quinta-feira, 28 de julho de 2016

O dono do dinheiro - Míriam Leitão

- O Globo

Em algum momento o país terá que discutir uma reformulação do FGTS, por isso a ideia de competição entre bancos para administrar os mais de R$ 300 bilhões do trabalhador brasileiro pode ser lucrativo para o dono deste dinheiro. Hoje, os recursos são um Robin Hood às avessas: são do trabalhador mas beneficiam empresários. O capital é remunerado abaixo da inflação e financia empresas a juros abaixo de mercado.

Poupança forçada com poucas possibilidades de acesso pelo trabalhador existe também em outros países da região, mas os aperfeiçoamentos levaram os trabalhadores a terem mais acesso ao dinheiro e, principalmente, a terem direito à portabilidade. Bancos credenciados, fiscalizados pelo Banco Central, disputam entre si o direito de administrar esse dinheiro e, por isso, acabam pagando mais ao trabalhador.

É fácil ser melhor do que o modelo atual. Hoje, o FGTS é remunerado por 3% de juros ao ano, mais a TR, que está em torno de 2%. Ou seja, é a pior aplicação do país e sua correção fica abaixo da inflação. Parte do principal é perdido a cada ano, mas o trabalhador não tem essa percepção de perda já que novos depósitos são feitos e há aumento do valor nominal dos recursos poupados. Mas a perda é enorme. No livro “História do Futuro”, registrei a comparação entre uma aplicação remunerada pelo CDI e a correção do FGTS entre agosto de 1994 e dezembro de 2012 e deu um resultado impressionante. O CDI acumulou 2.682,57% enquanto no mesmo período a remuneração dos depósitos do Fundo foi de 373,64%.

O movimento captado por este jornal de que alguns bancos começam a querer fatias do fundo pode não avançar agora, mas é do interesse do trabalhador e deveria ser discutido mais seriamente pelos que se apresentam como representantes dos trabalhadores no conselho do FGTS.

Há quem diga que se houver outros administradores desses recursos haverá um descasamento entre os financiamentos a longo prazo concedidos com juros mais baixos e a remuneração do capital que é funding desses financiamentos. Mas se houver isso será um bom debate. O que a sociedade quer subsidiar e a que preço? A compra da casa popular pelas camadas mais pobres da população deve ser sim subsidiada, mas por que teria que ser com o dinheiro do trabalhador? Melhor é o incentivo ser dado pelo governo com recursos do Orçamento em que o custo ficasse claramente dimensionado. Atualmente seu uso serve para ser material para propaganda partidária, como se fosse uma benesse de um partido político e não uma decisão coletiva de direcionar recursos dos impostos gerais para permitir que os mais pobres tenham o direito à casa própria.

Mais do que o financiamento de habitação popular, o FGTS tem sido usado para outras áreas, principalmente a partir da criação do FI- FGTS no governo Lula. Passou a ser fonte para os mais estranhos empréstimos. Por que usar esses recursos para comprar 100% da emissão das debêntures para viabilizar a celulose do grupo JBS? A família Batista aumentou seu patrimônio, e a operação rendeu propina para o então vice- presidente Fábio Cleto e seu grupo, no qual se inclui um réu condenado, Lúcio Bolonha Funaro, e o deputado réu da Lava- Jato Eduardo Cunha, segundo o Ministério Público.

O que nós vimos recentemente com a Lava- Jato tornou ainda mais perverso o que já era injusto. Além de usar o dinheiro do trabalhador, ao qual ele tem restrição de acesso, para financiamentos duvidosos, ainda foi forma de captar propina. Em alguns casos, gerou perdas para o fundo, como no da Sete Brasil.

Evidentemente tudo isso precisa ser rediscutido para, aos poucos, se aperfeiçoar o tratamento desse dinheiro. Mas as mudanças que estão ocorrendo não fazem sentido algum. Recentemente, foi aprovado o uso da multa de 40% em casos de demissão, como garantia de consignado. Isso é estapafúrdio porque está se contando com a eventualidade de o trabalhador ser demitido. Nem todos serão, e quem for precisará desse recursos exatamente pelo evento ocorrido.

O que precisa ser discutido é como dar mais poderes ao detentor da conta de FGTS. A competição entre gestores pode ser um bom começo para este debate. A Caixa sem o monopólio terá mais razões para evitar o uso político desse dinheiro.

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