, equações e funções algébricas. Bufando modelos econométricos aos quatro ventos do planeta, como se fossem a pedra fundamental de um conhecimento único, incontestável como a Santíssima Trindade. Um estilo rococó de se expressar, que se reproduz na eternidade dos cursos de Economia. Nivelando a estatística à matemática. Um dialeto algébrico que poucos entendem. É feito para não entender.

O importante para esses sofistas alfanuméricos não é entender e estudar as relações econômicas, mas transformar uma suposta realidade estática em um jogo de causa e efeito, e pronto! Um dos dez mandamentos recebidos por Lucas, não o apóstolo, mas o ícone das expectativas racionais, diz que a moeda é neutra.

No modelo “equilibrista” que organiza a sociedade habitada por indivíduos racionais, utilitaristas, proprietários de mercadorias e dos fatores de produção, a moeda só é necessária formalmente como moeda de conta e meio de troca. A moeda é neutra e determina o nível geral de preços sem qualquer efeito de longo prazo sobre a economia de intercâmbio de mercadorias, cujos valores relativos são mensurados pela utilidade marginal dos agentes. Também é nesse espaço de mensuração que são tomadas as “decisões de produção” dos ­indivíduos proprietários do capital e do trabalho.

Essa forma tem seu código próprio: misture algumas equações e dados, e algumas previsões, e, para dar credibilidade, imponha força divina nas palavras. Aí, pela graça divina, os argumentos não podem ser contestados, ao contrário, são paparicados e mimados. E reverenciados como deuses, de “Deus” não se dúvida, nem se contesta, é questão de fé e crença. Assim como a Cúria Romana, o que falam é lei. Um dos dez mandamentos entregues a Moisés no monte Sinai dizia: Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão. Nos mandamentos dos economistas: Não tomarás em vão o nome do Equilíbrio, o teu “Deus”, pois o Senhor Academia não deixará impune quem tomar posse da realidade em vão, seja na utilidade marginal, na produtividade dos fatores. Não darás falso testemunho econométrico. Honra a forma, o método e a burocracia como se fossem teu pai e mãe.

Naturalismo, Individualismo, Racionalismo e Equilíbrio, os Quatro Cavaleiros da Ortodoxia

Se você perguntar, perante uma plateia, aos sábios da crematística como produzo um pão e vendo no mercado? Espere, meu caro, preciso construir um modelo econométrico do mercado de pães. Segundo nossas expectativas e análises quantitativas, ceteris paribus, o mercado crescerá 20% até 2035, estimamos um mercado mundial desse produto na ordem de 7 bilhões de dólares, se prepare para exportar. O Brasil será um dos maiores exportadores de pães em 2035, se resolver o problema fiscal, acabar com os aposentados e congelar o salário mínimo.

Eu perguntaria: como é viver com um salário mínimo mensalmente, para pagar aluguel, vestir e comer? Não faça pergunta difícil e pertinente com a vida diária dos indivíduos. Você não entende nada.

Para que servem os economistas?

Robert Skidelsky, biógrafo de John Maynard Keynes, nos ofereceu a leitura do livro O Que Há de Errado com a Economia?

“A economia não é progressiva, no sentido, digamos, da física. O progresso na economia consiste principalmente em maior formalização, em vez da descoberta de novas verdades. Nenhuma verdade na economia, uma vez proclamada, foi refutada. Isso argumenta muito fortemente para não consignar alternativas ao mainstream atual para a lata de lixo de falácias explodidas.

Em terceiro lugar, a economia não é uma ciência natural, mas uma ciência social (Keynes chamou-a de ciência moral). Na física, a interação dos corpos é fixada por leis físicas, mas na economia é fixada pelo contexto, valores e normas sociais, que são parâmetros variáveis. Como a economia não tem verdades universais, ela não tem mais direito do que a sociologia ou a história de reivindicar uma superteoria ou metametodologia, com ensino catequético.

William Lazonick, especialista em corporações empresariais norte-americanas, afirmou: “O objetivo de uma economia não é apenas gerar empregos para que os indivíduos possam sobreviver. É elevar o padrão de vida de todos e garantir que a prosperidade seja compartilhada”. 

Publicado na edição n° 1361 de CartaCapital, em 14 de maio de 2025.

Nenhum comentário: