Por Rafael Bitencourt | Valor Econômico
BRASÍLIA - Em evento no Tribunal de Contas da União (TCU), o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso foi questionado sobre o "pacto" entre os Poderes, anunciado na semana passada o ex-presidente disse que não vê a necessidade de levar a ideia à frente. "Pacto é uma coisa mais formal, implica em acordo sobre pontos específicos. Não creio que o país tenha chegado a esse ponto, de negociarmos salvaguardas da democracia ou coisas assim", disse.
Ao Valor, o ex-presidente disse que Bolsonaro poderia amenizar o clima de embate político no país. "O presidente poderia dar mostras concretas nessa direção, de criar um clima mais favorável à união e não acirrar a discórdia", disse.
Ainda sobre a postura do atual presidente, FHC disse que respeita, mas que não concorda. "Isso, naturalmente, vai de cada um, dos interesses políticos. Muitos têm interesse partidário ou pessoal e, então, eles acirram, mas não sei se para o país isso é o mais produtivo. Não é meu estilo", comentou.
Para o ex-presidente, o chefe do Executivo precisa se dirigir à população com a consciência de que não está falando apenas com o seu grupo político. "É preciso não esquecer que o país é uma nação, composta de pessoas, é o povo. Não é um partido, mas o conjunto de pessoas muito diverso".
FHC alertou que o Congresso pode se manter forte mesmo com a atual fragmentação política. "O presidente que não entende isso não consegue governar de forma adequada e eventualmente cai, porque não percebe que nessa fragmentação o Congresso, mesmo em momentos de baixo prestígio, se sobre-eleva e é mais forte que a Presidência da República", disse FHC, sem fazer referência direta ao presidente Jair Bolsonaro.
A fragmentação política representada pela quantidade de partidos é um dos temas recorrentes das palestras do ex-presidente. Ele considera que isso torna ainda mais complexa a relação entre governo e parlamento.
"Nossos partidos não são expressivos no espectro ideológico em geral. São mais aglomerados de pessoas que têm alguns interesses em comum, ou eventualmente tem um ou outro que expressa sua relação com a sociedade", afirmou. "Eles foram se multiplicando muito e hoje é difícil fazer uma relação direta entre o interesse da sociedade, a ideologia proposta e o partido", completou o ex-presidente.
FHC lembra que o aval à criação indiscriminada de legendas foi dada por sua geração, com "horror ao autoritarismo". "Demos liberdade para que eles se criassem. Eles se criaram, se multiplicaram e, agora, não sabem o que fazer", lamentou.
Para o ex-presidente, o contato do líder do Executivo com parlamentares é comum em democracias maduras. Ele disse que o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, com quem mantém "relações muito boas", contou certa vez que tinha que ficar ao telefone com deputados para conseguir aprovar as leis para o país.
"Isso é da natureza do jogo parlamentar. Aqui no Brasil, isso virou crime, e dizem: 'ah, mas o deputado vai querer um favor'. Ainda que queira, o presidente tem que ter o objetivo de alcançar aquele benefício maior para o país", disse FHC.
O ex-presidente palestrou ontem em evento interno do TCU, ocasião em que foi homenageado com a entrega do Grande Colar do Mérito oferecido pelo próprio tribunal.
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