terça-feira, 8 de julho de 2025

O Brasil no Brics - Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo

O Brics é visto, em Brasília, como instrumento-chave para reequilibrar a ordem mundial, contrapondo o domínio do G-7

No contexto atual de incertezas e insegurança global, o governo brasileiro organizou ontem, no Rio de Janeiro, o encontro de cúpula do Brics, sem a presença dos líderes da Rússia, China, Egito, Turquia, Irã e México.

O Brics, hoje, ampliado, é integrado pelos cinco países originais (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) e agora pelos novos membros, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes. Foi igualmente criada uma categoria de Países Associados, tendo sido convidados Cuba, Bolívia, Turquia, Nigéria, Indonésia, Argélia, Bielorrússia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã e Uganda. A expansão do Brics permitirá um maior conhecimento e novas oportunidades de ampliação do intercâmbio comercial entre os países-membros. Existem cerca de 200 mecanismos de interação entre os países-membros, com reuniões entre ministérios e instituições oficiais e privadas que vão nessa direção. No tocante ao funcionamento do bloco, o Brasil apoiou a expansão do grupo (2023-2024) e defende termos de referência para a entrada de novos membros para preservar a coerência e eficácia do bloco. Há cerca de 35 países que manifestaram interesse em se juntar ao Brics.

Apesar de dois de seus membros estarem envolvidos em conflitos regionais, o Brics, pelo seu peso político, econômico e comercial, tem sido um polo de atração, o que indica uma tendência à sua consolidação como um ator relevante no cenário global. Heterogêneo e com interesses nem sempre coincidentes, o Brics se tornou uma fonte de propostas de regras para a nova ordem internacional, embora haja preocupação de parte de seus membros com o risco de que o grupo se torne excessivamente politizado ou antiocidental, o que comprometeria sua capacidade prática. Por isso, apresentar-se como uma força de construção e de estabilização será um grande desafio para o bloco, levando em conta as guerras em curso e as atitudes antiocidentais de alguns de seus membros.

A reunião mostrou a grande diversidade entre os paísesmembros e a divergência de interesses político e econômico-comerciais, mas a moderação prevaleceu sobre a confrontação. Além da declaração de líderes, foram aprovadas declarações sobre finanças climáticas; sobre governança global da inteligência artificial e a parceria do Brics para a eliminação de doenças socialmente determinadas. O Brasil contribuiu para encontrar fórmulas de conciliação sobre os temas dominados por questões geopolíticas globais, em especial, as guerras no Oriente Médio e na Europa e o protecionismo, em função do tarifaço dos EUA. O grupo condenou os ataques militares ao Irã e ao programa nuclear iraniano, reiterando o apoio às iniciativas diplomáticas relativas aos desafios regionais e reiterou as posições nacionais sobre a guerra na Ucrânia, expressas na ONU. O comunicado final registra a grave preocupação com a ocupação de Gaza e expressa o direito dos palestinos de um Estado independente e, quanto à ampliação do Conselho de Segurança da ONU, que Brasil e Índia deveriam ter um papel mais ativo em temas globais e nas Nações Unidas, inclusive no Conselho de Segurança.

No contexto das atuais prioridades na política externa, o governo brasileiro mantém seu compromisso com o Brics como um meio estratégico para reforçar sua política externa, aumentar sua autonomia e atuar como liderança entre os países em desenvolvimento (Sul Global). O Brics é visto, em Brasília, como instrumento-chave para reequilibrar a ordem mundial, contrapondo o domínio do G-7, o esvaziamento do G-20 e de instituições lideradas por EUA e Europa. A presidência brasileira defendeu a reforma da governança global e a ampliação da voz dos países em desenvolvimento. Reiterou a necessidade da reforma do Conselho de Segurança da ONU, o fortalecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e enfatizou a necessidade de mudanças no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial, com maior representatividade e poder de voto para os emergentes. Ressaltou o diálogo sobre o uso de moedas locais no comércio com o objetivo de reduzir os custos das operações financeiras e sobre a cooperação entre os países do Brics para melhor utilização do sistema financeiro vigente. Defendeu maior atuação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), com financiamentos que beneficiem infraestrutura e transição energética no Sul Global.

Ao lado do apoio à agenda do Brics, o Brasil incluiu, com êxito, nas discussões e no comunicado final, a ampliação da cooperação entre os países em desenvolvimento nas áreas de saúde, com o estabelecimento de parcerias e projetos com os países-membros para ampliar a cooperação no combate a doenças tropicais; clima, no tocante ao aprimoramento das estruturas de financiamento para enfrentar as mudanças climáticas levando em conta a agenda da COP-30; comércio, na defesa de princípios básicos do comércio internacional, como o da nação mais favorecida, visando ao incremento do comércio entre os dez membros do bloco e buscando revigorar a OMC e crítica à política protecionista dos EUA; taxação dos super-ricos; inteligência artificial, com vistas a aprofundar as discussões sobre a governança da IA, com o apoio da governança inclusiva e responsável da IA para o desenvolvimento.

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