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Crueldade nas veias
A levar em conta a estridência que marca suas falas e a falta de piedade que o caracteriza, até que o presidente Jair Bolsonaro não foi tão mal assim ao comentar o desfecho do sequestro do ônibus no Rio que resultou na morte do sequestrador. Ele disse: “Não é para ter pena”. Em seguida, elogiou a Polícia Militar.
No caso, o mal, a irresponsabilidade e o oportunismo político foram encarnados pelo ex-juiz Wilson Witzel, o governador do Rio, candidato desde já a presidente da República em 2022 como ele mesmo admite e já avisou a Bolsonaro, ou à reeleição na pior das hipóteses. Seu comportamento foi cruel para dizer o mínimo.
Era de se esperar que Witzel fosse ao local cumprimentar a tropa da Polícia Militar que procedeu como mandam os protocolos internacionais. Foi uma operação tecnicamente perfeita. Salvou a vida dos passageiros feitos reféns. E deu todas as chances para que o sequestrador se entregasse. Infelizmente, ele preferiu ser morto.
Inesperado e chocante foi o desempenho do governador à saída do helicóptero que o transportou. Acompanhado de um assessor que filmava tudo para que fosse postado nas redes sociais, Witzel deu pulinhos no asfalto, socou o ar várias vezes, sorriu e acenou como se fosse um torcedor a celebrar um gol do seu time.
Não ficou só nisso. Abraçou demoradamente o chefe da operação de resgate, concedeu entrevistas e entrou no ônibus para rezar com os passageiros que o aguardavam. A reza coletiva foi motivo de outra postagem nas redes. Mais tarde, em novo encontro com repórteres, exibiu-se tendo à sua frente uma boina da PM.
O que a televisão mostrou ao vivo durante horas para todo o país nada teve a ver com a polícia orientada por Witzel a atirar na cabecinha de bandidos que portem fuzis, e nada a ver com a polícia autorizada por ele a disparar de cima de helicópteros na população dos morros cariocas. Foi outra polícia. Quanto a ele, foi o mesmo.
Há poucos dias, seis jovens inocentes foram mortos pela polícia de Witzel. De janeiro último para cá, balas perdidas em trocas de tiros entre policiais e bandidos mataram 33 pessoas no Rio. “Quem mata é o crime”, gosta de repetir o governador. Não é verdade. A polícia também mata, e cresce o número de abatidos por ela.
Não será à bala que diminuirá a violência no Rio. A política de enfrentamento do crime organizado só terá êxito se combinada com a política de ações sociais e de maior oferta de serviços públicos. É o que prova farta literatura universal, e também experiências que se frustraram no próprio Rio.
Cerca de 2,5 milhões de moradores do Rio vivem em áreas dominadas pelo tráfico de drogas e pelas milícias, segundo levantamento do Ministério da Defesa à época do governo Temer. Não há notícias de territórios subtraídos ao crime organizado desde que Witzel começou a governar. Tudo está por se fazer.
O que ameaça Bolsonaro
A paciência pode acabar
Admitir de público, quem dentro do governo o faria? Se o fizesse poderia piorar a situação. Mas de outra coisa não se falava, ontem à tarde, em gabinetes próximos ao do presidente Jair Bolsonaro e em outros em ministérios ligados diretamente ao assunto.
Acumulam-se evidências, indicações e sinais de que a economia não decolará tão certo, antes pelo contrário. O que mais preocupa no momento:
+ a fuga de investimentos estrangeiros da Bolsa de Valores (B3) estimada em quase 20 bilhões de reais de janeiro até a semana passada; no mercado à vista, no mesmo período, foram R$ 9,6 bilhões;
+ A Rússia começou a produzir soja em larga escala e a China, em guerra comercial com os Estados Unidos, a comprá-la; isso significa que comprará menos do Brasil;
+ O crescimento do PIB brasileiro no próximo trimestre será abaixo do esperado; e a projeção de crescimento para o trimestre seguinte não é nada boa;
Enquanto isso… Cerca de 50 milhões de brasileiros, segundo cálculos do professor José Pastore, estão desempregados e na informalidade sem nenhum tipo de proteção social. É nitroglicerina pura.
Ação de despiste para proteger o garoto
O assédio continua
Está mais para manobra diversionista, com o propósito de tirar a questão de foco e de ganhar tempo, o aparente recuo do presidente Jair Bolsonaro no seu desejo de indicar o filho Eduardo, o Zero Três, para embaixador do Brasil em Washington.
No mesmo dia em que disse que não irá expor o filho a “um fracasso”, ele falou por telefone com dois senadores pedindo voto para aprovar a indicação na Comissão de Relações Exteriores do Senado. Um garantiu seu voto. O outro desconversou.
O presidente da Comissão, Nelsinho Trad (PSD-MS), aparece como indeciso em listas publicadas em jornais. Mas é ele, de comum acordo com Bolsonaro, que caça senadores dispostos a conversarem com o presidente por telefone ou pessoalmente.
Em desabafo com colegas, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) admitiu seu desconforto com o comportamento de Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado. Embora diga que é contra a indicação de Eduardo, Alcolumbre age para que ela seja aprovada.
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