O Globo
Ignore e Trump, eu engoli um sapo muito maior
Estimado presidente, a última vez que escrevi
a vosmecê, em fevereiro, disse-lhe que as reformas ministeriais são um pesadelo
inútil. Foi o que sucedeu com a sua. Escrevo-lhe agora porque almocei ontem com
meus confrades republicanos, e veio à mesa a fala do presidente Trump
defendendo o capitão Bolsonaro. Coisa rara, concordamos em que, na sua primeira
fala, vosmecê fez muito bem ao dizer que tem assuntos mais importantes a
tratar. (O Figueiredo ficou calado porque seu neto Paulo está metido com o Trump.)
Getúlio Vargas e Ernesto Geisel falaram dos sapos que engoliram lidando com presidentes americanos. O Getúlio reconheceu que o Franklin Roosevelt estava certo ao querer que o Brasil declarasse guerra aos alemães. Afinal, no início de 1939, antes que começasse a Segunda Guerra Mundial, os americanos olhavam para o Saliente Nordestino, essencial para que suas tropas atravessassem o Oceano Atlântico. O Geisel disse que só deu o troco ao Jimmy Carter depois que ambos haviam deixado o governo. Negou-se a recebê-lo e não atendeu o telefone quando ele ligou.
Em minha relação com os americanos tive no
Rio um embaixador impertinente e mandei-o embora. Fui valente, mas meu sapo
veio em 1864. Os Estados Unidos viviam
uma guerra civil com o Sul lutando pela sua liberdade. Mantive-me neutro, mas
um vapor sulista perseguido por um navio do Norte entrou na Baía de Salvador.
Foi atacado, subjugado, rebocado e posto a pique nos Estados Unidos. Fiz um
protesto e engoli o sapo.
Anos depois, fui aos Estados Unidos e visitei
o presidente Grant, que havia comandado as tropas do Norte. Sujeito de aspecto
grosseiro, com uma mulher feia e vesga, porém amável.
O Trump defendeu Bolsonaro, réu num processo
que corre no Supremo Tribunal, mas vosmecê visitou a ex-presidente argentina
Cristina Kirchner, que está em prisão domiciliar, cumprindo sentença da
Justiça. Seis por meia dúzia. Nunca defendi meu primo Maximiliano, que era
grão-duque da Áustria, aceitou ser imperador do México. Foi
capturado, julgado e fuzilado.
Trump, como o senhor, é um palanqueiro, mas
os senhores têm estilos e defeitos diferentes. Ele é um mentiroso compulsivo,
enquanto vosmecê às vezes diz apenas puras tolices. Escale uma tropa de choque
para incomodá-lo e não bata boca com ele. Não posso lhe dar detalhes, mas sei
que o presidente da França e o primeiro-ministro inglês lidam assim com Trump.
A presidente do México, Claudia Sheinbaum, tinha tudo para virar antagonista
verbal de Trump, mas evitou o papel.
O Juscelino
Kubitschek disse que Tarcísio
de Freitas, governador de São Paulo e provável candidato de Bolsonaro em
2026, já vestiu um boné de Trump e compartilhou sua mensagem. JK acha que esse
é um prato cheio para vosmecê. Amigos dele já haviam admitido que essa
aproximação é tóxica, mas o governador insistiu. Até o pleito de 2026, Trump
terá deportado uns mil brasileiros e destruído os empregos de outros milhares.
Mais um motivo para não bater boca.
Despeço-me desejando-lhe sucesso no silêncio
e no governo de nossa pátria.
Seu patrício,
Pedro de Alcântara.
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