Por Sergio Lamucci | Valor Econômico
SÃO PAULO - O governo precisa adotar uma agenda que vá além da reforma da Previdência, com medidas para melhorar a produtividade, simplificar o sistema tributário e promover leilões de concessão de infraestrutura, disse ontem o economista Affonso Celso Pastore. Ex-presidente do Banco Central (BC), Pastore mostra extrema preocupação com a incapacidade de recuperação da atividade econômica.
"Olhe o que está ocorrendo com esta economia", afirmou ele, chamando a atenção para o fato de que a renda per capita está 9% abaixo do pico anterior, mais de dois anos depois do fim da recessão. A consultoria de Pastore vai revisar a projeção de crescimento de 2019 para 0,7% - a estimativa anterior era de 1%. "Como a população está crescendo 0,8%, a renda per capita neste ano vai cair em relação ao ano passado", destacou o economista. "E, olhando hoje, eu não sei se faremos o 0,7%, se não é menos. "Vamos cair na real? É preciso que o governo governe."
Na visão de Pastore, é hora de a equipe econômica, "que tem gente boa lá dentro, venha com proposições que comecem pelo menos a dar um norte para o setor privado, para mostrar para aonde o país está indo".
Para ele, o governo não pode concentrar os esforços apenas na reforma da Previdência. A mudança do sistema de aposentadorias é muito importante, sendo um passo decisivo para o começo da consolidação fiscal, disse Pastore. O ponto, segundo ele, é que esse não é o único problema do país - a reforma, se aprovada, não é uma bala de prata que vai sozinha produzir um crescimento robusto.
"Enquanto a Previdência não for resolvida, enquanto não se tirar da frente, o risco fiscal o empresário não vai investir", afirmou Pastore, avaliando que, uma vez retirada essa ameaça, o empresariado começará a investir lentamente. A questão, porém, é que é necessário fazer com que o setor privado possa investir com eficiência, o que exige medidas para aumentar a produtividade, enfatizou Pastore, para quem o governo precisa investir na agenda microeconômica.
Para ele, é preciso investir nessas outras medidas simultaneamente à discussão da reforma da Previdência, porque são necessárias "várias outras reformas para colocar o Brasil no caminho do crescimento econômico". Pastore considera importante a aprovação de uma reforma tributária como a desenhada pelo economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), que propõe a substituição de cinco tributos - IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS - no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), sobre o valor adicionado.
A proposta de Appy visa corrigir distorções e simplificar o sistema, disse Pastore. "E aqui faço uma critica direta ao secretário da Receita [Marcos Cintra] que está tentando criar uma CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira]. Ele está tentando buscar receita."
O regime atual causa distorções alocativas que produzem queda de produtividade. É algo especialmente danoso para o Brasil, uma vez que, encerrado o período do bônus demográfico (o período em que a população em idade de trabalhar cresce a um ritmo superior ao da população total), o crescimento da economia depende basicamente da produtividade, lembrou o economista.
Pastore citou ainda a importância dos leilões de concessão de infraestrutura, acreditando que eles ocorrerão em maior número em 2020. Num momento em que a União e grande parte dos Estados e municípios enfrentam graves dificuldades fiscais, as concessões são fundamentais para acelerar o investimento na área.
Pastore reiterou o fato de a renda per capita estar 9% abaixo do máximo atingido anteriormente. Em relatório divulgado no mês passado, ele caracterizou o momento que a economia brasileira passa como uma depressão, o que causou bastante discussão, uma vez que o termo é forte. Para ele, o mais importante não é a questão semântica, mas o fato substantivo de a economia não conseguir acelerar a recuperação cíclica, mesmo depois de o PIB ter caído 3,5% em 2015, 3,3% em 2016 e crescido apenas 1,1% em 2017 e também em 2018. Pastore falou ontem no seminário em homenagem aos seus 80 anos, promovido pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), também conversando brevemente com jornalistas.
Presente ao evento, o ex-presidente do BC Arminio Fraga disseque o que o país vive é "tecnicamente" quase uma depressão, ou está perto disso. Para dar uma dimensão da gravidade da situação, ele observou que a renda per capita, que está 9% abaixo do pico anterior, poderia ter crescido 9%, por exemplo, desde então. Isso dá uma medida também do quanto se deixou de ganhar no período.
Outro participante do seminário, o diretor-presidente do Insper, Marcos Lisboa, destacou que o crescimento é um trabalho de muitos anos, exigindo uma série de reformas que levam tempo para surtir efeito. "E nós fazemos o contrário", disse ele, atacando a insistência em medidas de estímulo de curto prazo para promover o avanço da economia, quando o fundamental são medidas para melhorar a produtividade.
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