quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Vinicius Torres Freire: O Brasil na vida após a morte econômica

- Folha de S. Paulo

Com anos de ruína, reforma e paralisia, pouco se sabe das perspectivas do país

As pessoas perguntam do impacto de uma recessão mundial sobre o Brasil. A gente responde de modo bobinho que o efeito já está sendo ruim pelo menos desde o ano passado, quando a Argentina foi de novo à breca. Francamente, como dizer algo que preste quando a gente sabe quase nada sobre o que se tornou o Brasil depois de cinco anos de depressão?

Meia década de erros vexaminosos e exorbitantes de previsões econômicas é um sintoma da ignorância, mas nem o mais importante, embora alguns equívocos tenham custado caro (como as estimativas de inflação erradas desde 2017).

Para ser menos abstrato, diga-se que o Brasil agora tem taxa básica de juro real a 1,6% ao ano, tendendo a 1% (com inflação baixa e sem manipulações), gasto federal estagnado faz pelo menos três anos e não muito diferente do que era faz cinco anos e investimento público no menor nível em décadas (a depender do método de estimativa do freguês).

Diga-se de passagem que o investimento federal caiu quase 18% neste primeiro semestre (em relação ao semestre inicial do ano passado).

O que foi feito das empresas? Sabemos por meios indiretos que houve uma enorme desnacionalização, que as estatais estão sendo enxutas e/ou estão quebradas, grandes empreiteiras foram à breca e a indústria encolheu ainda mais.

Cinco anos de depressão fizeram as empresas subsistir em experiência de quase morte ou a aprender a viver com um mínimo de pessoal (por feia necessidade e até inovação). O desemprego deve ficar alto por muito tempo; muita gente sem trabalho não terá capacidade de preencher vagas de emprego melhores que talvez apareçam.

Várias empresas parecem vivas, mas não se sabe como reagirão se e quando a demanda voltar a crescer: serão capazes de atender ao mercado ou, talvez apodrecidas, serão atropeladas pela concorrência de importados?

Houve mudanças institucionais extensas, “reformas”, considere-se ou não que elas sejam insuficientes.

Em tese, se e quando a demanda voltar a crescer, pode ser que façam a economia correr mais rápido, embora por si só não levem a economia pegar no tranco.

Seja como for, vai ser aprovada uma reforma imensa na Previdência. A lei trabalhista foi em boa parte desmontada (sem que tenham sido criados modos novos de proteção do trabalho, aliás).

Estão acabando os empréstimos subsidiados dos bancos públicos, do BNDES em particular, que de resto estão sendo encolhidos, embora maiores ainda que nos tempos de Lula 2. Há uma lista extensa, que não cabe nestas linhas, de mudanças microeconômicas (como na área de crédito e finanças). Talvez passe até uma reforma tributária; devem vir mais privatizações.

Depois de anos de choques, depressão, “quebras de série” e outras mumunhas, a previsão macroeconômica tende a ficar ainda mais disparatada do que de costume. Mudanças institucionais, a desestatização, a desnacionalização e a experiência de quase morte ou a passagem das empresas pelo purgatório devem ter causado alteração grande no ambiente microeconômico, por assim dizer.

De interesse mais imediato é saber se: 1) essa economia “seminova” consegue se levantar dos mortos e andar sozinha, sem um tranco estatal (juros ou gasto) ou um grande choque positivo qualquer; 2) no caso de a temporada no purgatório e no reformatório econômico ainda não ter sido bastante para purificar a economia, quanto falta de penitência e por quanto tempo os brasileiros vão aguentar o castigo.

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