• Susep expõe duas rachaduras no edifício da legitimidade
- Valor Econômico
A entrega da Superintendência de Seguros Privados (Susep) ao SD, do deputado Paulo Pereira da Silva (SP), expõe duas rachaduras nos pilares com os quais o governo Michel Temer tenta erguer o edifício de sua legitimidade.
O primeiro é o de que a gestão pública seria blindada das barganhas partidárias. Depois de um ano e meio nas mãos de um professor universitário cuja atuação como consultor o aproximou do mercado de seguradoras, a Susep voltou para as mãos do grupo de corretores de seguro que chegou ao cargo no segundo governo Luiz Inácio Lula da Silva. Antes de se abrigar no SD, este grupo passou por PTB, PSD, e é chefiado por um ex-deputado federal que disputou o governo de Goiás como vice do PMDB e hoje preside a federação nacional da categoria.
A troca, no entanto, é mais do que um capítulo na guerra entre seguradoras e corretores de seguro. Acontece num momento de grande efervescência no mercado de seguro-garantia, aquele que, se funcionasse a contento, poderia ter evitado o espetáculo do superfaturamento de obras das últimas décadas. O setor acompanhou o boom das grandes obras com sucessivos anos de crescimento acima de 20%. Graças às fluidas relações do contratante (Estado) com os contratados (empreiteiras), o seguro-garantia se tornou um mercado de terrenos na lua - de contratação obrigatória e baixíssima sinistralidade (frequência com a qual é acionado). O lastro desse mercado sempre foi a certeza de que obras atrasadas e mal feitas sempre contariam com o beneplácito de aditivos capazes de multiplicar o valor dos contratos sob a cumplicidade de agentes públicos.
Com a Lava-Jato, o lastro se rompeu e o setor passou a ser chamado a comparecer. Ainda que a cobertura de grande parte dos contratos não ultrapasse 10%, o aumento na sinistralidade colaborou para o mais amplo momento de internacionalização das carteiras de seguro-garantia dos grandes bancos.
A captura da superintendência dos seguros pelos aliados de Paulinho da Força acontece ainda no momento em que as grandes empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato, em meio à interminável novela das delações premiadas e acordos de leniência, obtêm, da Advocacia-Geral da União, parecer favorável para que voltem a contratar créditos junto ao BNDES.
A entrada de estrangeiros chacoalha a antiga sociedade entre o seguro-garantia e o espetáculo do superfaturamento, mas não é suficiente para fazer com que o setor cumpra a eficácia e a função social dos contratos.
As delações premiadas têm sido pródigas em atestar que a corrupção de obras públicas no Brasil é tão antiga quanto a Serra da Mantiqueira. Tese de doutorado do advogado Ernesto Tzirulnik, publicada em forma de livro no ano passado ("Seguro de risco de engenharia: instrumento do desenvolvimento, Editora Roncarati), mostra que se a corrupção é antiga, nem sempre a indústria de seguros foi sua sócia majoritária.
Foi a partir da década de 1990 que Tzirulnik avalia que o setor deixou de prover um instrumento de proteção dos segurados para produzir uma commodity que atendesse aos interesses das seguradoras e daquelas que pulverizam seu risco e garantem a execução de seus contratos, as resseguradoras, nacionais e estrangeiras.
Até aquele momento, a maior obra de engenharia do país, Itaipu, que entrou em funcionamento em 1984, celebrou uma apólice-modelo, sob os auspícios dos governos brasileiro e paraguaio, de seguradoras de ambos os países e do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).
Um sinal de que o vento tinha começado a virar veio com o Plano Collor, de 1990, quando uma circular da Susep mandou que segurados fossem indenizados com títulos da dívida pública. A maior mudança regulatória no setor, no entanto viria com a privatização do IRB, no governo Luiz Inácio Lula da Silva. O então presidente do instituto, Lídio Duarte, sob pressão do PTB, que lhe cobrava mesada, e da campanha pela privatização, saiu atirando: "Se o governo deixar uma empresa estrangeira comprá-lo, será como entregar a Embraer para a Bombardier."
A quebra do monopólio e a privatização dividiu os grandes bancos brasileiros que tinham ações do IRB e negociaram com o governo uma abertura da qual participassem como acionistas, o que acabaria acontecendo. Com a privatização, a Susep assumiu, parcialmente, funções exercidas pelo IRB. Mas o que se viu não foi exatamente uma regulação que viesse a garantir que seguradoras acompanhassem as obras para evitar aditivos e garantir que prazos e especificações fossem seguidas.
Por medida provisória de 2012, foi criada a Agência Brasileira de Gestora de Fundos e Garantias (ABGF). Provida de um fundo garantidor de investimentos em infraestrutura, essa agência passou a ser acusada, pelas seguradoras, de pretender competir no seu mercado, a despeito de uma dotação que não ultrapassava R$ 50 milhões.
Com a mudança de governo, a capitalização do fundo, a despeito do ajuste fiscal, foi multiplicada por dez e pode vir a chegar a R$ 2 bilhões até 2018. Apesar disso, o discurso, no mercado, em relação a este fundo, mudou. Passou a ser bem-vindo para garantir a cobertura de riscos ambientais ou "políticos", como aqueles decorrentes de medidas governamentais que alterem condições do mercado.
O fundo pode vir a ser paulatinamente capitalizado para arcar com riscos pouco atrativos para as seguradoras privadas. A entrada do BNDES no mercado, abertamente considerada pela nova diretoria do banco, também pode vir a aumentar a participação estatal nesse mercado.
O projeto de lei que tramita no Senado propõe aumentar a cobertura do seguro-garantia para 30% do valor da obra. A medida, que encarece o seguro, sempre enfrentou resistência de empreiteiras. O projeto é relatado por um senador envolvido até a medula na Lava-Jato. As aparas desta regulamentação, que congrega maior participação estatal num mercado historicamente resistente ao risco, são a tarefa entregue aos correligionários de Paulo Pereira da Silva.
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