- O Estado de S.Paulo
Dificilmente haverá uma escalada milita EUA-Irã, mas tampouco um roteiro para a paz
Nos três anos iniciais de seu mandato, Donald Trump abriu várias frentes de negociação ou de conflito, com adversários e aliados, no afã de promover a revisão de uma ordem internacional que, embora concebida pelos Estados Unidos, começava a ser percebida por assessores como contrária aos interesses americanos. Fiel a seu estilo, Trump ameaça primeiro, adota sanções em seguida, para então denunciar acordos ou chamar os interlocutores à mesa de negociação, sempre bilateral.
As sanções econômicas tornaram-se um componente habitual da diplomacia, tanto que a unidade do Departamento do Tesouro que as desenhava e implementava foi transferida para o Departamento de Estado. Seu escopo foi ampliado, pois o alvo não é mais apenas um país, mas também seus parceiros comerciais ou financeiros (sanções secundárias).
Na Rússia, um dos oligarcas bilionários e próximos de Putin foi obrigado a abandonar a gestão de sua empresa para evitar a falência. Na Europa, membros da Otan foram induzidos a aumentar sua contribuição ao orçamento comum de defesa. Alguns países, como a Alemanha, foram ameaçados de aumento das tarifas de importação no setor automobilístico se não abandonassem o projeto do gasoduto Nord Stream, que levará gás russo aos consumidores alemães. Em alguns casos, as sanções nada tiveram que ver com disputas econômicas, como a penalidade imposta à Turquia para que libertasse um missionário americano. Ou as ameaças ao México por não restringir com mais rigor a passagem dos migrantes centro-americanos por seu território, a caminho dos Estados Unidos. E assim por diante.
Com a exceção do acordo comercial com a Coreia do Sul e da atualização do Nafta – dois arranjos comerciais limitados –, as negociações iniciadas pelo presidente norte-americano alcançaram êxito modesto, a despeito de sua conhecida habilidade de apregoar vitórias. Na maioria dos casos os entendimentos foram suspensos por um impasse, como na Europa; ou por uma trégua, como é o caso da China. Os resultados, até agora, não compensaram o desgaste à imagem dos Estados Unidos provocado pela adoção sistemática de medidas unilaterais.
Entre as negociações em curso, destacam-se duas, por sua relevância estratégica: a Coreia do Norte e o Irã. A primeira representa uma ameaça a Washington, pela suposta capacidade de Kim Jong-un de atingir o território norte-americano com um míssil balístico intercontinental, portador de ogiva nuclear. Apesar de Trump exaltar as conquistas de suas conversas com Kim, o fato é que não conseguiu extrair do líder norte-coreano um só compromisso para o início da desnuclearização. Os dois presidentes alcançaram unicamente a suspensão dos testes dos mísseis coreanos e dos exercícios militares norte-americanos. Esta frágil trégua, no entanto, está ameaçada por declaração recente de Kim de que poderá retomar os testes de mísseis intercontinentais se não forem reduzidas as sanções contra seu país.
O Irã não representa uma ameaça militar ao território americano, mas traz sério risco de uma conflagração, proposital ou acidental, no Oriente Médio. A história das relações entre EUA e Irã compõe um cenário de desconfianças, hostilidades, conflitos localizados ou por grupos interpostos, que já dura há várias décadas. Em 2013, o acordo de salvaguardas nucleares permitiu que, pela primeira vez, EUA e Irã se sentassem à mesa de negociação para celebrar um entendimento e assim pavimentar o caminho para a estabilização na região.
Ao assumir o governo, em 2018, contudo, Trump denunciou unilateralmente o tratado, sob o argumento de que suas cláusulas eram insuficientes, reintroduziu sanções e se ofereceu para negociar um novo instrumento, mais abrangente e rigoroso, o que Teerã se recusou a fazer. Mais recentemente, a morte de um contratante americano e as demonstrações e ameaças em frente da embaixada americana em Bagdá podem ter precipitado o atentado ao general Suleimani. Certamente, porém, haverá outras razões para essa decisão arriscada.
Ao início do governo, Trump delegou a Jared Kushner, seu genro, assessor de confiança e uma liderança na comunidade judaica americana, a missão de preparar um plano de paz para o Oriente Médio. Esse plano foi anunciado diversas vezes, mas nunca apresentado. Possivelmente uma das razões para o adiamento sucessivo do plano foi a de que, na prática, o plano já estava sendo executado, pela transferência da embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém; pelo corte da ajuda aos palestinos; pela divisão no mundo árabe/muçulmano, pela qual um grupo de países, como a Arábia Saudita e os Emirados, já vinha tecendo uma estreita cooperação econômica com Israel; pela benevolência para com a colonização dos territórios ocupados. Tais políticas jamais seriam aceitas por setores do mundo muçulmano mais próximos de Teerã. O Irã é um “trouble maker”, um adversário dos Estados Unidos e um obstáculo à paz no Oriente Médio, disse-me certa vez o coordenador da política americana para o Irã.
Passados alguns dias do atentado a Suleimani e do clamor que provocou, os dois lados, junto com a ameaça de represálias recíprocas, começam a emitir sinais apaziguadores. Na verdade, nenhum deles tem interesse na agravação do conflito e numa eventual escalada militar. O Irã está ciente da superioridade militar dos Estados Unidos e da ameaça que essa superioridade representa para a sua própria sobrevivência. Trump tem presente que o atentado a Suleimani, num primeiro momento, poderá unir boa parte da sociedade norte-americana. Uma guerra, no entanto, seria um desastre eleitoral.
Dificilmente haverá uma escalada militar entre Estados Unidos e Irã, mas tampouco haverá um roteiro para a paz. O atentado a Suleimani reacende desconfianças e hostilidades e continuará a alimentar conflitos localizados e ataques terroristas.
*Ex-embaixador do brasil em Washington
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