Andrea Jubé e Isadora Peron / Valor Econômico
Alinhado ao ministro Sidônio Palmeira, da Secretaria de Comunicação, Edinho reconhece a crise de popularidade do governo, mas diz estar “confiante” de que a aprovação do presidente vai crescer no 2º semestre
Eleito
com o apoio do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, o novo presidente do Partido dos
Trabalhadores (PT), Edinho Silva, disse ao Valor, na primeira entrevista
exclusiva após a divulgação do resultado da eleição petista, que, antes de
tomar posse, vai procurar dirigentes e líderes partidários da base para
deflagrar as conversas sobre os palanques para 2026 e
tentar reeditar a frente ampla de 2022. “Temos que consolidar rapidamente um
diagnóstico, Estado por Estado.”
Ele vai ser o responsável por coordenar a campanha de Lula à reeleição. Alinhado ao ministro Sidônio Palmeira, da Secretaria de Comunicação da Presidência,
Edinho reconhece a crise de popularidade do governo, mas diz estar “confiante”
de que a aprovação do presidente vai crescer já no segundo semestre. A se
confirmar esse quadro, diz que a “perspectiva de vitória” vai conter a eventual
debandada de aliados.
Conhecido pelo estilo conciliador, ele chega
ao posto num clima de tensão política, em pleno confronto do governo com o Congresso, após a derrota
imposta a Lula no episódio do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Ele rebateu críticas de
que o PT estaria estimulando a divisão da sociedade.
“Achar que impõem uma derrota ao
Lula e que isso não teria reação é muita ingenuidade, mas não significa que ele
tenha aberto mão do diálogo.”
Próximo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ele disse que
o PT não terá uma postura passiva sobre a economia, mas “não vai trabalhar
contra o governo”. Igualmente ligado ao presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, Edinho
criticou os juros
altos, mas defendeu o “voto de confiança” no chefe da política monetária.
Quatro vezes prefeito de Araraquara (SP) e
ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) de Dilma Rousseff, Edinho assume
o PT após o mandato de oito anos de Gleisi Hoffmann, hoje ministra
da articulação política, e de cinco meses do senador Humberto Costa (PE),
que comandará a transição no cargo. A posse dele ocorrerá no início de agosto.
Representante da tendência hegemônica Construindo um Novo Brasil (CNB),
Edinho também terá de pacificar o PT, que saiu rachado da eleição nacional. O
principal embate interno ainda mira o controle da Secretaria de Finanças, hoje
com Gleide Andrade, aliada de Gleisi.
A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Qual a sua prioridade nesse começo de gestão?
Edinho Silva: Reorganizar o partido, no sentido de
construirmos um PT que dê conta dos desafios imensos que estão colocados, de um
partido que dialoga com a sociedade, tem um projeto de país, e tem de enfrentar
um pensamento crescente de inspiração fascista.
Valor: O senhor fala do avanço da extrema direita no mundo?
Edinho: Infelizmente estamos vendo isso no mundo todo,
não dá para minimizar o que estamos vendo em relação aos imigrantes nos Estados
Unidos. O crescimento desse pensamento tem reflexo na política brasileira. A
tentativa de golpe no 8 de janeiro teve concepções fascistas, uma organização
planejou matar o presidente da República, o vice e o presidente do Tribunal
Superior Eleitoral.
Valor: E qual o papel do PT nesse cenário?
Edinho: É um partido que se dispõe a defender a
democracia, o fortalecimento das instituições, do ponto de vista da
consolidação de um país democrático. Só um partido muito forte e organizado
pode dar conta desse desafio.
Valor: Qual a estratégia para as eleições?
Edinho: Temos que consolidar rapidamente um diagnóstico,
Estado por Estado, e pensar em uma política de alianças que dê sustentação para
reeleger Lula.
Valor: Vai ter embate com aliados pelas cabeças de chapa?
Edinho: O PT não tem possibilidade de ser hegemônico nas
eleições, seria falar algo que não tem base na realidade. Onde o PT tiver
condições de fazer disputa, teremos candidatos. Onde não tiver, temos que
priorizar o diálogo com nossos aliados históricos.
Valor: A reeleição de Lula é prioridade?
Edinho: Ela é central para esse processo de reconstrução
do país.
Valor: Não tem um plano B?
Edinho: Não tem. Sem a reeleição de Lula o retrocesso
para o Brasil será gravíssimo do ponto de vista da reconstrução das políticas
públicas, de um projeto de país, e do risco de abrirmos espaço para o avanço do
fascismo.
Valor: O PT está sendo criticado, até por aliados, de investir no debate
ricos x pobres e estimular a divisão na sociedade. Como responde a isso?
Edinho: Não acho que seja um debate de ricos contra
pobres. O que eu acho é que temos uma sociedade de privilégios, de
supersalários. Por que tem servidor público recebendo R$ 100 mil, enquanto a
maioria dos brasileiros não ganha nem R$ 2 mil? A gente vai continuar
desonerando setores da economia que não precisam ser desonerados? Não é rico
contra pobre, é sobre combater privilégios.
Valor: O Congresso também questiona o modelo do governo de equilibrar as
contas pelo aumento da receita e não pelo corte de gastos, como foi o caso do
IOF. Como vê essa cobrança?
Edinho: Não é correto dizer que o
aumento do IOF eleva a carga tributária. No governo Bolsonaro, a alíquota era
de 6% e ninguém falava de aumento da carga tributária. O governo quer debater
que país queremos, um país de privilégios ou de igualdade social? O Brasil não
pode conviver com R$ 800 bilhões de renúncia fiscal, vamos debater quais
setores estão sendo beneficiados.
Valor: Qual sua proposta?
Edinho: A renúncia fiscal tem que ter um sentido. Hoje
você tem grandes corporações sendo desoneradas, mas o pequeno e o médio
empresário, o empreendedor e o assalariado pagando impostos. Não pode existir
setores beneficiados sem um limite temporal.
Valor: Na esteira desse debate, Lula está sendo acusado de fazer uma
guinada à esquerda e dar as costas à frente ampla que o elegeu. É possível
abrir mão dessa frente ampla novamente?
Edinho: O Lula é o Lula, ele não saiu do lugar dele,
continua defendendo o mesmo Brasil de sempre. Mas diante da derrota imposta ao
governo pelo Congresso [que suspendeu o decreto do IOF], é evidente que tinha
que ter uma reação. Lula é um presidente forte, não é o Jair Bolsonaro, não é o
Michel Temer. Achar que impõem uma derrota ao Lula e que isso não teria reação
é muita ingenuidade. Ele reagiu porque não lhe sobrou outro caminho, mas não
significa que tenha aberto mão do diálogo.
Valor: E como vai ficar a frente ampla, num cenário em que partidos do
Centrão planejam desembarcar do governo?
Edinho: Quero conversar com o senador Humberto Costa,
vamos fazer uma transição, e juntos, vamos procurar os presidentes dos partidos
que fazem tradicionalmente alianças conosco, e também buscar as lideranças que
garantiram a vitória de Lula em 2022.
Valor: Isso será suficiente para
conter a debandada?
Edinho: Talvez criar espaços de diálogo constante para
que a gente possa não só procurar os aliados às vésperas do período eleitoral,
mas começar a conversar a partir de agora, colher opiniões.
Valor: Defende que Geraldo Alckmin seja mantido na
vaga de vice?
Edinho: Acho o Alckmin uma liderança fundamental para o
Brasil. Agora, o prefeito de Recife, João Campos, acabou de assumir o PSB,
temos que abrir um diálogo com ele.
Valor: Como será o cenário em 2026 pela ótica da oposição? Uma eventual
prisão de Bolsonaro influenciará a campanha?
Edinho: Acho que eles têm um problema imenso porque não
têm nome. E o que simboliza esse campo é o ódio, a sociedade está saturada
dessa intolerância, da manifestação homofóbica, racista. Mas eu acho que a
gente não tem que se preocupar de que forma eles vão resolver essas
contradições, temos que nos preocupar com a nossa construção política.
Valor: E quem o senhor acha que vai ser o adversário de Lula?
Edinho: Eu acho que eles estão com muitos problemas...
Valor: Mais do que vocês?
Edinho: Nós somos o governo. Claro que é necessário
melhorar a popularidade do presidente. Não estou dizendo que isso não seja
importante.
Valor: Como fazer isso?
Edinho: Dialogando com a sociedade. A comparação dos
resultados do governo Lula com o governo Bolsonaro é uma coisa impressionante.
A gente tem que fazer a sociedade enxergar esses resultados.
Valor: Então existe um problema de comunicação do governo?
Edinho: Jogar a responsabilidade toda sobre a
comunicação não é justo, porque a comunicação comunica o que a política define.
O que nós precisamos é aprimorar a nossa linha política, e nós temos muito o
que entregar. Eu estou muito confiante na melhora do governo Lula já no segundo
semestre.
Valor: O PT era cobrado de não saber usar as redes sociais como a
direita, mas conseguiu emplacar uma estratégia digital diante da crise do IOF.
Teve uma virada de chave?
Edinho: Não tem magia. Isso é outra coisa que virou um
dogma: a direita é boa de rede, a esquerda é ruim. Mas abre o algoritmo para eu
saber por que se impulsiona mais a fala de A do que a fala de B. Por que as
redes não mostram para a sociedade o algoritmo?
Valor: E o que fazer nesse impasse?
Edinho: Tem que regulamentar as redes, mas isso não
significa censura. Censura é quando você controla o conteúdo. Isso eu sou
contra. Mas quem produz “fake news” tem que responder por isso.
Valor: Hoje a avaliação é que o nome do governador de São Paulo, Tarcísio
de Freitas, é o mais competitivo da oposição, e vai atrair os partidos de
centro e da direita. Acredita que ele será candidato à Presidência?
Edinho: O mundo político se move pela perspectiva de
vitória. Eu não tenho nenhuma dúvida de que nós vamos chegar na virada do ano
com a aprovação do governo Lula muito melhor. Então, as nossas perspectivas de
vitória em 2026 são reais. Com o governo Lula consolidando a possibilidade de
vitória, eu não acredito nesse movimento [de debandada do centro], porque a
política é pragmática.
Valor: Como vê a crise entre Executivo e o Congresso?
Edinho: Nós estamos vivendo um momento no Brasil de
desarranjo institucional. Quando o Congresso Nacional executa R$ 52 bilhões do
Orçamento, isso não é mais presidencialismo. A Constituição Federal diz que nós
somos presidencialistas, mas a política real estabeleceu um
semiparlamentarismo, um semipresidencialismo.
Valor: E como fazer para mudar esse quadro?
Edinho: Ou a gente tem lideranças que sentem à mesa, que
criem uma agenda de interesse nacional para tirar o Brasil desse embaralhado,
ou o país vai mostrar limites daqui a pouco de instabilidade, que vai afetar
até a economia. Precisamos ter lideranças que coloquem os interesses do país no
primeiro plano, achar um ponto de equilíbrio.
Valor: Qual é esse ponto?
Edinho: De que forma a gente pode deixar o parlamentar
com o direito de indicar investimentos para suas regiões sem virar uma
descaracterização do presidencialismo? E temos que fazer reforma política
eleitoral, porque esse modelo de hoje é um dos motivos da instabilidade. Temos
que abrir o debate no Brasil sobre o voto em lista, achar um modelo que
fortaleça os partidos.
Valor: Mas a população perdeu a confiança nos
partidos.
Edinho: É melhor para a estabilidade democrática
fortalecer os partidos do que pulverizar o poder na individualidade do
parlamentar. Temos que fazer isso para salvar a democracia brasileira. E a
única liderança que tem autoridade política para fazer essa concertação que o
Brasil precisa é Lula.
Valor: Gleisi Hoffmann, quando era presidente do PT, tinha embates com o
ministro da Fazenda. Como será a sua relação com Haddad?
Edinho: Cada um tem a sua forma de fazer política. Quem
estabelece a política econômica é o presidente Lula, e essa política econômica
é desempenhada pelo Haddad. Não há como fortalecermos o governo Lula sem
fortalecermos Haddad.
Valor: Então PT vai caminhar alinhado com Haddad?
Edinho: Não significa também que o PT vai ser passivo. O PT
tem que ter proposta, mas não significa que vai trabalhar contra o governo?
Valor: E a relação do PT com o presidente do Banco Central?
Edinho: Claro que eu não fiquei feliz com a última alta
da taxa de juros. Eu achei, inclusive, que ela ficaria no mesmo patamar. Agora,
se a gente não der um voto de confiança ao Galípolo, evidente que isso não
ajuda. Acho que a gente tem que debater instrumentos para entender melhor a
lógica da condução dos juros.
Valor: Como assim?
Edinho: Eu acho que o IBGE deveria tornar público o núcleo da inflação, e o que é impacto sazonal dos preços. Não digo para alterar a forma de cálculo do índice, mas dizer para a população que aqui tem 2%, 3% do que é núcleo, e 1,5% do que é sazonal.
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