- O Globo
Integração monetária de Argentina e Brasil exigiria uma série de decisões, como unificar políticas fiscal e cambial
A ideia de criar uma moeda única de Brasil e Argentina parece mais esdrúxula ainda quando o presidente Bolsonaro a classifica como “uma trava a aventuras socialistas na região”.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, que hoje parece gostar da ideia, antes mesmo de assumir o cargo provocara um mal-estar com a Argentina quando afirmou que o Mercosul não era prioridade para o novo governo brasileiro porque é “muito restritivo, o Brasil ficou prisioneiro de alianças ideológicas, e isso é ruim para a economia”.
Ele se referia a um bloco que só negociava com quem tinha “inclinações bolivarianas”. Como a proposta de uma moeda única fora feita em 2011 no governo de Dilma Rousseff, quando Cristina Kirchner era presidente da Argentina, mais uma vez o governo Bolsonaro faz o que critica em seus antecessores. Se o PT queria criar uma moeda única na região para fortalecer as “repúblicas bolivarianas”, agora Bolsonaro a quer para evitar a volta ao poder dos “bolivarianos” que foram varridos dos governos da região pelo voto popular.
A moeda única dos dois países poderia evoluir para uma moeda do Mercosul, comentou o presidente Bolsonaro. O Mercosul, aliás, também já esteve na mira do governo Temer, quando o tucano José Serra assumiu o Ministério das Relações Exteriores. Na posse, disse que “a diplomacia voltará a refletir os valores da sociedade brasileira, e estará a serviço do Brasil, e não das conveniências e preferências ideológicas de um partido político e seus aliados no exterior”.
Serra já havia anunciado, quando candidato à Presidência da República, querer transformar a união aduaneira numa área de livre comércio, permitindo a seus membros fazer acordos comerciais de forma isolada, sem a concordância e adesão dos demais sócios. Essa também é uma ideia que agrada a Bolsonaro e Macri, para aproximação com a Aliança do Pacífico. O acordo com a União Europeia ainda não saiu pela necessidade de adesão de todos os membros do Mercosul, o que atrasa a inserção comercial do Brasil no mundo.
Criado em 1991 pelo Tratado de Assunção, o Mercosul é hoje o terceiro maior bloco do mundo, depois do Nafta (México, Canadá e Estados Unidos) e da União Europeia, com um PIB de US$ 2,8 trilhões (R$ 10,4 trilhões) em 2018. Se fosse um país, o Mercosul seria a quinta maior economia do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China, Japão e Alemanha. Na ocasião de sua criação, o Mercosul provocou várias gozações, hoje conhecidas como memes no mundo digital. A brincadeira sobre o possível nome da nova moeda, que seria Peso Real, mas deveria ser, segundo os internautas, “peladona”, uma junção de Pelé e Maradona, faz lembrar o que se dizia à época.
Eu mesmo escrevi um artigo intitulado Mercosul F.C., onde ironizava as vantagens que tal união poderia nos trazer: fazer uma seleção de futebol com Zico e Maradona. Hoje, assim como o Mercosul poderia ser a quinta economia do mundo, mas não é, também poderia organizar uma seleção de futebol capaz de enfrentar os europeus, que venceram as últimas quatro Copas do Mundo. Repetir na seleção do Mercosul o antigo trio atacante MSN do Barcelona, o argentino Messi, o uruguaio Suárez e o brasileiro Neymar, seria uma grande vantagem competitiva.
O fato é que o Mercosul, como uma área de livre comércio, eliminou barreiras alfandegárias e aumentou o fluxo comercial entre seus membros, mas essa proteção, que acabou sendo o principal objetivo do grupo, fez com que a indústria desses países perdesse a competitividade.
A integração monetária entre Brasil e Argentina, e depois com os demais países do Mercosul, exigiria uma série de decisões, como unificação de políticas fiscal e cambial. O euro, moeda da União Europeia, nasceu em 2002, 14 anos depois de o Conselho Europeu ter confirmado a união monetária em 1988, e décadas depois do início das negociações.
A nova moeda exigiria instituições para cuidar do setor financeiro e da política fiscal dos países, inicialmente Brasil e Argentina, depois os demais do Mercosul, o que vai de encontro às ideias do governo Bolsonaro, contrárias aos organismos internacionais, que impediriam às nações desenvolverem suas próprias institucionalidades. Por essa razão, o governo brasileiro acabou com o passaporte e quer acabar com a placa de automóveis do Mercosul.
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