terça-feira, 14 de julho de 2015

Merval Pereira - À procura de acordo

- O Globo

O fato de que nos últimos anos o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou as contas da presidente Dilma sem rejeitar as "pedaladas fiscais", base da defesa do ministro Luís Inácio Adams, da Advocacia Geral da União (AGU), não significa necessariamente que elas sejam legais e respeitem a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Significa apenas que o TCU aperfeiçoou seus métodos de auditoria, e também que as "pedaladas" em ano eleitoral foram muito mais elevadas, com o objetivo precípuo de melhorar as condições para sua reeleição, o que agrava a questão.

Para se ter uma dimensão do problema, a soma das "pedaladas" de 2009 até 2013 foi de cerca de R$ 40 bilhões, e no ano de 2014 a presidente Dilma tinha que ter feito um contingenciamento de R$ 28 bilhões e, além de não tê-lo feito, liberou outros R$ 10 bilhões.

O relatório do procurador do Ministério Público Federal (MPF) junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, recomendou aos ministros do órgão que reprovem as contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff (PT). "Foi uma verdadeira política de irresponsabilidade fiscal, marcada pela deformação de regras para favorecer os interesses da Chefe do Poder Executivo em ano eleitoral e não os interesses da coletividade no equilíbrio das contas", disse ele.

Para o procurador, o governo cometeu fraude ao não cortar despesas mesmo sabendo desde fevereiro de 2014 que não teria receitas para cobrir todos os compromissos. Esse relatório não foi anexado ao material enviado pelo TCU à presidente Dilma Rousseff, e o relator do TCU, ministro Augusto Nardes, alegou que seu conteúdo já estava abarcado por seu próprio relatório.

Diante da reclamação do procurador, o ministro Nardes prometeu que o relatório será enviado junto com a decisão do TCU para o Congresso analisar e decidir. Nardes explica que o TCU fez um acordo de cooperação com o Banco Mundial e outro, com a França, tendo treinado os auditores para ter capacidade de detectar bem essas fraudes, e estabeleceu normas internacionais nas auditorias.

Ele alega que houve, com isso, uma evolução técnica no TCU; foram criadas 22 secretarias especializadas, especialmente auditoria financeira e auditoria operacional, em busca de eficácia. "Isso nos permitiu ver melhor os números. Se aconteceu no passado e não foi detectado, isso não valida o que foi feito agora", comenta Nardes.

O argumento principal do governo é que sua gestão agiu de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal e com a Constituição Federal e, portanto, não cometeu irregularidades. As "pedaladas", segundo o ministro Luís Inácio Adams, já foram aprovadas pelo TCU anteriormente e estariam expressamente previstas em lei:

"Entendemos que essas sistemáticas devem ser aperfeiçoadas e melhoradas, mas nunca no sentido punitivo. Acreditamos que esses esclarecimentos têm jurisprudência que se reproduz nos últimos anos", afirmou Adams, em entrevista coletiva no Planalto.

Ao admitir que os procedimentos podem ser revistos, o ministro Luís Inácio Adams envereda pelo caminho da negociação com o Congresso, que, parece, ser uma saída que está sendo admitida pela base: o governo, diante de uma possível rejeição das contas pelo TCU, aceitaria a decisão e assumiria o compromisso com o Congresso de não usar mais tais "pedaladas", o que seria aceito pela maioria governista.

Outra possibilidade, bastante remota, é que o próprio TCU aceite um acordo com o governo sobre essas irregularidades, aprovando um relatório com exigências de retratação. O problema, tanto para o governo quanto para os ministros que tentam um acordo, é que as "pedaladas" não são as únicas irregularidades das contas, pois a presidente também autorizou diretamente o aumento de gastos sem que o Congresso fosse consultado.

Será preciso muita boa vontade para chegar-se a um acordo, quando está bastante claro que os gastos a mais foram feitos para permitir um ambiente favorável à reeleição. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está cruzando os dados dos gastos do governo em 2014 e nos demais anos. Com o inchaço orçamentário artificial, o governo deu, em ano eleitoral, um reajuste médio ao Bolsa Família de 19,4%. O aumento maior se concentrou nas famílias com filhos de 0 a 15 anos, que receberam reajuste total de 45,5%. Segundo o governo, o impacto financeiro do aumento foi de R$ 2,1 bilhões.

Outro programa beneficiado foi o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que pulou de R$ 5 bilhões para R$ 12 bilhões, e este ano teve que sofrer um corte drástico, passando para cerca de R$ 3 bilhões.

Todos esses gastos podem caracterizar um abuso do poder econômico, que tem sido a base de várias cassações de mandatos de governadores.

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