- O Globo
A inflação subiu no fim do ano, e alguns grupos estão com forte peso. Por enquanto, acabou o espaço para nova queda da taxa Selic
O Brasil viu em dezembro o que não vê há muito tempo, uma inflação de 1,15% em um mês, e a taxa do ano ficar acima do centro da meta. Não é um grande perigo, mas é bom ficar atento ao fato de que há menos de três meses, no dia 15 de outubro, a pesquisa Focus, que reflete o que pensa o mercado financeiro, previa que a inflação terminaria o ano em 3,26%. Além disso, o IGP-M ficou em 7,3% e reajusta aluguéis. O índice para a população de baixa renda terminou o ano em 4,48%. A primeira conclusão é que neste momento acabou o espaço para a queda da Selic.
O Copom pode até cortar de novo os juros de 4,5% para 4% ou 4,25%, mas se o fizer estará apenas seguindo o que a maioria do mercado prevê, ou o que é bom para estimular crescimento, que não é o principal mandato do Banco Central. Pelos limites do regime de metas, claramente, não há mais espaço. É hora de esperar para ver e não de praticar juros negativos.
Os economistas dizem que os juros reais devem ser calculados olhando para a frente, o “ex-ante”, e não olhando a inflação passada, que seria o “ex-post”. Mas a expectativa de mercado vale até o dia em que muda. Se há três meses os bancos não tinham colocado nas projeções a pressão dos preços da carne é porque suas lunetas andam avariadas. A crise no abastecimento chinês ficou clara durante todo o ano passado com o surto de febre suína que atingiu o rebanho daquele país. A demanda cresceu fortemente por toda a cadeia de proteína e era claro que quando chegasse a entressafra a conta bateria. Foi o que aconteceu.
A inflação da carne foi de 18,06% em dezembro, mas no ano chegou a 32,4%. E, ainda que em janeiro tenha parado de subir, não deve cair muito ao longo do ano a ponto de reverter essa alta. A pressão da demanda chinesa continua. O milho teve aumento forte. A saca quase dobrou o preço, apesar da alta da produção no ano passado. Já para este ano a previsão do IBGE é de pequena queda da safra. É o alimento de aves e suínos, pressionando a cadeia da proteína.
A inflação de 4,3% num país que teve um biênio de forte recessão e que não cresce direito há três anos é preocupante. E ela tem núcleos muito pesados. Além da alimentação impactada pelas carnes, a inflação dos remédios, planos e tratamentos hospitalares está pesando muito. Ficou em 15% segundo o “Valor”, citando a consultoria Aon. Os planos de saúde subiram 8,24% no ano. Os aluguéis familiares e comerciais podem pesar com a alta do IGP. Material escolar pode subir 8%.
As tensões internacionais deste ano enterraram a visão otimista de que o começo do acordo entre China e Estados Unidos teria afastado os riscos externos. Na verdade, a tensão entre as duas potências sempre pode recomeçar. Mas o que não estava no radar apareceu com força, a nova escalada de tensão no Oriente Médio. É bem verdade que, como já disse aqui, o petróleo oscila e não dispara por causa da nova estrutura de produção e consumo. No entanto, uma alta, ainda que pequena, já impacta os combustíveis e os índices de preços. A energia deu uma folga em dezembro, mas o item está sempre pesando. Teve alta de 7,51% até novembro e caiu para 5% em 12 meses até dezembro porque a Aneel estabeleceu bandeira amarela nas contas de luz, apesar do sinal vermelho que vem dos reservatórios. O nível de água do Sudeste está em 20%, uma queda de oito pontos percentuais em relação ao mesmo período do ano passado, apesar de 2019 não ter havido seca e a economia não ter crescido a ponto de pressionar a demanda.
A economia continua fraca, o desemprego permanece alto, a pressão inflacionária tem grande chance de se dissipar, mas existem incertezas para serem acompanhadas. A queda de juros que realmente importa para as empresas e a população é a dos juros bancários. Eles caíram em várias linhas, mas mesmo assim seguem sendo altas demais. A redução da taxa do cheque especial foi decretada pelo Banco Central após passar um inaceitável custo para todos os correntistas que têm limites não usados nas suas contas correntes. A Caixa, quando estabelece como meta uma taxa de 2% ao mês, como fez em entrevista a este jornal, está fazendo um movimento populista ou constatando que os juros, mesmo dessa linha emergencial, ainda são abusivos. Reduzir mais um pouco a Selic não resolve qualquer problema real e pode ser visto como leniência com a inflação que acaba de dar um salto.
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