Valor Econômico
• Os ajustes fiscais bem sucedidos, para gerar trajetória declinante de divida pública devem ser muito fortes e rápidos
No mês passado abordei a atual combinação infeliz de políticas monetária e fiscal. Uma política macroeconômica consistente que garanta não só a estabilidade, mas que crie um ambiente favorável ao crescimento é a questão central que o Brasil vem enfrentando nos anos recentes. Assim volto ao tema inspirado num texto clássico de Sargent & Wallace (Some Unpleasant Monetarist Aritthmetic, Federal Reserve Bank of Minneapolis Quarterly Review, Fall, 1981)
O cerne da grave crise de confiança que estamos vivendo na economia brasileira, que se traduz na baixa taxa de investimento e amortecimento do impulso inovador do empresariado brasileiro, tem origem no ambiente macroeconômico inconsistente. Esse ambiente é contrário ao crescimento econômico e, portanto, sem credibilidade, que se impôs sobre a economia brasileira nos anos recentes.
As inconsistências da política macroeconômica podem ter diversas causas. Sargent e Wallace (1981) focam no problema de coordenação entre a política monetária e fiscal. Aqui a política monetária pode dominar a fiscal ou o contrário. Se a política monetária domina a fiscal, o banco central fixa independentemente a expansão monetária ou, no nosso caso, a taxa de juros. Fazendo isto, o banco central determina a receita de senhoriagem que suprirá ao Tesouro Nacional. Assim, a autoridade fiscal terá que enfrentar a restrição imposta pela demanda de títulos do governo.
No nosso caso, os déficits crescentes (deficit nominal de 7,9% do PIB nos últimos doze meses até maio 2015 e taxa real de juros maior que o crescimento do PIB), gerou uma trajetória de dívida pública em relação PIB crescente, o que desencadeou crise de confiança e risco iminente de perda do "grau de investimento". Isso obrigou a autoridade fiscal a estabelecer, independentemente, metas de superávit primário nos próximos anos para tentar reverter a trajetória da dívida pública. Fazendo isto, definiu quanto seria necessário ser financiado com emissão de títulos e de moeda.
Desde dezembro de 2011 parcela crescente da dívida pública mobiliária federal vem sendo financiada no "overnight" e com taxas de juros crescentes, numa indicação de que o mercado convencionou que a dívida pública, no atual regime fiscal, estava se aproximando do seu limite superior. Portanto, o executivo teve que apresentar um plano de ajuste fiscal para reverter a trajetória de crescimento da dívida pública/PIB, de outra forma, ela poderia atingir seu limite superior. Neste quadro, a política fiscal domina a monetária. E esta já vem enfrentando a restrição imposta pela demanda de títulos do governo, obrigando a financiar o déficit com emissão de moeda, no nosso caso no "overnight", como vem acontecendo, e neste caso teria que tolerar a inflação alta.
Infelizmente a inconsistência surge se o banco central impõe independentemente, neste quadro de dominância fiscal, uma política monetária restritiva para controlar a inflação. Esta pode ceder no curto prazo, mas dada a inconsistência, não controla as expectativas e, no longo prazo, tende a acelerar a inflação. Ao elevar a taxa de juros para tentar controlar a inflação, eleva o custo da dívida pública, aumentando a necessidade de ampliar o ajuste fiscal. É por isso que os ajustes fiscais bem sucedidos, para gerarem trajetória declinante de divida pública devem ser muito fortes e rápidos, para terem credibilidade.
Sem gerar um superávit fiscal de pelo menos 3% do PIB, como a taxa real de juros é maior que o crescimento da economia, o estoque de dívida deverá continuar crescendo em relação ao PIB. Se a tentativa de ajuste for gradual, a política de juros (e custo do swap cambial) deverá anular o esforço fiscal e a dívida continuará crescendo. Como esta já está aproximando do seu limite superior, o principal e juros terão, cada vez mais, que ser financiados com expansão monetária, no nosso caso no "overnight". É exatamente a forma que o regime de alta inflação ou hiperinflação toma numa economia como a brasileira, em que o banco central ainda emite moeda indexada à taxa diária de juros (Selic) obrigando todo o sistema financeiro a operar com ativos indexados à taxa diária de juros Selic/DI.
Vale observar para concluir que para sairmos da atual crise é preciso muito mais do que um ajuste fiscal. É preciso repensar toda a política macroeconômica para torná-la consistente e capaz não só de gerar estabilidade, como formar um ambiente macroeconômico indutor do crescimento. A tarefa é enorme, pois envolve reformas institucionais, compromissos fiscais e ampliação do horizonte temporal. O ponto de partida é simples e devemos iniciar eliminando as chamadas "jabuticabas" tais como, a utilização da taxa de juros Selic pelo banco central para fazer política monetária.
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Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)
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