terça-feira, 8 de julho de 2025

As contradições internas do Brics - Míriam Leitão

O Globo

A ampliação do Brics elevou a contradição interna. O resultado foi um comunicado fraco, apesar de algumas boas falas de Lula

O presidente Lula falou em fim do uso de combustíveis fósseis, mesmo num grupo, o Brics, que tem produtores de petróleo e grandes emissores. Falou em igualdade de gênero e direitos reprodutivos da mulher, num bloco com integrantes que oficialmente discriminam mulheres, como os países árabes e o Irã. Apesar disto, essa cúpula ampliada mostrou que as contradições internas tornaram o comunicado mais fraco em diversos pontos fundamentais, como na reivindicação brasileira de ter um assento no Conselho de Segurança da ONU.

No discurso lido, Lula foi ao ponto certo várias vezes. Ao dar a entrevista, criou polêmicas. A mais forte delas foi responder ao presidente Donald Trump sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro estar sendo “perseguido” no Brasil. O problema de Bolsonaro é com a Justiça. Ele responde pelo crime de tentativa de golpe de Estado. O Executivo não tem o poder de condená-lo. A ação penal se passa no STF. Quando Lula responde, legitima a ideia de que há essa suposta perseguição do governo contra o adversário político.

A melhor frase de Lula resumiu o dilema atual. “Hoje o negacionismo e o unilateralismo estão corroendo avanços do passado e sabotando nosso futuro.” Na saúde, no combate à mudança climática, no comércio internacional, nos organismos globais, os grandes inimigos são o negacionismo e o unilateralismo. Ontem mesmo, Trump ameaçou os países integrantes do Brics com mais tarifas.

Segundo Lula, “a igualdade entre homens e mulheres em todas as esferas é um imperativo”. Do grupo fazem parte o Irã, onde uma jovem foi morta pela polícia por usar o véu da forma “errada”, e a Arábia Saudita com longo histórico de opressão. Nos outros países, a igualdade está longe, mas é que nesses novos companheiros do Brics a violência contra os direitos femininos é prática cotidiana. Outro imperativo citado pelo presidente foi o fim do racismo. Ele falou isso no mesmo dia em que se soube de mais um negro morto pela polícia paulista. Guilherme Dias Santos Ferreira, de 26 anos, foi assassinado com um tiro pelas costas na Zona Sul de São Paulo. Ele era marceneiro e estava correndo para pegar o ônibus. Carregava uma mochila. Dentro, uma marmita, roupas e um livro. O policial já pagou fiança e foi solto. Igualdade de gênero e fim do racismo são urgências que precisam mais do que palavras.

“É inadiável promover a transição justa e planejada para o fim do uso dos combustíveis fósseis e para zerar o desmatamento”, disse o presidente. O problema é que no Brasil pode ser aberta uma nova fronteira de exploração de petróleo no mar que circunda a Amazônia, aproximando-se da lógica da Opep que defende a estranha ideia de que a transição para o mundo sem combustíveis fósseis será feita com mais combustíveis fósseis.

Tudo o que o Brasil conseguiu em meio a parágrafos longuíssimos e amorfos da declaração conjunta dessa cúpula do Brics foi incluir que “China e Rússia, como membros permanentes do Conselho de Segurança, reiteram seu apoio às aspirações do Brasil e da Índia de desempenhar um papel mais relevante nas Nações Unidas, incluindo seu Conselho de Segurança”. É pouco e vago. Bem- sucedida foi a Rússia. Vladimir Putin, mesmo de corpo ausente, conseguiu que a declaração nada citasse sobre invasão da Ucrânia. A mesma declaração condenou “os ataques militares contra a República Islâmica do Irã”. Sobre a Ucrânia ficou assim: “Recordamos nossas posições nacionais em relação ao conflito na Ucrânia, expressas em fóruns apropriados, incluindo o CSNU e a AGNU.” Uma miss Universo pedindo paz mundial seria mais eloquente. Também não houve qualquer condenação explícita à guerra tarifária de Donald Trump. O assunto foi tratado indiretamente. Houve críticas diretas a Israel. O Irã tentou vetar a defesa da solução dos dois estados. Posição que o Brasil defende há 78 anos.

O Brasil conseguiu declaração de apoio à COP30. “Sublinhamos nosso total compromisso com uma COP30 bem-sucedida.” Para o sucesso da reunião de Belém, será preciso que os países apresentem suas NDCs o mais rapidamente possível. Isso é necessário, mas não foi dito. O petróleo foi defendido. “Reconhecemos que os combustíveis fósseis ainda têm um papel importante na matriz energética mundial.” Os avanços da Cúpula se perderam nesse comunicado aguado. A ampliação do grupo cobrou seu preço.

 

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