terça-feira, 8 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Reforma do IR aproxima Brasil de ‘justiça tributária’

O Globo

Mesmo que não seja ideal, mudança enviada ao Congresso traria avanço bem maior que aumento do IOF

O governo federal se diz empenhado por “justiça tributária”. Petistas têm promovido campanha pelo aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), resgatando o discurso “ricos contra pobres”. Essa propaganda polarizadora nada traz de bom. Mas, se aumentar o IOF e rachar a sociedade é o modo errado de promover “justiça tributária”, isso não significa que os impostos brasileiros sejam justos. Não são. E o próprio governo, como O GLOBO afirmou em editorial de março, já encaminhou ao Congresso projeto que, apesar das limitações, avança ao corrigir injustiças — a reforma do Imposto de Renda (IR).

A tributação no Brasil é repleta de distorções, em geral provocadas pela barafunda de exceções e regimes especiais. No caso do IR, quem ganha menos paga proporcionalmente mais — no jargão técnico, diz-se que o IR é “regressivo”. O percentual calculado depois dos descontos permitidos — ou a “alíquota efetiva” — sobe à medida que aumenta o rendimento, até os contribuintes de maior renda. A partir dos 5% que mais ganham, despenca. “A tributação da renda deixa de ser progressiva no ponto mais alto do topo da pirâmide”, escreveu em estudo recente o economista Sérgio Gobetti, do Ipea.

Há vários motivos para isso. O principal é que os rendimentos de quem tem renda mais alta costumam ser recebidos na forma de dividendos, pagos por empresas que se valem de regimes especiais, como Simples ou Lucro Presumido, para pagar menos imposto. Uma vez que os dividendos são isentos, esse mecanismo resulta em distorção que beneficia categorias como médicos, advogados, profissionais liberais e contratados como pessoa jurídica. Em seu estudo, Gobetti estimou as alíquotas efetivas pagas por diferentes estratos de renda, levando em conta tanto o imposto das empresas quanto das pessoas físicas. Concluiu que a carga tributária dos maiores beneficiários de regimes especiais é inferior à do “assalariado que ganhe R$ 4,5 mil mensais e inferior também àquela paga por outros empresários com mesmo nível de renda”.

A reforma do IR do governo propõe uma solução engenhosa para tal distorção. De início, isenta quem ganha até R$ 5 mil mensais (hoje a isenção vai até R$ 2.824). Também reduz alíquotas para a faixa até R$ 7 mil. As duas medidas beneficiariam 10 milhões de contribuintes, mas abririam um buraco na arrecadação estimado em R$ 27 bilhões. Para cobri-lo, a proposta impõe uma alíquota efetiva mínima aos 141 mil contribuintes que ganham mais de R$ 50 mil por mês — ela começa em 5% e sobe até 10%, para rendas acima de R$ 75 mil mensais. Tal mecanismo aproximaria os beneficiários dos regimes especiais de uma taxação compatível com seus rendimentos. O governo também sugere um teto: caso a soma das alíquotas pagas pela empresa e pelo sócio ultrapasse 34% (taxa do regime de Lucro Real, uma das mais altas do mundo), a diferença seria devolvida.

É verdade que não se trata da reforma ideal. Para isso, seria preciso derrubar as alíquotas corporativas aos patamares internacionais, reduzir exceções e regimes especiais, de modo a poder tributar os dividendos. Haveria não apenas “justiça tributária”; a economia como um todo ganharia competitividade. Mas a reforma ideal se revela politicamente inviável num Congresso avesso a enfrentar grupos de interesse. Ainda que paliativa diante do desafio, a reforma de IR do governo representa um avanço que deveria ser levado adiante.

Reunião do Brics traduz dificuldade de conciliar interesses conflitantes

O Globo

De concreto, ficam a influência chinesa e o apoio a adversários do Ocidente, como Rússia e Irã

A expansão do Brics se refletiu na Declaração do Rio de Janeiro, documento final do encontro do bloco. À medida que ele ganha mais integrantes, fica difícil abrigar interesses por vezes conflitantes. Dividido em 126 itens, o texto é semelhante a um projeto do Congresso em que cada país tentou pendurar “jabutis” para agradar a sua plateia. De concreto, ficaram apenas a nítida influência chinesa e o alinhamento com adversários declarados do Ocidente, como Irã e Rússia.

É verdade que o Irã não teve como impedir que o Brics formalizasse apoio à solução de dois estados para o conflito no Oriente Médio. Mas seu chanceler, Abbas Araghchi, soltou nota de divergência. Teerã recebeu, ainda, um afago descabido, com as críticas aos ataques recentes a “instalações nucleares pacíficas” — são persuasivas as evidências de que vinham sendo usadas para desenvolver uma bomba atômica.

A palavra “terrorismo” aparece mais de dez vezes, com referências a grupos na Síria e em Jammu e Caxemira, área disputada entre Índia, Paquistão e China. Não é sequer citado o grupo terrorista Hamas, financiado pelo Irã e autor da barbárie de 7 de outubro de 2023.

Em contraste, há diversas condenações a Israel. Em entrevista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a afirmar: “O que está acontecendo em Gaza já passou da capacidade de compreensão de qualquer mortal no planeta Terra. Dizer que aquilo é uma guerra contra o Hamas, e só se mata inocente, mulheres e crianças”. É o tipo de declaração que seria apenas mais uma repetição de suas opiniões absurdas, não contribuísse para o aumento preocupante do antissemitismo no Brasil.

O documento do Brics também condena “com veemência” ataques que “deliberadamente atingiram civis” russos, mas em nenhum momento registra as vítimas civis ucranianas de uma guerra que só começou graças à Rússia, A imagem de Vladimir Putin em videoconferência pairou sobre o encontro como um espectro nefando.

Sentado diante de diplomatas e da primeira-dama Janja Lula da Silva (que não tem mandato nem cargo oficial para participar do encontro), Lula adotou tom passadista em seus pronunciamentos: “O Brics é herdeiro do Movimento Não-Alinhado”. Ora, os não-alinhados buscavam equidistância de Washington e Moscou, enquanto o Brics é a cada dia mais percebido como fantoche de Pequim. Ele deixou transparecer sua ideologia ao atacar o “modelo neoliberal” e ao defender o dirigismo estatal, testado e fracassado aqui e noutros países.

Para o Brasil, o objetivo de obter apoio explícito do bloco a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU fracassou. Não se sabe o que o Brics alcançou ou conseguirá alcançar de concreto em relação às metas traçadas. Mas uma conquista já é certa: o presidente americano, Donald Trump, ameaçou sobretaxar em 10% todas as importações do bloco. A visão do Brics combina com o isolacionismo de Trump. Ambos têm a mesma consequência: retrocesso econômico, com mais pobreza e falta de perspectiva de os países se desenvolverem.

Amplas reformas de Trump são aposta de risco

Valor Econômico

Poucos presidentes americanos fizeram tantas reformas, e tão transformadoras, em tão pouco tempo

Se os primeiros seis meses de governo de Donald Trump nos EUA tivessem o título de um filme, o mais adequado seria “Velozes e Furiosos”. Poucos presidentes americanos fizeram tantas reformas, e tão transformadoras, em tão pouco tempo. Se der certo, ele realizará uma guinada conservadora profunda, possivelmente com efeitos globais. Se der errado, corre o risco de uma derrota importante nas eleições legislativas de 2026, o que poderia lançar o país numa crise institucional. Trata-se de uma das jogadas políticas mais arriscadas da história dos EUA.

Na economia, as apostas de Trump contrariam o senso comum de diversas maneiras. Seu protecionismo econômico ameaça elevar a inflação nos EUA, o que pode manter os juros altos por mais tempo, freando a economia. O recém-aprovado pacote orçamentário é fiscalmente regressivo, pois beneficia mais os ricos, deve manter elevado o déficit fiscal americano e aumentar a dívida pública. Se objetiva reduzir impostos das empresas para fazê-las investir e gerar empregos, o sentimento generalizado de insegurança econômica ameaça paralisar investimentos, tanto nos EUA como pelo mundo.

Socialmente, Trump contrariou os latinos (cerca de 19% da população dos EUA) e outras minorias ao iniciar uma agressiva campanha de deportação de imigrantes em situação ilegal, mas que vem atingindo também pessoas que lá vivem legalmente. Em junho, o Departamento de Justiça americano anunciou que vai acelerar a revogação da naturalização de estrangeiros que tenham cometido certos crimes. Tudo isso vem gerando pânico entre os imigrantes e está afetando a disponibilidade e o custo da mão de obra em vários setores da economia.

Trump faz outra aposta arriscada ao cortar benefícios sociais para a população de baixa renda. Os principais cortes afetam o programa nacional de alimentação (que subsidia alimentos) e o Medicaid, que fornece cobertura de saúde gratuita ou a baixo custo num país que não tem um sistema público universal de saúde. O Escritório de Orçamento do Congresso estima que 12 milhões de pessoas correm o risco de perder a cobertura médica. Esses cortes visam a compensar parte da redução de impostos.

Trump subverteu ainda a política externa americana. Contrariou os principais aliados dos EUA ao impor tarifas comerciais punitivas, ao retirar boa parte do apoio militar e financeiro à Ucrânia e ao humilhá-los, como quando subscreveu a ideia de que os europeus são “parasitas”.

Seu governo vem buscando também influenciar explicitamente a política pelo mundo. Apoiou, por exemplo, a extrema direita nas eleições alemãs. Ontem, Trump defendeu o ex-presidente Jair Bolsonaro, dizendo que ele “não é culpado de nada” e sugerindo que está sendo perseguido politicamente. No domingo, ele ameaçou aplicar uma sobretaxa de 10% a produtos de “qualquer país que se alinhe às políticas antiamericanas do Brics”.

Trump também se voltou contra a ciência. Segundo estimativas, o governo deve cortar até 50% do gasto federal com pesquisa. Houve ainda demissões em diversas agências, como a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (Noaa). Trump iniciou um embate contra muitas das principais universidade americanas, o que levou à suspensão de bilhões em ajuda federal. Essa ofensiva contra a ciência está causando uma saída sem precedentes de pesquisadores americanos rumo a instituições no Canadá, na Europa e na Ásia. Isso tudo ameaça a inovação.

O presidente também recuou de políticas climáticas e ambientais. Retirou novamente os EUA do Acordo de Paris, cortou a maior parte dos incentivos para energias renováveis e redução de emissões (aprovados no governo Biden), isentou usinas elétricas a carvão de metas de emissões e estimulou a exploração de petróleo, mesmo em áreas protegidas.

Para muitos, Trump atentou ainda contra a Justiça, com uma série de medidas que violariam a lei. É o caso, por exemplo, do decreto que barra a concessão automática de cidadania a todos os nascidos em solo americano, que vigora desde a reforma constitucional de 1868. O governo ignorou ainda uma decisão judicial que proibia a deportação de um imigrante salvadorenho e vem detendo pessoas que expressaram críticas a Israel sem, porém, cometer crimes. Trump já afirmou, em sua rede social, que “aquele que salva o seu país não viola nenhuma lei”.

Possivelmente o último presidente a promover uma série tão profunda e rápida de reformas nos EUA foi Franklin Roosevelt. No começo de seu primeiro mandato, em 1933, ele aprovou boa parte das políticas do chamado New Deal. Roosevelt, no entanto, agia sob a pressão gerada pela forte crise econômica e social da Grande Depressão dos anos 1930.

Trump possivelmente pisou no acelerador das reformas para permitir que elas deem resultado antes das eleições legislativas de 2026. Se a economia tiver um bom desempenho até lá, os republicanos poderão manter a atual maioria no Congresso. Mas, se a economia patinar, Trump e seu partido dependerão exclusivamente do resultado da sua agenda socialmente conservadora.

É difícil de vislumbrar, por enquanto, para onde essa onda transformadora levará a maior potência global. Várias das reformas parecem ter sido feitas de improviso e ameaçam causar mais dano que benefício, como os cortes sem critério de funcionários públicos. Muito da política econômica e social preocupa até mesmo aliados do presidente, tanto no Congresso como nos mercados. Pesquisas têm mostrado uma deterioração da aprovação de Trump, que caiu de 52% em janeiro para 46% agora, na média elaborada pelo site RealClearPolitics. Parte da mídia americana começa a debater o risco de um “crash”, isto é, de uma piora da economia associada a uma reação mais vocal na sociedade contra as políticas do presidente. O roteiro “velozes e furiosos” de Trump é um filme de suspense que manterá o mundo imerso em incertezas por um bom tempo ainda.

Ataque de Trump, por ora, ajuda mais Lula que Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Americano faz ameaça ao Brics e defesa descabida do ex-presidente, permitindo ao petista mobilizar sua base com reação

Desde que voltou à Casa Branca, em janeiro, Donald Trump vinha ignorando solenemente a relação com o Brasil, para onde nem embaixador plenipotenciário o americano indicou até agora.

Fora breve citação em que disse que o país de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa muito mais dos EUA do que vice-versa, um truísmo temperado com soberba, a relação entre Brasília e Washington era de distante a ausente.

Melhor para o petista: até por presidir um superávit comercial com o Brasil, até aqui Trump não criou grandes embaraços para o país em sua guerra tarifária. Mesmo no delicado tema da imigração ilegal, os entrechoques foram bem absorvidos pelo Itamaraty.

Deu-se assim até um hiato de 12 horas entre duas postagens do republicano. Na primeira, na noite do domingo (6), ele ameaçou nações que se alinhassem às "políticas antiamericanas" do Brics com uma sobretaxa de 10% às exportações para os EUA.

Na segunda, Trump publicou um pequeno libelo contra o sistema judicial brasileiro para defender o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no seu entender um alvo de "caça às bruxas" que deveria ser deixado "em paz".

Ambas as manifestações podem ser colocadas no escaninho das falas ao vento do republicano, dado à busca de alarido com pouca substância prática, que mais servem para energizar a direita populista que o segue.

O caso do Brics nem sequer é inédito. Trump já havia ameaçado com tarifas de 100% caso membros do grupo adotassem mecanismos excluindo o dólar de suas transações. Nada ocorreu.

O novo ruído se deu, porém, no momento em que o Brasil sediava a 17ª cúpula do bloco criado nos anos 2000, numa edição esvaziada que expôs sua baixa eficácia na organização de demandas do mundo emergente.

A ameaça veio em boa hora para Lula, permitindo-o sustentar que "os Brics estão incomodando". Para a política externa que claudica na busca por relevância, não deixa de ser um respiro.

Já a defesa de Bolsonaro, descabida intromissão em tema das instituições de outro país, não irá evitar a provável condenação por tentativa de golpe de Estado, mas pode ter implicações mais sérias na relação bilateral.

A família do ex-presidente trabalha para que o governo americano crie constrangimentos ao ministro Alexandre de Moraes, que comanda o julgamento do patriarca no Supremo Tribunal Federal. A caudalosa postagem de Trump pode criar a expectativa de novos movimentos.

Apesar do risco, de imediato Lula agradece. Não menos que três de seus ministros correram a responder ao americano, e o mandatário, que já se meteu em assuntos de outras nações, pôde rechaçar a ingerência externa.

Com isso, galvaniza também sua base e acena à fatia da população que tem ojeriza a Trump. Se a descoberta do Brasil pelo americano irá além do efêmero das redes, isso ainda é incerto.

Baixar as armas

Folha de S. Paulo

Queda de 91% na compra de armamentos mostra reversão da política insensata de Bolsonaro; é preciso endurecer fiscalização

Ao gerir o setor de segurança pública com base em ideologia, em vez de técnica, Jair Bolsonaro (PL) flexibilizou por meio de decretos uma série de normas que restringiam o aceso a armas de fogo no país. Felizmente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem conseguindo reverter o descalabro.

É o que mostra o levantamento de dados realizado pela Folha e analisados em parceria com o Instituto Sou da Paz. Entre 2022, último ano do mandato de Bolsonaro, e 2024, o número de armas compradas por CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) despencou de 448.319 para 39.914, uma queda de 91%.

O estudo revelou que houve aumento apenas na aquisição de fuzis, entre o ano passado e o primeiro semestre de 2025, de 1.063 para 1.248 —o poder público precisa apurar a motivação para a alta, principalmente por ser tratar de dispositivo de grande impacto.

Atualmente, 980 mil CACs possuem cerca de 1,5 milhão de armas, sendo que 932.551 delas foram registradas no governo Bolsonaro, e 234.849, no de Lula (compras feitas até abril).

A redução é bem-vinda, dado que tanto pesquisas científicas como experiências em outros países evidenciam que não só não há relação direta entre expansão do acesso a armas e diminuição de indicadores de criminalidade como verifica-se aumento de mortes que seriam evitáveis.

Agora, o governo precisa endurecer o monitoramento do comércio do setor no país, ainda mais com a mudança da instituição que realiza a tarefa.

Mudança necessária, já que o Exército falhou claramente na atribuição, como conceder acesso a esses dispositivos a condenados por tráfico ou homicídio e a procurados pela polícia com mandados de prisão em aberto, o que contraria o Estatuto do Desarmamento, de 2003.

Em 2023, um decreto federal passou a responsabilidade do Exército para a Polícia Federal. A transição deve ser concluída até 29 de agosto. O órgão cuidará da emissão do certificado de registro e do cadastro de armas além da fiscalização de CACs, clubes de tiro e lojas de armas.

Em 1º de julho, a PF contratou 579 terceirizados para a empreitada, mas demandou no ano passado a criação de 3.000 novos cargos (sendo 780 terceirizados), entre delegados, agentes, psicólogos e técnicos administrativos.

A melhoria no cenário de compra de armas no país deixa claro que a ideologia é má conselheira em políticas públicas —e que a alternância de poder é um mecanismo valioso das democracias para a promoção de ajustes.

O STF não é poder moderador

O Estado de S. Paulo

Imbróglio sobre o IOF expõe a incapacidade de diálogo entre Lula da Silva e o Congresso, resultando na judicialização de uma questão que deveria ser resolvida por meio da boa política

O Supremo Tribunal Federal (STF) foi provocado por dois partidos políticos – PL e PSOL – e pela Advocacia-Geral da União (AGU) para arbitrar a disputa entre o Executivo e o Legislativo envolvendo o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Idealmente, esse imbróglio deveria ter sido resolvido por meio da articulação política entre o Palácio do Planalto e o Congresso. Ao menos em tese, há até um ministério para cuidar disso: a Secretaria de Relações Institucionais. Mas, seja por conforto, tibieza ou conveniência eleitoral, o fato é que o presidente Lula da Silva e os presidentes da Câmara e do Senado parecem ter abdicado de fazer política na questão do IOF e optado por deixar para o STF o fardo de resolver um impasse no qual eles mesmos se meteram.

Como relator das ações que tratam do tema na Corte, o ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, tinha um caminho jurídico claro a seguir: julgar se Lula agiu de acordo com suas prerrogativas constitucionais ao majorar por decreto um imposto regulatório com o manifesto propósito de elevar a arrecadação e, assim, cumprir a meta fiscal do governo. Esse era seu papel, esse era o limite institucional do STF como, vá lá, “mediador” da contenda. Moraes, porém, preferiu se desviar do bom caminho jurídico e se perder por uma trilha tortuosa, qual seja, a “conciliação” entre os Poderes para reforçar uma ideia para lá de equivocada de que ao Supremo caberia atuar como uma espécie de “poder moderador” informal na República.

A rigor, o STF não tem de conciliar coisa alguma nos eventuais embates políticos entre Executivo e Legislativo, como é o caso da fixação da alíquota do IOF. É simplesmente falacioso o discurso segundo o qual é “indesejável” o atrito entre os Poderes, como disse Moraes. O sistema de freios e contrapesos foi concebido justamente porque a tensão é do jogo democrático, prevalecendo, ao fim e ao cabo, o melhor interesse público. Pode até não parecer, mas o STF tem uma missão muito bem delimitada no nosso arranjo republicano: zelar pela primazia da Constituição. É tão simples – e ao mesmo tempo grandioso – quanto isso.

É forçoso reconhecer, contudo, que nessa barafunda a atuação do Supremo é o menor dos problemas. Ao atribuírem à Corte o encargo de resolver uma lide essencialmente política, o governo e o Congresso, na prática, renunciaram a seus papéis institucionais. É verdade que o STF, em vez de se limitar à análise da constitucionalidade do decreto presidencial, decidiu assumir, mais uma vez, um protagonismo indevido ao se arvorar em “conciliador” entre os Poderes. Mas nada disso teria acontecido se o presidente da República e as lideranças do Congresso tivessem sentado à mesa para negociar.

O Brasil precisa de lideranças políticas que compreendam que a boa política não é sinônimo de barganhas corporativistas em torno da liberação de emendas parlamentares nem de cálculo eleitoral inoportuno, e sim de compromisso com o bem comum. Ao fugirem do diálogo e apelarem ao Judiciário como instância final de decisões que são essencialmente políticas, Lula, PL, PSOL, a AGU e os presidentes das Casas legislativas, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP), contribuem para o abastardamento da política no País e, como se isso não bastasse, reforçam a percepção de alguns ministros do próprio STF de que é seu papel servir como bedéis da política.

O resultado é essa grave confusão institucional que, se não paralisa, atrapalha muito o desenvolvimento do Brasil. O Judiciário decide com cada vez mais desenvoltura o que caberia à política decidir, enquanto atores políticos se ocupam daquilo que deveria ser secundário diante das não poucas urgências da sociedade brasileira. Essa inversão de papéis e responsabilidades não apenas desvirtua as atribuições dos Poderes, como enfraquece a democracia ao interditar os canais legítimos de concertação política.

O Brasil já demonstrou ser capaz de enfrentar questões muito mais complexas e relevantes para a vida nacional com maturidade política, sem a necessidade de intervenção judicial. Que governo e Congresso se lembrem disso – e, principalmente, ajam à altura da História.

Sobra dinheiro para a companheirada

O Estado de S. Paulo

Governo Lula destina milhões para ONGs esquerdistas sem qualquer critério técnico, subvertendo o interesse público com o fim óbvio de financiar o projeto de poder lulopetista

O governo deveria ser “do povo, pelo povo, para o povo”, conforme a célebre definição de Abraham Lincoln para a democracia. No Brasil, contudo, esse conceito está sendo pervertido por um projeto de poder que aparelha a máquina pública e destina recursos do contribuinte a entidades controladas por aliados, para fins flagrantemente partidários.

No terceiro mandato de Lula da Silva, os repasses federais a ONGs bateram recordes, saltando de R$ 6 bilhões em 2022 para R$ 13,9 bilhões em 2024. O crescimento não seria preocupante se viesse acompanhado de critérios rigorosos, metas claras e governança robusta. Mas numerosos indícios apurados pelo Estadão mostram o oposto: uma engrenagem informal de financiamento público a estruturas politizadas ligadas ao PT e seus satélites, afrontando os princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade e eficiência.

O caso da ONG Unisol é exemplar. Ligada ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, berço político de Lula, ela firmou oito convênios, totalizando R$ 19,1 milhões. Um deles, de R$ 15,8 milhões, previa a remoção de lixo em terra yanomami, a 3 mil quilômetros de distância da sala de 40 metros quadrados no subsolo do sindicato onde está sediada a ONG. O dinheiro foi transferido em parcela única, antes mesmo do início das atividades. A avaliação técnica que aprovou o projeto foi contestada por divergências entre pareceristas. O Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu os repasses.

As suspeitas se multiplicam. O Programa Cozinha Solidária, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, destinou R$ 5,6 milhões a uma ONG chefiada por um ex-assessor dos irmãos Tatto (PT-SP). Relatórios sugerem que entidades subcontratadas – também ligadas a petistas – assinaram recibos por milhares de marmitas não entregues. Empresas do próprio presidente da ONG e de seu sobrinho foram contratadas com verba pública, em flagrante conflito de interesse.

No Amazonas, o Iaja – fundado por Anne Moura, secretária nacional de Mulheres do PT – foi autorizado a receber R$ 1,2 milhão para capacitação de jovens. Uma auditoria do Ministério do Trabalho revelou o uso indevido de 97% da verba, ausência de cotação de preços e contratos vagos, sem critérios de fiscalização. Em áudio revelado pelo Estadão, Moura afirma que a ONG serviria à sua campanha a vereadora. A Mídia Ninja, rede ativista de esquerda, opera projetos com ONGs dirigidas por militantes e ex-assessores de políticos, que já receberam R$ 4 milhões do governo.

As digitais do lulopetismo estão por toda parte. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026, o Planalto alterou a regra que exigia a devolução de bens adquiridos por ONGs em caso de desvio de finalidade. A cláusula, presente há 15 anos, funcionava como salvaguarda patrimonial. Mesmo em meio a denúncias e alertas técnicos para riscos à moralidade e à eficiência, o Executivo optou por flexibilizar os controles em vez de fortalecê-los.

É um padrão coerente com a velha estratégia do PT: governar como se a vitória nas urnas lhe concedesse não só o comando do Executivo, mas a posse do Estado – uma visão instrumental do poder que rompe princípios republicanos e impõe uma hegemonia travestida de justiça social. Seja ao distribuir cargos em estatais, seja ao criar “comitês culturais” sob direção de militantes petistas, seja ao financiar ONGs “companheiras”, o objetivo é sempre o mesmo: aparelhar estruturas públicas para consolidar poder.

O projeto é declarado. Em evento no ano passado, Lula afirmou que os comitês de cultura servem para “enraizar aquilo que a gente acredita”. Seminários da Unisol, bancados com R$ 400 mil da União, promovem a tese de que o impeachment de Dilma Rousseff foi um “golpe”. Outra verba, de R$ 200 mil, enviada por emenda do deputado Nilto Tatto (PT), financiou uma “feira de esquerda, pela esquerda, para a esquerda”.

O País precisa de freios institucionais a esse modelo. O Congresso deve restabelecer as cláusulas protetivas surrupiadas da LDO. O TCU deve seguir firme na vigilância e na responsabilização. A sociedade civil, a imprensa e os partidos de oposição devem denunciar os abusos. É preciso reafirmar que, na república brasileira, o governo deve ser do povo – não de uma facção.

Dos males, o menor

O Estado de S. Paulo

Declaração do Brics costurada pela diplomacia brasileira evita cascas de banana para o País

Desfalcada da presença de seus principais líderes, o chinês Xi Jinping e o russo Vladimir Putin (contra quem há uma ordem de prisão por crimes de guerra), a reunião de cúpula do Brics no Rio de Janeiro poderia ter se convertido em uma casca de banana para o anfitrião Brasil, especialmente por conta da participação do Irã, o novo sócio.

Nesse contexto, a declaração final do grupo articulada pela diplomacia brasileira, e divulgada no domingo, pode ser lida com alívio, apesar da evidente hipocrisia em relação à Rússia. Foi a primeira vez, aliás, que o Brics citou ataques à Rússia desde que Putin invadiu a Ucrânia em 2022.

“Condenamos nos termos mais fortes os ataques contra pontes e infraestrutura”, diz o texto, que teriam visado “deliberadamente” civis em regiões da Rússia, resultando na morte inclusive de crianças.

A julgar pela declaração, a Rússia jamais invadiu a Ucrânia, que há mais de três anos sofre com a impiedosa campanha imperialista de Putin, campanha essa que matou ou feriu mais de 2,5 mil crianças em território ucraniano, segundo o Unicef, a agência da ONU para a infância.

Em outro ponto, a declaração também condena, sem jamais citar EUA e Israel, os ataques militares ao Irã, como se um dos principais objetivos do regime dos aiatolás não fosse o de varrer Israel do mapa.

Tanto é assim que o Irã fez questão de manifestar sua infame “posição histórica”, enviando ao Brics uma carta na qual “expressa reservas à ideia de dois Estados proposta na declaração final dos líderes”. A existência de um Estado palestino e um israelense é defendida pelo Brics desde que o grupo surgiu, e quando ainda não era composto por membros tão díspares como Etiópia e o próprio Irã.

Inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia e China, grupo ao qual logo se somou a África do Sul, o Brics sempre teve China e Rússia como os sócios de grande peso. Mas com a expansão recente, patrocinada justamente por esses dois países, não só o papel do Brasil, bem como a habilidade do grupo de alcançar consensos, ficaram sensivelmente diluídos.

Inchado, o Brics assemelha-se cada vez mais a tantos outros grupos, como, por exemplo, o G-20 (presidido pelo Brasil no ano passado), que se reúnem pomposamente para defender da paz mundial ao multilateralismo, sem muito avançar.

Falar em paz quando um de seus principais sócios promove uma invasão criminosa de um Estado soberano, como o faz a Rússia na Ucrânia, só corrobora a visão de que o Brics ampliado converteu-se em um fórum no qual se trata de tudo, sem concretamente oferecer muito.

Em uma reunião marcada por baixas significativas, e que poderia ter rendido momentos constrangedores ao Brasil dado o apreço de Lula da Silva por líderes autoritários, a declaração final da cúpula do Rio não só evitou um mal maior, como ainda contou com a ajuda improvável do presidente dos EUA, Donald Trump.

Ao ameaçar, mais uma vez, sobretaxar países alinhados ao Brics, Trump presenteou os líderes de um grupo cada vez mais antagônico com a narrativa de que o encontro foi mais produtivo do que realmente se mostrou.

Desinteresse pela CLT é sinal de alerta

Correio Braziliense

A chamada geração Z traz à tona um movimento cujos desdobramentos vão além da seara pessoal. Questões estruturais para o país também podem ser afetadas pelo desinteresse em empregos regidos pela CLT

Reconhecido como um avanço nas relações de trabalho, o emprego orientado pela CLT está sob pressão. Profissionais mais novos têm perdido o interesse pelo modelo, como mostra reportagem do Correio deste domingo. Argumentam que expediente fixo, sobrecarga e baixos salários os afastam do modelo tradicional. E optam por abrir o próprio negócio e atuar como freelancer, entre outras alternativas. A chamada geração Z, com idade entre 15 e 30 anos, traz à tona um movimento cujos desdobramentos vão além da seara pessoal. Questões estruturais para o país também podem ser afetadas. E é preciso que os gestores, tanto os públicos quanto os privados, estejam atentos a isso. 

 Nesse novo cenário, desfazer mitos e educar para a gestão de carreiras são medidas imprescindíveis. Ser o dono do próprio negócio — como desejam seis de cada 10 integrantes da geração Z, conforme mostra pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) — quase sempre é mergulhar em rotinas que ultrapassam as 44 horas semanais estipuladas pela CLT. Não para por aí. A veia empreendedora dos brasileiros é reconhecida, mas a dificuldade em manter as portas abertas, também. Levantamento do Sebrae mostra que 38% das empresas fecham em menos de cinco anos. Entre os microempreendedores individuais, o número é ainda maior: 42%.

A falta de planejamento financeiro integra a lista dos principais motivos para a insalubre taxa de sobrevivência das empresas brasileiras e costuma não fazer parte da grade curricular das escolas frequentadas pela geração Z, de cursos profissionalizantes a graduações. Nesse sentido, faz-se também necessário o fortalecimento da educação de temas ligados ao empreendedorismo entre os mais novos, sobretudo no ensino médio. 

Ao Correio, o economista Otto Nogami, professor do Insper, elenca entre as adaptações "urgentes" face ao desinteresse pela CLT a adoção de "políticas públicas voltadas ao ensino técnico, empreendedorismo, habilidades digitais e educação financeira", além da regulação e fiscalização das relações de trabalho. O especialista cogita ainda a antecipação de reformas, considerando que o enfraquecimento do modelo tradicional afeta a sustentabilidade do já combalido sistema previdenciário. "Como a Previdência é sustentada pelas contribuições dos trabalhadores formais, o esvaziamento da base pode acelerar a necessidade de novas reformas", justifica.

Também precisarão fazer ajustes os departamentos de RH de empresas privadas, uma vez que é pertinente antecipar que elas terão um quadro de funcionários mais velhos, incluindo aqueles que executam funções operacionais e as comumente destinadas aos iniciantes. Em um país com dificuldades para lidar com o próprio envelhecimento, esse tipo de mudança na cultura das organizações certamente vai levar tempo. Há de se ressaltar que esse mesmo Brasil resistente à velhice pode ter uma geração de idosos ainda mais desassistida, sem as garantias conquistadas pelo regime previdenciário. 

Não se pode perder de vista que esse desinteresse pela CLT tenha, entre os defensores, interessados em reduzir conquistas trabalhistas. Tal estratégia  também não faria bem para o Brasil, que vive, vale lembrar, um momento de alta nos empregos formais. A segurança no trabalho, em todas as suas instâncias, é pilar para o crescimento de qualquer empresa, assim como manter-se alerta às demandas da modernidade. Engavetar a falta de interesse pela CLT, portanto, não é produtivo. O movimento merece um entendimento que concilie sustentabilidade empresarial e bem-estar humano.

O ambiente de tragédias nos Estados Unidos

O Povo (CE

É cada vez mais comum no tempo contemporâneo que fenômenos naturais com os quais lidávamos antes com mais tranquilidade acabem se transformando em motivo de preocupação pelos seus efeitos danosos

Os eventos trágicos dos últimos dias nos Estados Unidos, onde chuvas no Texas deixavam, na contagem feita até a publicação deste texto, um saldo de 91 mortes, mostram que o descaso com uma política responsável de defesa do meio ambiente coloca a todos em risco. Não é um problema apenas de pobres, países ou famílias, mas, parece claro, há um preço que a sociedade em geral é chamada a pagar quando seus efeitos aparecem.

É cada vez mais comum no tempo contemporâneo que fenômenos naturais com os quais lidávamos antes com mais tranquilidade acabem se transformando em motivo de preocupação pelos seus efeitos danosos. O exemplo do rico estado norte-americano expõe de maneira cruel esta nova realidade, para a qual devem acordar as autoridades e a própria sociedade. Enquanto ainda há condição de fazê-lo.

O debate sobre a importância da preservação do meio ambiente, racionalizando melhor a exploração de suas riquezas, precisa estar na ordem do dia dos governantes mundiais. De uma maneira concreta, envolvendo atitudes que indiquem uma real preocupação com o tema, e não como parte de discursos bonitos, tanto quanto inócuos.

A natureza vai nos oferecendo exemplos quase diários de que não está disposta a aceitar passivamente, sem resposta, políticas insensatas que envolvem sua destruição de maneira descompromissada com o que pode gerar de resultados futuros. No sentido negativo e na perspectiva de um amanhã que, na verdade, parece já ter chegado.

Os Estados Unidos, com o governo liderado por Donald Trump, talvez seja um dos melhores exemplos atuais de ação pública desalinhada com o que se entende adequado em relação aos desafios ecológicos. Uma das primeiras medidas do seu novo governo foi, conforme prometera em campanha, sair do Acordo de Paris, na prática retirando o país de compromissos com a preservação ambiental.

O mais grave é que há um volume importante de medidas concretas adotadas desde a posse de Trump, na linha de desmonte da estrutura de ação do Estado na área. Por exemplo, o Serviço Nacional do Clima (NWS na sigla em inglês), responsável por monitorar e emitir alertas sobre fenômenos climáticos para que as pessoas possam deixar as áreas de risco a tempo, está sendo esvaziado e tem sido alvo de cortes, de verba e de pessoal, em parte responsável pela baixa eficiência demonstrada no caso texano.

O que acontece no país mais poderoso do mundo precisa ser compreendido na sua dimensão exata, como demonstração de que ninguém está livre das consequências de uma ação humana irresponsável em relação ao meio ambiente. Infelizmente, as primeiras reações indicam que, considerada a posição do governo dos Estados Unidos, nada indica que o acúmulo de tragédias em torno do fato será suficiente para sensibilizar e gerar mudanças objetivas e rápidas. Resta-nos rezar. 

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