sábado, 10 de maio de 2025

A tempestade econômica perfeita se aproxima - Fareed Zakaria

O Estado de S. Paulo

Status do dólar como moeda de reserva global está ameaçado em razão de gastos irresponsáveis

Juros, agora em níveis normais e altos, tornam perigoso o fardo da dívida dos EUA

Enquanto a Casa Branca continua a ocupar toda a atenção dos americanos com sua guerra tarifária contra o restante do mundo, um pouco abaixo da Avenida Pensilvânia, o Congresso prepara um projeto de lei orçamentária que pode ter consequências quase tão significativas.

Se os legisladores renovarem os cortes de impostos de Donald Trump, de 2017, aprovarem todos os seus novos cortes na arrecadação e não cortarem gastos, eles somarão US$ 9 trilhões à dívida nacional americana em 10 anos ( de acordo com a Fundação Peter G. Peterson, uma organização apartidária). Nesse ponto, os EUA provavelmente estariam entre os maiores déficits em relação ao PIB da história – e isso em tempos de paz, sem pandemia.

Ao mesmo tempo, Washington está aumentando as tarifas sobre quase todas as importações do país. É possível que tenhamos os ingredientes de uma tempestade perfeita na economia global.

DÓLAR. É com isso que se preocupa Kenneth Rogoff, renomado economista da Universidade Harvard. Um de seus livros anteriores alertou com presciência para os perigos de uma crise financeira ( foi publicado em 2009, enquanto a crise financeira global se desenrolava, mas foi pesquisado e escrito bem antes de seu início). Seu novo livro, Our Dollar, Your Problem (“Dólar nosso, problema seu”), preocupa-se com o fato de os americanos estarem colocando em risco o papel fundamental do dólar na economia global. Isso deveria ser importante para todos os americanos, pois eles se beneficiam enormemente do que foi descrito como o “privilégio exorbitante” de serem donos da moeda de reserva mundial.

“Isso nos permite tomar empréstimos mais baratos, seja para hipotecas, financiamentos de automóveis ou dívidas de cartão de crédito”, explicou Rogoff, estimando que o desconto que os americanos obtêm em seus empréstimos por causa do dólar esteja provavelmente entre 0,5% e 1%.

Às vezes é difícil discernir as informações importantes em meio ao burburinho que nos cerca hoje em dia, mas Rogoff diz que os americanos devem se concentrar nas taxas de juros. O fato fundamental é que, após décadas de juros em queda e baixos, eles agora atingiram níveis historicamente normais e permanecerão altos. É isso que torna perigoso o fardo da dívida dos EUA.

Os juros da dívida agora se aproximam de US$ 1 trilhão por ano, mais do que o gasto total com defesa. O historiador econômico Niall Ferguson sugeriu que, quando isso acontece, uma grande potência corre o risco de não ser mais tão grande. Rogoff prevê uma tempestade econômica, que virá bem mais cedo por causa das políticas econômicas de Trump.

Ele acredita que, a menos que essas políticas sejam drasticamente revertidas, há pelo menos 50% de chance de uma crise financeira ou inflação em espiral, ou ambas, até o fim deste mandato presidencial.

OUTRA MOEDA. Algumas das pressões enfrentadas decorrem de eventos fora do controle dos EUA. Outros países sempre se ressentiram do status do dólar, especialmente depois que os EUA começaram a usá-lo como arma. Washington impôs sanções promiscuamente a dezenas de países, muitas vezes unilateralmente, e essas sanções funcionam apenas por causa do status especial do dólar.

Os europeus, os chineses, os russos e praticamente todos os grandes países estão silenciosamente se esforçando para se livrar de sua dependência do dólar. É um processo lento, mas que caminha apenas em uma direção: para longe dodólar. E, embora não haja um substituto único para amoeda americana, Rogoff acredita que o dólar perderá participação para uma cesta de outras moedas, bem como alternativas, como o bitcoin.

Isso não se resume a Trump. Rogoff argumenta que, há décadas, há uma irresponsabilidade bipartidária n apolítica fiscal do sEU A,comosre publicanos cortando impostos e os democratas gastando – ambos sem moderação (vale a pena notar, no entanto, que a matemática é clara: cortes de impostos são responsáveis pela grande maioria do aumento na relação dívida/PIB nos 25 anos mais recentes).

Ele também está profundamente preocupado que a independência do Federal Reserve esteja em processo de erosão tanto pela direita quanto pela esquerda (embora valha a pena notar que Trump é o primeiro presidente a atacar rotineiramente o Fed, ameaçar demitir seu presidente e questionar a legalidade de tais instituições independentes no tribunal).

“Grande parte do papel do dólar vem de nossa reputação de política saudável, estável e previsível, da independência do Fed de pressões políticas, de nossa confiabilidade como superpotência mundial. Não se pode destruir tudo isso e esperar que o dólar não seja afetado”, diz Rogoff.

Existem soluções, é claro, mas nenhuma é indolor. O serviço Doge dos EUA tem sido um fracasso: dos US$ 165 bilhões que afirma ter economizado, as estimativas de economia real e verificável giram em torno de US$ 65 bilhões, e mesmo isso pode ser um exagero. Isso representa 3% ou menos dos US$ 2 trilhões que Elon Musk previu com confiança que cortaria do orçamento federal e deixa os americanos onde sempre estiveram.

O caminho para reduzir o déficit é cortar os grandes programas como Medicare, Previdência Social e defesa, e também aumentar os impostos. Estamos a caminho de fazer o oposto – promulgar enormes cortes de impostos e aumentar os gastos com defesa em impressionantes 13%, se a proposta de Trump for aceita.

“Temos sido inteligentes e sortudos nas décadas mais recentes”, diz Rogoff, o que permitiu aos americanos acumular déficits sem custo visível. Mas, ele acrescenta, a política econômica americana agora é “burra – a pior que já vi na vida”. E a sorte dos americanos pode ter chegado ao fim. 

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