sábado, 11 de janeiro de 2020

Opinião do dia: Montesquieu* - Batalha das ideias

Procurando instruir os homens é que poderemos praticar esta virtude geral que compreende amor de todos. O homem, este ser flexível, dobrando-se na sociedade aos pensamentos e impressões de outrem, é igualmente capaz de conhecer sua natureza própria, quando lha mostram, e de perder até o sentimento, quando lho roubam.

*Montesquieu (1689-1755). ‘O Espírito das leis’ (1748), Prefácio, p. 28. Editora Nova Cultura, 2005 (Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues)

Merval Pereira - Muro ameaçado

- O Globo

A separação por um muro invisível entre Igreja e Estado é peça fundamental de um Estado moderno e democrático

O propalado desejo do presidente Jair Bolsonaro de subsidiar a luz dos templos religiosos, atendendo a um pedido da bancada evangélica na Câmara, é mais um dado preocupante no envolvimento do governo com a religião avançando sobre o Estado laico.

As implicações econômicas da medida, que estão provocando atritos dentro do governo, não interessam neste momento, mas sim a crescente influência da religião nos rumos da política brasileira.

Quando anunciou que faria mudanças na área cultural “para preservar os valores cristãos”, Bolsonaro defendeu que o novo presidente da Ancine deveria ser um evangélico que conseguisse “recitar de cor 200 versículos bíblicos, que tivesse os joelhos machucados de tanto ajoelhar e que andasse com a Bíblia debaixo do braço”.

Sem falar que já anunciou que pretende nomear para o Supremo Tribunal Federal (STF) um ministro “terrivelmente evangélico”, provavelmente o ministro da Advocacia Geral da União, pastor presbiteriano André Luiz Mendonça.

O presidente Jair Bolsonaro já havia amenizado, a pedido dos evangélicos, as obrigações fiscais das igrejas. O cadastro do CNPJ passou a ser obrigatório apenas para matrizes, e o piso de arrecadação para que uma igreja seja obrigada a declarar suas movimentações financeiras diárias passou de R$1,2 milhão para R$ 4,8 milhões.

Monica de Bolle* - Os anos 20

- Revista Época

Nesses anos 20 que se iniciam talvez o melhor que se possa fazer é olhar para os outros anos 20, os do século XX

É tentador começar o ano, para não dizer a década, fazendo prognósticos e traçando cenários. Contudo, prognósticos e cenários são perigosos, sobretudo em tempos de tamanha incerteza. Se antes já era difícil olhar para a frente e enxergar com alguma nitidez, hoje essa tarefa está ainda mais complicada devido à rapidez com que grandes acontecimentos se dão, além da falta de referências para os temas que dominam a formulação de qualquer visão de longo prazo. Penso, por exemplo, na crise climática, no agravamento das tensões geopolíticas globais, na falta de margem de manobra para as políticas de estabilização nos países avançados em caso de desaceleração econômica, no deslocamento da força de trabalho proveniente da automação, na ascensão do populismo-nacionalista. Um tema que tem, contudo, algum tipo de referência histórica para balizar nosso juízo é a ascensão do nacionalismo.

Tenho lido sobre aqueles anos 20 por várias razões, mas a principal delas é traçar possíveis paralelos entre a ascensão das políticas econômicas de cunho nacionalista de então e o ressurgimento do nacionalismo que temos testemunhado mundo afora. Evidentemente, as origens são um pouco distintas. No século passado, o nacionalismo começou a renascer no período entre guerras e ganhou força total depois da crise de 1929. 

Guilherme Amado - A aliança com os Cartórios

- Revista Época

A futura sigla do presidente fez uma parceria com o Colégio Notarial do Brasil, que representa 9 mil notários em 24 estados do país, para que eles trabalhem por sua criação

Cem mil fichas de apoio em pouco mais de um mês de trabalho. O número divulgado em dezembro pelo Aliança pelo Brasil sobre o total de assinaturas coletadas para criar a sigla da família Bolsonaro impressiona: é mais de um quinto das 492 mil necessárias para criar uma legenda. Hoje, existem 80 aspirantes a partido na fila do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nenhum capitaneado por uma figura carismática, nenhum tendo à frente um presidente da República e nenhum que tenha a seu dispor uma estrutura formada pela capilaridade de igrejas evangélicas, associações militares e, agora, também dos cartórios de notas.

O Aliança fez uma parceria com uma entidade privada, o Colégio Notarial do Brasil (CNB), que representa 9 mil notários em 24 estados do país, cerca de 90% da classe, para que eles trabalhem pela criação do partido. Não há nenhum documento formal que estabeleça as diretrizes da coisa, e o CNB tem colocado sua estrutura para trabalhar pelo capitão. Em troca, os cartórios ganham mais do que só uma graninha — a taxa cartorial de reconhecimento de firma é uma mixaria, geralmente menos de R$ 20. Conquistam a proximidade com o partido do presidente e, claro, com o Planalto. Mas a empreitada, inédita na história da criação de partidos no Brasil, pode ter problemas no TSE. O Código Eleitoral não a prevê, e portanto o tribunal nunca disse se usar uma estrutura privada para criar um partido é legal ou não.

Aos olhos de procuradores eleitorais, pode ser até abuso de poder econômico. A todo-poderosa Karina Kufa, advogada de Bolsonaro e representante jurídica do Aliança, não vê ilegalidade. “O que não está na lei não é proibido, não é?”, justificou.

Míriam Leitão - Inflação baixa que pesa no bolso

- O Globo

A inflação subiu no fim do ano, e alguns grupos estão com forte peso. Por enquanto, acabou o espaço para nova queda da taxa Selic

O Brasil viu em dezembro o que não vê há muito tempo, uma inflação de 1,15% em um mês, e a taxa do ano ficar acima do centro da meta. Não é um grande perigo, mas é bom ficar atento ao fato de que há menos de três meses, no dia 15 de outubro, a pesquisa Focus, que reflete o que pensa o mercado financeiro, previa que a inflação terminaria o ano em 3,26%. Além disso, o IGP-M ficou em 7,3% e reajusta aluguéis. O índice para a população de baixa renda terminou o ano em 4,48%. A primeira conclusão é que neste momento acabou o espaço para a queda da Selic.

O Copom pode até cortar de novo os juros de 4,5% para 4% ou 4,25%, mas se o fizer estará apenas seguindo o que a maioria do mercado prevê, ou o que é bom para estimular crescimento, que não é o principal mandato do Banco Central. Pelos limites do regime de metas, claramente, não há mais espaço. É hora de esperar para ver e não de praticar juros negativos.

Os economistas dizem que os juros reais devem ser calculados olhando para a frente, o “ex-ante”, e não olhando a inflação passada, que seria o “ex-post”. Mas a expectativa de mercado vale até o dia em que muda. Se há três meses os bancos não tinham colocado nas projeções a pressão dos preços da carne é porque suas lunetas andam avariadas. A crise no abastecimento chinês ficou clara durante todo o ano passado com o surto de febre suína que atingiu o rebanho daquele país. A demanda cresceu fortemente por toda a cadeia de proteína e era claro que quando chegasse a entressafra a conta bateria. Foi o que aconteceu.

Sergio Amaral* - O Irã e os conflitos da diplomacia de Trump

- O Estado de S.Paulo

Dificilmente haverá uma escalada milita EUA-Irã, mas tampouco um roteiro para a paz

Nos três anos iniciais de seu mandato, Donald Trump abriu várias frentes de negociação ou de conflito, com adversários e aliados, no afã de promover a revisão de uma ordem internacional que, embora concebida pelos Estados Unidos, começava a ser percebida por assessores como contrária aos interesses americanos. Fiel a seu estilo, Trump ameaça primeiro, adota sanções em seguida, para então denunciar acordos ou chamar os interlocutores à mesa de negociação, sempre bilateral.

As sanções econômicas tornaram-se um componente habitual da diplomacia, tanto que a unidade do Departamento do Tesouro que as desenhava e implementava foi transferida para o Departamento de Estado. Seu escopo foi ampliado, pois o alvo não é mais apenas um país, mas também seus parceiros comerciais ou financeiros (sanções secundárias).

Na Rússia, um dos oligarcas bilionários e próximos de Putin foi obrigado a abandonar a gestão de sua empresa para evitar a falência. Na Europa, membros da Otan foram induzidos a aumentar sua contribuição ao orçamento comum de defesa. Alguns países, como a Alemanha, foram ameaçados de aumento das tarifas de importação no setor automobilístico se não abandonassem o projeto do gasoduto Nord Stream, que levará gás russo aos consumidores alemães. Em alguns casos, as sanções nada tiveram que ver com disputas econômicas, como a penalidade imposta à Turquia para que libertasse um missionário americano. Ou as ameaças ao México por não restringir com mais rigor a passagem dos migrantes centro-americanos por seu território, a caminho dos Estados Unidos. E assim por diante.

Demétrio Magnoli* - O Estado que nos educa

- Folha de S. Paulo

Brasil confunde dever estatal de financiar a educação com moldar discurso dos professores

Quando o presidente decidiu pontificar sobre livros didáticos, formou-se um pequeno escândalo sobre o periférico. As opiniões de Bolsonaro, boçais como de costume (um “lixo”, “um montão de amontoado de muita coisa escrita”), não movem nenhum moinho.

Já o principal —a promessa de que, a partir de 2021, os livros escolares “serão feitos por nós”— passou como pretensão legítima. Acostumamo-nos com a ideia de que o Estado tem o direito de educar o povo.

Um quarto de século atrás, não era assim. Os livros didáticos postos no mercado pelas editoras eram submetidos à escolha dos professores. Tínhamos uma saudável diversidade de obras, de qualidade bastante desigual, que refletiam as diferentes abordagens teóricas e pedagógicas em voga nas universidades.

O sistema de mercado, porém, excluía a maioria das escolas públicas, cujos alunos não podiam pagar pelos livros. A solução encontrada —a compra pública federal e centralizada— abriu o caminho das salas de aula às ideologias estatais.

Nos EUA, os livros são patrimônio das escolas e passam de uma turma de alunos à seguinte, em longos ciclos. Por aqui, o Estado preferiu estabelecer ciclos curtos de renovação dos livros. De um lado, a cara opção gera óbvios dividendos eleitorais. De outro, prende a indústria editorial de didáticos à órbita do poder público.

Alvaro Costa e Silva* - Bumbum de bebê

- Folha de S. Paulo

Autor do atentado contra o Porta dos Fundos está testando suas chances na política

De cabeça de juiz e bunda de neném, ninguém sabe o que vem. Depende.

Como era de se esperar, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a decisão do desembargador Benedicto Abicair, da Justiça do Rio, que censurou o especial de Natal do Porta dos Fundos. Além de ferir a Constituição, a decisão reinstalava uma espécie de censura prévia no país, como nos tempos da ditadura militar.

O espantoso é que, ao determinar que o vídeo com sátiras a Jesus Cristo fosse retirado do ar, Abicair tenha convenientemente se esquecido do que havia formulado antes. Ao relatar, em novembro de 2017, um processo no qual Jair Bolsonaro, então deputado estadual, era acusado de ter feito declarações homofóbicas e racistas num programa de tevê, o desembargador construiu uma peça de respeito à democracia para votar a favor do recurso contra a condenação: "Tudo é direito de cada cidadão, desde que não infrinja dispositivo constitucional ou legal".

Maria Paula* - Espelhos

- Folha de S. Paulo

Talvez esteja na hora de criarmos novas concepções de sucesso

O que é sucesso? Numa sociedade capitalista, ele é representado pelo status social determinado pelos bens materiais acumulados, ou seja, por elementos externos à pessoa, sem levar em conta a condição interna, o estado da vida subjetiva ou o impacto que a pessoa causa no mundo em que vive.

Mas será que faz sentido cultuarmos, como ícones de sucesso, quem apresenta comportamentos cruéis ou mesmo autodestrutivos como alcoolismo, adição química, automutilação e por aí vai? Quais são as implicações disso na formação de caráter das novas gerações?

Será que alguém que precisa fazer uso de aditivos para se distrair de uma condição de miséria íntima, mesmo sendo rico e/ou famoso está vivendo uma experiência de sucesso?

Talvez esteja na hora de criarmos novas concepções que possam conferir sucesso às pessoas que estão experimentando estados emocionais saudáveis; de bem-estar físico, mental e intelectual e possam elevar o nível do jogo nos ambientes em que circulam!

Úrsula Passos* - Os dois lados de Maya

- Folha de S. Paulo

Nem sempre é fácil defender a liberdade de expressão

Em meados de dezembro, J. K. Rowling foi cancelada. A criadora de Harry Potter escreveu num tuíte coisas como: vista-se como quiser e durma com qualquer adulto que consinta. E encerrou com "mas demitir mulheres por dizerem que sexo é real?" e a hashtag Eu apoio a Maya.

Maya Forstater, 45, foi demitida após escrever em suas redes sociais, entre outras coisas, que mulheres trans não podem mudar seu sexo biológico e que homens não podem se transformar em mulheres. Argumentou-se que Forstater usou linguagem "ofensiva e excludente".

Seu caso foi parar na Justiça e, antes que se debatesse sua readmissão, julgaram se as opiniões de Forstater poderiam ser consideradas crenças protegidas, como as religiosas, por exemplo. Ela perdeu.

A sentença diz que Forstater é "absolutista em sua visão de sexo", que sua convicção permite entender que ela vai se referir a uma pessoa pelo sexo que considere apropriado, mesmo que "viole a dignidade dessas pessoas" ou "crie um ambiente intimidador, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo", e que seu comportamento "não é digno de respeito numa sociedade democrática".

Entrevista | Roberto Freire: Não inventamos Huck, ele já era agente político, diz líder de partido que quer recebê-lo

Presidente do Cidadania, Roberto Freire afirma que apresentador compete com Lula e não é 'um Silvio Santos'

Joelmir Tavares | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Ex-comunista, Roberto Freire, 77, diz não ver mais sentido em um projeto de sociedade que considera derrotado. Presidente nacional do Cidadania (antigo PPS), ele comanda um partido que ainda tem saudosos do comunismo, mas reúne também liberais, sociais-democratas e neófitos que buscam um lugar no espectro político.

É nesse caldeirão que Freire sonha em enfiar Luciano Huck, o apresentador de TV sem filiação partidária que poderá unir o chamado centro político na eleição presidencial de 2022.

"Ele tem mostrado muita capacidade política, de se relacionar, de dialogar. Está se revelando um bom articulador", diz Freire à Folha.

Em um aceno a Huck —que tem na sigla interlocutores próximos—, o Cidadania atualizou seu estatuto para incluir na direção da legenda representantes de movimentos que pregam renovação política.

O apresentador, que por ora despista publicamente sobre o plano de candidatura, repete que hoje atua no debate público por meio de "organizações cívicas" como Agora! e RenovaBR.

• Como o sr. descreveria o atual momento do partido?

Uma nova sociedade está surgindo, com a revolução científica e tecnológica e as novas relações sociais e de trabalho. Isto aqui [pega o smartphone] mudou o mundo. Não pode alguém imaginar que, com tudo isso, os partidos continuem sendo organizados como antes. A forma de representação política acompanhou essas transformações.

• Por isso a decisão do Cidadania de incorporar os ditos movimentos de renovação?

Partido é algo datado, é um conceito do fim do século 19. Movimentos como Agora!, Acredito e Livres são uma tentativa de organizar uma representação política futura. O mais importante é entender que essa é a nova forma de partido.

• A abertura a esses grupos ocorre no momento em que outras siglas, como Novo e PDT, querem brecá-los.  

É porque elas veem os movimentos como se fossem seus adversários. No Cidadania, os movimentos ajudaram a construir o novo estatuto. Não tenho que entendê-los como algo estranho.
Antigamente, alguém se preocupava que você tivesse no partido um dirigente sindical? Não. Ele era ao mesmo tempo dirigente sindical e filiado. Queremos que os movimentos sejam parte integrante, que nós tenhamos presença onde a sociedade estiver organizada.

• Existe quem veja nessa articulação uma tentativa de cooptação dos movimentos.  

Marcus Pestana - Intenção e gesto na reforma política

Estamos em plena temporada de reformas em busca de desatarmos os nós que engessam o Brasil. Curioso obervar que a “mãe de todas as reformas” sumiu do mapa. Sem dúvidas, as reformas trabalhista, previdenciária, administrativa e tributária roubaram a cena de sua irmã política. Antes não se falava outra coisa: para destravar a economia e melhorar a sociedade era necessário mudar o funcionamento do sistema político e partidário. Ano par, tinha eleições. Ano ímpar, comissão de reforma política. Porque, de repente, o assunto foi completamente arquivado na legislatura aberta em 2019?

Vários são os motivos. Primeiro, a crise global de representatividade das democracias liberais clássicas, dadas as novas formas de relacionamento entre os cidadãos e o mundo da política, particularmente graças ao vertiginoso crescimento da internet e das redes sociais, que ergueram novas formas de expressão política à margem da dinâmica partidária. Como ninguém sabe muito bem o que o futuro nos reserva e quais serão as novas configurações da democraia, para que mudar?

Segundo, a crescente e irreversível impossibilidade de formação de consensos e maioria em torno das questões centrais da reforma política, após o STF ter derrubado a cláusula de barreira em 2006 e a Câmara dos Deputados ter perdido a última grande chance na votação do relatório de Ronaldo Caiado (2003/2006). A reforma política é do tipo “cada cabeça, uma sentença”. E pior, quem delibera sobre o assunto são os principais interessados e atores do processo. E como o “diabo mora no detalhe”, sempre houve uma grande intenção retórica a favor das mudanças e gestos reais em direção oposta.

Simon Schwartzman* - De volta ao futuro

- O Estado de S.Paulo (10/1/2020)

É preciso aproveitar o Future-se para lidar com os grandes problemas da educação

A nova versão do Programa Universidades e Institutos Empreendedores e Inovadores – Future-se, publicada no início de janeiro pela Casa Civil como projeto de lei e posto em consulta pública, é um grande avanço em relação à versão anterior, de julho, divulgada pelo Ministério da Educação. Essencialmente, o projeto prevê a criação de um fundo patrimonial para apoiar atividades de inovação, empreendedorismo e internacionalização das universidades e dos institutos federais, permite que as universidades criem e administrem os próprios fundos e introduz vários mecanismos modernos para a execução de projetos, pela criação ou associação das universidades com fundações de apoio e organizações sociais, contratos de gestão por resultados entre as universidades e a União e a criação de um comitê gestor do programa formado por representantes das universidades e dos Ministérios da Educação, da Ciência e Tecnologia e da Economia. Nesta versão fica claro que a autonomia das universidades permanece preservada e que os recursos do programa são adicionais, não substituem os recursos orçamentários regulares.

O ano de 2019 foi especialmente ruim para a educação brasileira, com o Ministério da Educação se perdendo em disputas ideológicas, que só servem para desviar a atenção, deixando de lado questões centrais como a implementação da reforma do ensino médio e da educação profissional, a reformulação do Enem, a renovação do Fundeb, a revisão do sistema de avaliação da educação superior, a política de formação de professores, o combate ao analfabetismo funcional e tantas outras. Em contraste, o projeto do Future-se mostra que uma equipe tecnicamente competente, ouvindo e dialogando com diferentes setores de dentro e fora da comunidade universitária, tem condições de avançar, da mesma forma que outras equipes vêm avançando nas áreas da economia e da infraestrutura.

Isso não significa que o projeto Future-se seja perfeito, e o processo de discussão pública que agora se renova serve não somente para que ele se aperfeiçoe, mas também para que seja mais bem entendido e ganhe legitimidade nas diversas áreas – universitária, científica e tecnológica, empresarial e governamental – em que deve atuar. Existem questões que precisam ser aprofundadas, como o relacionamento do programa com a Capes e um certo fetiche, que me parece ingênuo, com a internacionalização, a qual não deveria ser um fim em si mesmo, mas o resultado natural de uma ciência e tecnologia de padrão efetivamente internacional. Outras questões hão de surgir da leitura atenta da proposta.

O que a mídia pensa – Editoriais

O presidente e o Congresso – Editorial | O Estado de S. Paulo

O Legislativo, símbolo por excelência, num Estado Democrático de Direito, da representação da vontade popular, não esteve em grande sintonia com a pauta e as vontades do presidente Jair Bolsonaro em seu primeiro ano de mandato. Segundo levantamento do Estado/Broadcast, o Congresso alterou em 2019 quase 30% dos vetos presidenciais apostos em projetos de leis aprovados pelo Legislativo. Trata-se de taxa recorde de resistência ao chefe do Executivo.

O presidente Jair Bolsonaro apôs vetos em 59 projetos de lei. Em 17 deles houve alterações. O Congresso derrubou o veto integral de 6 projetos e restaurou parcialmente vetos feitos em outros 11 textos legais.

Em números absolutos, Bolsonaro já superou, apenas em 2019, a quantidade total de vetos alterados nos governos de Fernando Henrique Cardoso (3 alterações em 302 vetos), Luiz Inácio Lula da Silva (2 alterações em 357 vetos) e Dilma Rousseff (7 alterações em 265 vetos).

O presidente Bolsonaro também perdeu em números absolutos na comparação com o primeiro ano de governo de Michel Temer, bem como no porcentual de alterações durante todo o período de Temer na Presidência da República: taxa de alteração de vetos de 28,81% contra 16,4%.

Música | A Cara do Brasil | Moacyr Luz e Samba do Trabalhador part. Roberta Sá

Poesia | João Cabral de Melo Neto - O Relógio

Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.

Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.

Umas vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.

Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;
e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade.