- Século Diário (ES)
Ajuste fiscal foi feito à custa de investimentos públicos essenciais e com pactuação política medíocre
Diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) e ex-prefeito de Vitória por dois mandatos, Luiz Paulo Vellozo Lucas (PPS) avalia que a movimentação política de Paulo Hartung (sem partido) no cenário nacional – lançada explicitamente no Espírito Santo na última quarta-feira (14) em evento organizado pela herdeira da Universidade de Vila Velha (UVV) e pré-candidata à prefeitura do município, Tayana Dantas (Cidadania), e pelo apresentador de TV Luciano Huck – está sendo sustentada por uma versão “denorex” do seu trabalho no Estado.
A narrativa que está sendo construída sobre a trajetória do ex-governador – provável candidato a vice de Huck na disputa presidencial de 2022 – “é verossímil, não é verdade. É uma ilusão cognitiva”, classifica Luiz Paulo. “É 'denorex', parece, mas não é”, brinca o ex-prefeito.
Por dois motivos, destaca: a forma como foi feito o ajuste fiscal; e a excessiva transferência a Paulo Hartung dos créditos sobre o sucesso da renovação política e fiscal do Espírito Santo, nos últimos 20 anos.
“E o Luciano Huck e a Casa das Garças não sabem de nada disso”, afirma, referindo-se ao “templo” dos economistas liberais do Brasil, como Pedro Malan, Armínio Fraga, Samuel Pessoa e Marcos Lisboa, com quem Paulo Hartung tem dialogado desde que se viu impossibilitado de disputar o Palácio Anchieta em 2018, diante dos erros cometidos na sua terceira gestão. Diálogos que têm sido potencializados por eventos políticos com o de Vitória e pela mídia hegemônica local, nacional e internacional, a exemplo da matéria publicada no início de agosto no britânico The Economist, e que foi alvo de crítica publicada neste Século Diário.
Para começar, enfatiza Luiz Paulo, “o equilíbrio fiscal é um meio, não é o fim em si mesmo”. Não gastar mais do que se arrecada é um meio de ser governar bem. Mas, “em seu terceiro mandato, ele cuidou apenas disso”, critica.
“Ele paralisou todos os investimentos, mesmo os que tinha fonte assegurada, com financiamento do BNDES [Banco Nacional do Desenvolvimento]”, expõe o presidente do IJSN, citando o Cais das Artes, estradas, saneamento e outras obras de infraestrutura – cortes que foram feitos “para construir a imagem do gestor mais comprometido com equilíbrio fiscal do Brasil”.
Os cortes precisavam ser feitos, sim, pois a crise econômica que assolou todo o Brasil a partir de 2015 forçaria qualquer gestor a fazê-los, mas Renato Casagrande (PSB), por exemplo, se tivesse sido eleito no lugar de Paulo Hartung em 2014, “iria gastar alguma energia pactuando esses cortes, negociando, dialogando”, compara.
Política medíocre
Além disso, prossegue, a pactuação póstuma ao ajuste fiscal foi de baixa qualidade. O superávit obtido no último ano de governo foi usado em “muita politicagem com municípios amigos”, gerando convênios de R$ 300 milhões. Foram “três anos fazendo um arrocho que não foi compactuado, o que gerou crises como a da PM”, para, no último ano, ter esse dinheiro sendo distribuído “em critérios de baixíssima qualidade”, “baseado em troca de favores”.
Renato Casagrande (PSB), quando assumiu, em 2019, cancelou muitos desses convênios e depois foi analisando um a um, vendo objetivos, e manteve a maioria, com critérios, informa Luiz Paulo.
A greve da Polícia Militar de 2017 foi um dos principais exemplos desse fracasso, e a maquiagem sobre a educação pública, um fato igualmente importante, que ainda precisa ser melhor desvendado à população.
Afinal, é falsa a imagem de que o Espírito Santo fez a melhor Educação do Brasil. Luiz Paulo cita estudo do próprio Instituto Jones, de que a prioridade do ensino de tempo integral deve ser dada ao ensino fundamental e não ao ensino médio. E, o mais cruel, Paulo Hartung eliminou vagas em Educação de Jovens e Adultos (EJA) e em escolas do campo, que não têm desempenho para elevar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Derrota eleitoral
O resultado da péssima política e do fracasso das políticas públicas e investimentos essenciais, que foram aniquiladas entre 2015 e 2018, foi a derrota política absoluta nas terras capixabas.
“Acho inacreditável que ele [Paulo Hartung] esteja se apresentado ao lado Eduardo Mufarej e Huck sem ter participado das eleições de 2018. É inacreditável. E gente inteligente como o próprio Huck, Armínio Fraga e Samuel Pessoa tenham comprado essa narrativa que Casagrande é esquerda antiga, corporativista. Hartung apoiou Casagrande ao Senado em 2006 e ao governo em 2010”, recordou.
Até porque, Casagrande entregou um governo com nota A no Tesouro, desde 2012. A crise de 2015, muito ao contrário do que afirmava Paulo Hartung em sua campanha "denorex", não era resultado de uma irresponsabilidade fiscal de Casagrande, mas de problemas produzidos pelo governo federal.
Vinte anos de trabalho de toda uma geração
Já “o equilíbrio fiscal e retorno da credibilidade e confiança” do Espírito Santo, que Paulo Hartung tenta creditar somente ao seu avassalador terceiro mandato, é na verdade resultado do trabalho de vinte anos de toda uma geração de políticos, e que começou na Prefeitura de Vitória na gestão de Vitor Buaiz (PT), de 1989 a 1992. O grande mérito de Hartung em 2015 foi ter previsto a crise que se instalaria no país antes de todo mundo.
A história do Espírito Santo é “um ponto fora da curva em nível nacional”. Luiz Paulo concorda que "há divergências, mas o Estado está em outro patamar do que quando tinha pedido de intervenção federal. O Espírito Santo deu um salto, e isso medido em indicadores”.
A boa política
“Um bom governo precisa de boa técnica e boa política, assevera Luiz Paulo. “O terceiro mandato de Paulo prescindiu da política e fez crer que bastava compromisso do equilibro fiscal. É um equívoco”, sublinha.
“Qual é o estilo que ajuda mais a resgatar a confiança? Casagrande ou Paulo Hartung? O que precisamos mais? Apresentadores de televisão muito ricos que bancam suas consultorias e candidaturas? Ou líderes políticos que construíram suas careiras e são confiáveis?”, questiona, deixando claro qual é a resposta correta. “Você não se importar em ser confiável é a pior coisa pra um político”, aponta.
“Eu estou no Instituto Jones porque eu acredito em políticas públicas baseadas em evidências, em boa técnica, nos métodos científicos”, explana Luiz Paulo, mencionando sua formação como engenheiro e economista e seu mestrado, em curso, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
“Acredito em políticos que fazem política com qualidade, que fazem pactuação. A política é civilizatória. É muito mais difícil formar um bom político do que um bom técnico. Bons técnicos no Brasil existem muitos, mas bons políticos ... não existe faculdade pra isso, os bons políticos se formam nas associações de moradores, grêmios estudantis, no trato da coisa pública, construindo narrativas”, aduz, destacando a performance do deputado federal Felipe Rigoni (PSB) e do deputado estadual reeleito, campeão de votos na Assembleia Legislativa, Sergio Majeski (PSB), que, demonstram, com ações, tolerância zero com empreguismo e que têm conseguido fazer um trabalho a favor da retomada da confiança da população nos políticos. “É o que precisamos, qualidade dos mandatos”.
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