- Folha de S. Paulo
Guinada protecionista americana não é passageira e definirá abertura econômica do Brasil
A visita a Buenos Aires, nesta semana, fez o presidente Jair Bolsonaro e seus assessores sonharem alto.
Animado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, Bolsonaro deu mais um verbete ao anedotário brasileiro de ideias estapafúrdias de política econômica: o “peso real”, uma moeda única brasileiro-argentina, quiçá latino-americana. Um pouco mais perto da realidade, Guedes falou em “quatro semanas” para a conclusão do acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia (UE), cuja negociação se arrasta há duas décadas.
Neste tema, equipes técnicas do Brasil e Argentina compartilham parte do otimismo do ministro. O governo de Mauricio Macri fala extraoficialmente em um anúncio até agosto. Pelo plano, ministros e presidentes dos dois blocos atariam os últimos nós durante cúpula do G20 no Japão, no fim do mês.
A Comissão Europeia reagiu ao entusiasmo com um chamado à cautela, dizendo que “ainda há trabalho técnico a ser feito”. Países como a França querem proteger seus agricultores e, no mês passado, o governo Emmanuel Macron listou a política ambiental de Bolsonaro como motivo adicional para esfriar a negociação. Diplomatas do Mercosul apostam que, com apoio de outros países do bloco, como Espanha ou Alemanha, os franceses recuariam.
Mas o timing das promessas na Argentina mostrou que o maior desafio global à abertura brasileira vai muito além da França ou mesmo do acordo com a UE.
Nos dias em que Bolsonaro visitava Buenos Aires, o economista americano Noah Smith decretou o “fim do consenso em Washington”, instaurado no pós-Segunda Guerra, em favor do livre-comércio.
O protecionismo sempre permeou parte do establishment americano. Mas, desde 1945, instrumentos como subsídios e tarifas eram publicamente tratados como exceções dentro da regra do livre-comércio. Agora, no topo dos partidos democrata e republicano, a equação se inverteu: a proteção se tornou o cerne da política comercial.
Smith anunciou o “fim do consenso” em reação ao plano econômico apresentado pela democrata Elizabeth Warren, pré-candidata à Casa Branca, e às ameaças do presidente Donald Trump contra o México.
A senadora de Massachusetts propõe políticas como obrigar o governo federal a comprar apenas made in America, ou desvalorizar o câmbio para aumentar a competitividade americana. Ainda que Warren morra na praia das eleições primárias, ela e outros na esquerda do partido, como Bernie Sanders, já conseguiram arrastar o debate democrata para longe do livre-comércio. Centristas como o ex-presidente Joe Biden estão sendo obrigados a se adaptar a uma nova realidade, na qual a exaltação do nacionalismo econômico é um ritual necessário à sobrevivência política dentro do partido.
Do lado republicano, historicamente o partido do livre-comércio, a situação chegou ao surrealismo. Há uma semana, Trump anunciou tarifas de 5% —que podem ir a 25%— sobre produtos mexicanos, caso o governo de Andrés Manuel López Obrador não pare a entrada de imigrantes.
Depois de os mercados reagirem ao choque, ontem o presidente anunciou um misterioso acordo que tornaria desnecessária a punição.
No mês passado, Trump já havia ampliado tarifas sobre $200 bilhões vindos da China. Japão, UE e Canadá também já levaram bordoadas.
A guinada protecionista do establishment americano foi chocantemente rápida.
Cerca de três anos atrás, um democrata na Casa Branca negociava dois mega-acordos de livre-comércio — um com 12 países do Pacífico, outro com a Europa Ocidental. O primeiro capítulo das eleições presidenciais nos EUA mostra que, independentemente de quem vença em 2020, um retorno à realidade pré-Trump é altamente improvável.
O Brasil chegou tarde à festa. Sem escolha, terá de abrir sua economia em tempos de forte protecionismo global e incerteza. Um acordo com a UE seria um primeiro passo importante. Quanto às ideias exóticas, melhor guardá-las para dias mais calmos.
*Roberto Simon é diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em relações internacionais pela Unesp.
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