sábado, 11 de janeiro de 2020

Úrsula Passos* - Os dois lados de Maya

- Folha de S. Paulo

Nem sempre é fácil defender a liberdade de expressão

Em meados de dezembro, J. K. Rowling foi cancelada. A criadora de Harry Potter escreveu num tuíte coisas como: vista-se como quiser e durma com qualquer adulto que consinta. E encerrou com "mas demitir mulheres por dizerem que sexo é real?" e a hashtag Eu apoio a Maya.

Maya Forstater, 45, foi demitida após escrever em suas redes sociais, entre outras coisas, que mulheres trans não podem mudar seu sexo biológico e que homens não podem se transformar em mulheres. Argumentou-se que Forstater usou linguagem "ofensiva e excludente".

Seu caso foi parar na Justiça e, antes que se debatesse sua readmissão, julgaram se as opiniões de Forstater poderiam ser consideradas crenças protegidas, como as religiosas, por exemplo. Ela perdeu.

A sentença diz que Forstater é "absolutista em sua visão de sexo", que sua convicção permite entender que ela vai se referir a uma pessoa pelo sexo que considere apropriado, mesmo que "viole a dignidade dessas pessoas" ou "crie um ambiente intimidador, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo", e que seu comportamento "não é digno de respeito numa sociedade democrática".

Discute-se, após o caso, censura, e até machismo, em tentativa de silenciamento de uma mulher. Defensores da liberdade de expressão e algumas feministas estão com Forstater.

O veredito se deu em torno de frases em redes sociais não direcionadas a uma pessoa. Forstater foi julgada não por ter ofendido uma pessoa trans no trabalho ou na rua, ou feito um comentário transfóbico na postagem de alguém, mas por dizer, na praça pública da internet, aquilo que acha sobre sexo biológico.

Ainda que discordemos radicalmente de sua opinião, que achemos que Forstater está errada, que a percepção do gênero, construído socialmente, pode se sobrepor ao sexo biológico, o caso é perturbador.

Tão perturbador quanto um desembargador censurar um humorístico que retrata Jesus gay. Nem sempre é fácil dizer o que ofende quem e defender a liberdade de expressão.

*Úrsula Passos é editora-assistente da Ilustrada.

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