O Globo
A ampliação do Brics elevou a contradição
interna. O resultado foi um comunicado fraco, apesar de algumas boas falas de
Lula
O presidente Lula falou em fim do uso de combustíveis fósseis, mesmo num grupo, o Brics, que tem produtores de petróleo e grandes emissores. Falou em igualdade de gênero e direitos reprodutivos da mulher, num bloco com integrantes que oficialmente discriminam mulheres, como os países árabes e o Irã. Apesar disto, essa cúpula ampliada mostrou que as contradições internas tornaram o comunicado mais fraco em diversos pontos fundamentais, como na reivindicação brasileira de ter um assento no Conselho de Segurança da ONU.
No discurso lido, Lula foi ao ponto certo
várias vezes. Ao dar a entrevista, criou polêmicas. A mais forte delas foi
responder ao presidente Donald Trump sobre
o ex-presidente Jair
Bolsonaro estar sendo “perseguido” no Brasil. O problema de Bolsonaro
é com a Justiça. Ele responde pelo crime de tentativa de golpe de Estado. O
Executivo não tem o poder de condená-lo. A ação penal se passa no STF. Quando
Lula responde, legitima a ideia de que há essa suposta perseguição do governo
contra o adversário político.
A melhor frase de Lula resumiu o dilema
atual. “Hoje o negacionismo e o unilateralismo estão corroendo avanços do
passado e sabotando nosso futuro.” Na saúde, no combate à mudança climática, no
comércio internacional, nos organismos globais, os grandes inimigos são o
negacionismo e o unilateralismo. Ontem mesmo, Trump ameaçou os países
integrantes do Brics com mais tarifas.
Segundo Lula, “a igualdade entre homens e
mulheres em todas as esferas é um imperativo”. Do grupo fazem parte o Irã, onde
uma jovem foi morta pela polícia por usar o véu da forma “errada”, e a Arábia
Saudita com longo histórico de opressão. Nos outros países, a igualdade está
longe, mas é que nesses novos companheiros do Brics a violência contra os
direitos femininos é prática cotidiana. Outro imperativo citado pelo presidente
foi o fim do racismo. Ele falou isso no mesmo dia em que se soube de mais um negro
morto pela polícia paulista. Guilherme Dias Santos Ferreira, de 26 anos, foi
assassinado com um tiro pelas costas na Zona Sul de São Paulo. Ele era
marceneiro e estava correndo para pegar o ônibus. Carregava uma mochila.
Dentro, uma marmita, roupas e um livro. O policial já pagou fiança e foi solto.
Igualdade de gênero e fim do racismo são urgências que precisam mais do que
palavras.
“É inadiável promover a transição justa e
planejada para o fim do uso dos combustíveis fósseis e para zerar o
desmatamento”, disse o presidente. O problema é que no Brasil pode ser aberta
uma nova fronteira de exploração de petróleo no mar que circunda a Amazônia,
aproximando-se da lógica da Opep que defende a estranha ideia de que a
transição para o mundo sem combustíveis fósseis será feita com mais
combustíveis fósseis.
Tudo o que o Brasil conseguiu em meio a
parágrafos longuíssimos e amorfos da declaração conjunta dessa cúpula do Brics
foi incluir que “China e Rússia, como membros
permanentes do Conselho de Segurança, reiteram seu apoio às aspirações do
Brasil e da Índia de desempenhar um papel mais relevante nas Nações Unidas,
incluindo seu Conselho de Segurança”. É pouco e vago. Bem- sucedida foi a
Rússia. Vladimir Putin, mesmo de corpo ausente, conseguiu que a declaração nada
citasse sobre invasão da Ucrânia. A mesma declaração condenou “os ataques
militares contra a República Islâmica do Irã”. Sobre a Ucrânia ficou assim:
“Recordamos nossas posições nacionais em relação ao conflito na Ucrânia,
expressas em fóruns apropriados, incluindo o CSNU e a AGNU.” Uma miss Universo
pedindo paz mundial seria mais eloquente. Também não houve qualquer condenação
explícita à guerra tarifária de Donald Trump. O assunto foi tratado
indiretamente. Houve críticas diretas a Israel. O Irã tentou vetar a defesa da
solução dos dois estados. Posição que o Brasil defende há 78 anos.
O Brasil conseguiu declaração de apoio à
COP30. “Sublinhamos nosso total compromisso com uma COP30 bem-sucedida.” Para o
sucesso da reunião de Belém, será preciso que os países apresentem suas NDCs o
mais rapidamente possível. Isso é necessário, mas não foi dito. O petróleo foi
defendido. “Reconhecemos que os combustíveis fósseis ainda têm um papel
importante na matriz energética mundial.” Os avanços da Cúpula se perderam
nesse comunicado aguado. A ampliação do grupo cobrou seu preço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário