Seja
qual for a cor ideológica ou o meio utilizado, o autoritarismo é sempre
nefasto. É preciso estar alerta. A liberdade e a democracia são inegociáveis
O País tem uma Constituição democrática vigente e realiza rigorosamente eleições no seu devido tempo. Pode-se, assim, ter a impressão de que o autoritarismo e outras violações do regime democrático sejam temas distantes dos brasileiros, como problemas do passado já superados. No entanto, nos dias de hoje continua havendo ataques à democracia, por novos e insidiosos meios, alertou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, em recente palestra. Nesses novos ataques, até mesmo as eleições são utilizadas para desacreditar o regime democrático.
Segundo
Luís Roberto Barroso, “uma versão contemporânea do autoritarismo são essas
milícias digitais que atuam na internet, procurando destruir as instituições e
golpeá-las, criando um ambiente propício para a desdemocratização”.
Nas eleições de 2020, o País assistiu a uma tentativa de desmoralizar o seu sistema eletrônico de votação. No dia do primeiro turno, hackers tentaram derrubar o site do TSE e houve vazamento na internet de dados de servidores obtidos por meio de um ataque virtual realizado dias antes. Ainda que essas duas operações não tenham provocado nenhum risco para a apuração dos votos, elas foram utilizadas para disseminar desconfiança em relação à segurança do sistema eleitoral.
Nesse
ataque contra a democracia, os liberticidas ainda se valeram de um atraso do
processamento de dados do TSE, ocorrido por questões técnicas alheias a
qualquer atuação dos hackers. O atraso de algumas horas na divulgação dos
resultados não interferiu na apuração dos votos, mas, para os que querem
desacreditar a democracia, os fatos pouco importam. O que vale é o discurso
distorcido, com o qual tentam disseminar desconfiança.
É
interessante notar que, ao contrário do que afirmaram as fake news, as eleições
municipais de 2020 foram um excelente exemplo do vigor da democracia no País.
“Conseguimos fazer uma eleição (na pandemia), evitamos uma prorrogação (dos
mandatos atuais), adiamos para um momento em que foram feitas com mais
segurança, conseguimos que o plano de segurança fosse observado e que não
houvesse disseminação da doença, conseguimos uma abstenção bem baixa, de 23%, e
conseguimos controlar as fake news e divulgar o resultado no mesmo dia”,
lembrou o presidente do TSE.
No
entanto, a despeito de todos esses fatos muito positivos, houve quem quisesse
reduzir as eleições de 2020 ao problema operacional no computador do TSE, que,
sem afetar a apuração, provocou atraso na divulgação dos resultados. Essa
tentativa de distorcer a realidade não é ingênua e tampouco é casual. É parte
da tentativa de minar os fundamentos do regime democrático.
“Com
muita frequência, muitas vezes, mesmo nas democracias, há um esforço de
desacreditar o processo eleitoral”, disse o ministro Luís Roberto Barroso.
Citou, como exemplo, as últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos, com
a recusa de Donald Trump em aceitar a vitória de Joe Biden. Sem nenhuma prova,
Trump repetiu durante semanas que o resultado das urnas era uma farsa, em clara
tentativa de desacreditar as eleições.
Os
ataques ao sistema eleitoral, tanto as ações de hackers como a disseminação de
desinformação nas redes sociais, são graves ameaças ao regime democrático, já
que contêm a essência do autoritarismo. Todas essas perversas manobras têm em
comum a não aceitação de que o poder seja investido a terceiras pessoas,
conforme o resultado das urnas. Os autoritários não gostam do voto. Por isso,
disseminam tanta desconfiança em relação ao processo eleitoral.
“Há
uma onda populista, autoritária e conservadora radical no mundo”, disse Luís
Roberto Barroso. “Eu me refiro ao conservadorismo radical que se manifesta pela
intolerância, pela agressividade, procurando negar e retirar direitos de quem
pensa diferente”. Seja qual for a cor ideológica ou o meio utilizado, o
autoritarismo é sempre nefasto. É preciso estar alerta. A liberdade e a
democracia são inegociáveis.
O MEC de Bolsonaro – Opinião | O Estado de S. Paulo
Ministério
da Educação do atual presidente escolheu o caminho do conflito e da omissão
O governo de Jair Bolsonaro é inepto em muitos campos, mas sua inépcia é especialmente gritante em uma área: a educação. Em dois anos, houve quatro ministros da Educação, inúmeras confusões e uma completa ausência do governo federal na discussão de políticas públicas educacionais. Não há como melhorar a nota: é sofrível a avaliação da primeira metade do mandato de Jair Bolsonaro em relação à educação.
Chama
a atenção que um presidente eleito com uma agenda reformista, prometendo
promover o desenvolvimento social e econômico do País, tenha transformado o
Ministério da Educação (MEC) em palco da agenda ideológica e do negacionismo.
Em vez de cumprir seu papel de coordenação e diálogo com Estados e municípios,
o MEC de Bolsonaro escolheu o caminho do conflito e da omissão.
Com
trajetórias profissionais diferentes, Ricardo Vélez Rodríguez, Abraham
Weintraub, Carlos Alberto Decotelli e Milton Ribeiro têm uma característica em
comum. Até a nomeação pelo presidente Jair Bolsonaro, nenhum dos quatro tinha
experiência na administração de políticas públicas educacionais. Como se vê, o
Palácio do Planalto não tem ideia da importância do MEC, tampouco da
complexidade de suas atribuições.
A
inexperiência dos ministros da Educação não foi, no entanto, o problema mais grave.
Essa característica comum mostrou ser apenas o sintoma de algo mais deletério:
o desprezo que o governo de Jair Bolsonaro tem pelo papel do MEC na educação do
País.
Isso
ficou muito claro, por exemplo, ao longo do tempo em que Abraham Weintraub
esteve à frente da pasta, de abril de 2019 a junho de 2020. De forma espantosa,
o sr. Weintraub dedicou-se a agredir e a desinformar. Conseguiu a proeza de
criar problemas diplomáticos com a China. Deixou a pasta e o País às pressas,
depois de o Supremo mantê-lo como investigado no inquérito referente a ameaças
contra a Corte. Aquele que era responsável, no plano federal, por orientar e
coordenar a formação das novas gerações estava mais preocupado em escapar das
consequências da lei.
O
substituto de Abraham Weintraub ficou poucos dias no cargo, em razão de
inconsistências curriculares. Diferentemente do que constava em seu currículo
Lattes, Carlos Alberto Decotelli não tinha o título de doutor pela Universidade
Nacional de Rosário (Argentina), não era professor da Fundação Getúlio Vargas
(FGV) e não fez um pós-doutorado na Universidade de Wuppertal (Alemanha). Além
disso, foram descobertos indícios de plágio em sua dissertação de mestrado. Era
essa a ficha da pessoa escolhida por Jair Bolsonaro para estar à frente do MEC.
Desde
o mês de julho, o pastor e professor Milton Ribeiro responde pelo Ministério da
Educação. Mais contido que Weintraub – não há notícia, por exemplo, de que
tenha participado de atos antidemocráticos –, o novo ministro não deu, no
entanto, um rumo ao MEC.
Em
setembro, por exemplo, Milton Ribeiro disse, em entrevista ao Estado, que
o retorno às atividades escolares presenciais e o acesso à internet não eram
temas do MEC. Questionado se não era papel do MEC posicionar-se sobre a volta
às aulas, o ministro da Educação mostrou desconhecimento sobre a complexidade
do tema. “Por mim, voltava na semana passada, uma vez que já superamos alguns
itens, saímos da crista da onda e temos de voltar”, disse.
A
ausência do MEC na discussão das políticas públicas educacionais não se deve à
falta de oportunidade. Por exemplo, em 2020, o Congresso debruçou-se
detidamente sobre o Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb), tendo aprovado
uma Emenda Constitucional relativa ao tema, bem como sua regulamentação. O Fundeb
é o mais amplo programa de financiamento da educação no País, e o governo de
Jair Bolsonaro simplesmente esteve à margem de sua formulação.
Educação
é assunto sério, com efeitos de curto, médio e longo prazos sobre todo o País.
Não basta que o ministro da Educação não publique tuítes grosseiros com erros
de português, como fazia Abraham Weintraub. Precisa haver governo, no sentido
estrito do termo.
Exemplo de administração – Opinião | O Estado de S. Paulo
Em
dois anos, Ministério da Infraestrutura firmou reputação de ‘oásis’ no atual
governo
O Ministério da Infraestrutura arrecadou R$ 87,5 milhões em outorgas com o leilão de quatro terminais portuários em Alagoas, Bahia e Paraná. “Fechamos o ano em grande estilo”, celebrou o ministro Tarcísio de Freitas. Mais do que isso, o leilão simboliza a boa trajetória de uma das poucas pastas que, em dois anos de governo, tiveram um balanço positivo e mesmo excepcional na comparação com o restante da máquina pública.
Só
em 2019, foram 27 leilões de concessão: 13 terminais portuários, 1 trecho da
Ferrovia Norte-Sul, 2 rodovias e 12 aeroportos. O saldo em 2020 só não foi
melhor porque, em razão da pandemia, foi preciso prudentemente adiar as
concessões de rodovias e sobretudo de aeroportos, um dos setores mais severamente
afetados.
Transporte
e logística são gargalos crônicos da produtividade e competitividade nacional,
notadamente do agronegócio, cujo alto desempenho “da porteira para dentro” é
desidratado pelas condições precárias de infraestrutura quanto maior seja a
distância até o comprador.
No
pós-guerra, o País fez altos investimentos em infraestrutura (em sentido amplo,
incluindo eletricidade, saneamento e telecomunicações), chegando a uma média de
5,42% do PIB nos anos 70. Em anos recentes, a média está abaixo de 2%.
Especialistas como Claudio Frischtak, da Inter B. Consultoria, estimam que nos
próximos 20 anos seria preciso aumentar a média para algo entre 4% e 6%. Mas a
má governança, insegurança jurídica e regulatória e legislação anacrônica são
entraves a isso. Muito além da bem-sucedida agenda de concessões, cujos
melhores frutos serão percebidos no médio prazo, o Ministério da Infraestrutura
teve muito boa atuação nestas áreas.
Já
ao ser indicado, o ministro Tarcísio de Freitas anunciou que adotaria um programa
especificamente voltado para o combate à corrupção, fundamentalmente um setor
marcado, até recentemente, pelo tráfico de influências e vantagens indevidas,
bem como um protocolo para a seleção de servidores. Na sua posse, declarou que,
além das concessões, seriam prioridades o equilíbrio da regulação; a
modernização dos processos; e a diversificação da matriz de transportes,
incluindo setores subutilizados, como ferrovias, cabotagem e hidrovias. Ao
longo de dois anos, o Ministério firmou uma reputação de “oásis” ou “ilha de
excelência” no governo.
Formado
com as melhores notas na história do Instituto Militar de Engenharia, Freitas é
servidor de carreira na Controladoria-Geral da União, atuou como consultor
legislativo na Câmara dos Deputados e teve atuação marcada por rigor técnico e
espírito público no Departamento Nacional de Infraestrutura (no governo Dilma
Rousseff) e na Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos
(no governo Temer).
Em
contraste com a maioria dos ministros de pastas estratégicas do governo
Bolsonaro, a gestão de Freitas se destaca pela ausência de ruídos ideológicos e
pelo pragmatismo. Enquanto o “superministro” da Economia, Paulo Guedes, por
exemplo, alardeia planos bombásticos, mas jamais concretizados de desestatização,
Freitas cumpriu o que prometeu, usando mesmo estatais outrora condenadas, como
a EPL e a Valec, como ferramentas de planejamento e incubadoras de projetos.
Enquanto o ministro do Meio Ambiente deixa em seu rastro um campo minado para
os investidores, Freitas fechou uma parceria histórica com a Climate Bonds
Initiative para a emissão de “selos verdes” no setor de infraestrutura.
Na
pandemia, o ministro atuou rápido para aliviar as pressões sobre um dos setores
mais devastados, a aviação, e costurou com o Congresso o aporte de recursos
para obras via emendas parlamentares, garantindo a geração de empregos sem
ameaça aos pilares fiscais. Também negociando com o Congresso, conseguiu
aprovar duas minirreformas – da desburocratização dos portos públicos e do Novo
Marco das Ferrovias – e o projeto BR do Mar, na Câmara, que impulsionará a
navegação de cabotagem.
Por
tudo isso, o Ministério da Infraestrutura é hoje um exemplo para a
administração pública brasileira. Pena que seja uma gritante exceção no seu
próprio governo.
Biden impõe teste para Bolsonaro – Opinião | O Globo
Em
nome do interesse nacional, é fundamental que o presidente se entenda com o
sucessor de Trump
A
chegada de Joe Biden à Casa Branca, no dia 20, será um desafio e tanto para
Jair Bolsonaro. Ele tem a chance de acertar, se ajustar sua política externa ao
multilateralismo que Biden decerto restabelecerá no Departamento de Estado. Ou
de errar mais uma vez, caso insista na visão estreita e isolacionista do
nacional-populismo preconizado por seu inspirador, o derrotado Donald Trump.
A
devoção de Bolsonaro a Trump — que nenhuma vantagem trouxe ao Brasil —trará
doravante problemas ainda mais sérios, pois aumentará nosso isolamento no
mundo. Biden conhece bem o país, sabe exatamente quem é Bolsonaro e o que ele
representa. Seu partido, o Democrata, tem parlamentares atentos a temas que
desgostam o presidente brasileiro, como direitos humanos e meio ambiente.
No
primeiro debate da campanha contra Trump, Biden citou o péssimo exemplo
brasileiro na Amazônia e ameaçou o país com sanções caso a devastação continue.
Também acenou com uma ajuda bilionária para o país fazer o certo no meio
ambiente. Bolsonaro soltou uma de suas bravatas nacionalistas, ameaçando os
Estados Unidos com “pólvora”, caso a saliva da diplomacia não fosse suficiente
para convencer os americanos a não se meter.
Foi
uma declaração digna da comédia “O rato que ruge”, em que o governante de um
país irrelevante declara guerra aos Estados Unidos para tentar tirá-lo da
bancarrota. Só uma mentalidade ignorante dos caminhos da diplomacia, mais
afeita aos delírios de militantes e milicianos, imaginaria usar armas para
preservar árvores. Quando nem sequer o Exército brasileiro consegue defender a
floresta de madeireiros e garimpeiros ilegais, fica evidente que o país precisa
de cooperação internacional para criar na Amazônia atividades econômicas
sustentáveis.
A
gafe é ainda mais lamentável porque, queira ou não, Bolsonaro terá de se
entender com os Estados Unidos. Trata-se do segundo maior parceiro comercial do
Brasil, cuja influência como potência hegemônica no planeta deverá voltar a
crescer na gestão Biden.
Por
isso mesmo, Bolsonaro precisará de novos ministros no Itamaraty e no Meio
Ambiente. Ernesto Araújo e Ricardo Salles se tornaram símbolos vivos do
extremismo na política externa e na questão ambiental. O primeiro, notável pelo
delírio ideológico que tem estraçalhado a tradição profissional da diplomacia
brasileira. O segundo, responsável pelos piores índices recentes de destruição na
Amazônia, resultantes da “boiada” do desmonte dos sistemas de vigilância
ambiental.
Não
só o meio ambiente separa Bolsonaro de Biden. Ainda vice de Barack Obama,
quando veio ao Brasil em 2014, Biden trouxe na bagagem 43 relatórios produzidos
pela inteligência americana entre 1967 e 77, sobre torturas, censura e
assassinatos da ditadura militar, contribuição para o trabalho da Comissão
Nacional da Verdade. Manter diálogo com alguém bem mais poderoso, que repudia o
regime que Bolsonaro não cansa de reverenciar, será um grande teste de
maturidade política. Rugidos de nada adiantarão.
Vacina traz esperança, mas não garante recuperação econômica – Opinião | O Globo
Imunização
ainda é incipiente. Pandemias do passado sugerem postura cautelosa nos
investimentos
A
vacinação em massa é vista como grande esperança para erradicar o novo
coronavírus e dar início a uma recuperação econômica sustentável. Não há dúvida
de que o impacto da vacina será positivo, mas a história recomenda, na visão de
vários economistas, cautela ao prever uma recuperação rápida da economia
global, em 2021 e nos próximos anos.
Um
primeiro motivo é que a segunda onda de contágio tem se mostrado até mais
perniciosa que a primeira. Países como França, Reino Unido e Alemanha já
promovem novas quarentenas. Mesmo que menos rigorosas que as anteriores, o
impacto na atividade econômica será inevitável.
A
imunização ainda é incipiente nos países que já começaram a vacinar suas
populações — e, no Brasil, ainda não passa de um plano. Pelo menos até o final
de 2021, não haverá efeito perceptível no nível de imunidade coletiva que seja
suficiente para resgatar a confiança dos agentes econômicos. A postura
cautelosa deverá perdurar entre os investidores, retardando uma recuperação
mais robusta.
Segundo
motivo para cautela: mesmo que a vacina erradique o vírus, não porá fim a seus
efeitos econômicos. As conclusões de pesquisas que avaliaram o impacto de
pandemias do passado no nível de atividade demonstram que as sequelas na
economia se manifestam num prazo muito mais longo que os anos em que afetam a
saúde pública.
“Pandemias
são seguidas por períodos sustentados — ao longo de décadas — de oportunidades
deprimidas de investimento”, afirmam pesquisadores da Universidade da
Califórnia em Davis em estudo sobre o efeito econômico de 19 pragas do passado,
da Peste Negra medieval à Gripe Espanhola de 1919.
Eles
compararam guerras às pandemias e concluíram que, enquanto as primeiras são
notáveis pela destruição de capital num período curto, as segundas provocam
escassez persistente de mão-de-obra e induzem um nível maior de poupança em
detrimento dos investimentos, como resultado do temor e da incerteza diante da
mortalidade. A pesquisa também sugere que o endividamento público para arcar
com o custo da depressão se revela menos persistente que o resultante das
guerras.
Há
ressalvas que, dizem os pesquisadores, podem distinguir esta pandemia das
anteriores. As incógnitas são maiores que as certezas.
Inépcia mortal – Opinião | Folha de S. Paulo
Incipiente,
vacinação em cerca de 50 países evidencia incompetência de Bolsonaro
Países
bem-sucedidos no controle da epidemia, como Taiwan e Nova Zelândia, devem começar
a vacinação contra a Covid-19 apenas a partir do segundo trimestre deste 2021.
Assim também será na Coreia do Sul, embora o plano do governo seja objeto de
críticas duras.
Os
Estados Unidos previam vacinar 20 milhões de pessoas antes do final do ano
passado, mas chegaram perto de apenas 3 milhões.
O
país mais avançado na campanha é Israel, que já imunizou mais de 11% de sua
população. O Canadá tem contrato firme para a compra de doses suficientes para
vacinar seus habitantes cinco vezes. Em contraste, nações mais pobres talvez
não tenham acesso aos produtos antes do próximo ano.
O
cenário mundial da vacinação é muito irregular, como se vê. Campanhas de
imunização se mostram ainda muito incipientes e com resultados variados até
agora.
De
mais certo, nota-se que os países mais ricos correram para reservar doses mais
do que suficientes para proteger seus habitantes, segundo dados coletados pelo
Centro de Inovação em Saúde da Universidade Duke (EUA).
Além
de providências localizadas e mal explicadas na China e na Rússia, a vacinação
começou em dezembro, de modo em geral vagaroso, no restante do mundo.
Produtores de petróleo e membros da União Europeia também estão entre os mais
adiantados.
Cerca
de 50 países já iniciaram o processo, embora os números sejam precários e
díspares, com somente algumas centenas de doses aplicadas em alguns casos.
Tendo
esses dados em vista, o Brasil não pareceria tão atrasado se não fosse o fato
de que as perspectivas de imunização aqui são apenas virtuais —nenhum produto
encomendado foi aprovado até o momento, faltam estratégias concretas e, no caso
do governo federal, até seringas.
Dadas
a experiência e a infraestrutura brasileiras de vacinação, houvesse doses
suficientes e começando já os procedimentos, pode-se estimar que toda a
população adulta poderia estar protegida pouco depois de meados do ano.
Façam-se
as comparações. Segundo dados compilados pela Universidade Oxford, até o final
do ano passado o México vacinara 0,02% de seus habitantes; no Brasil, isso
equivaleria a mais de 40 mil vacinados. No Chile, 0,05%, o equivalente a cerca
de 106 mil brasileiros.
Seria
um progresso considerável a esta altura, que já estaria beneficiando profissionais
de saúde, idosos e outros estratos vulneráveis à doença. Dificilmente, porém, a
campanha brasileira começará antes do terço final deste janeiro, e a
incompetência mortal do governo Jair Bolsonaro tende a ficar mais evidente a
cada dia.
Mais Aldir Blanc – Opinião | Folha de S. Paulo
Governo
acerta em prorrogar uso de verba cultural, mas deve avaliar resultados
As
trocas sucessivas e conturbadas no comando federal da cultura ao longo de 2020
constituem bom parâmetro para dimensionar o desgoverno de uma área, que, como
se sabe, conforma um dos campos de batalha do bolsonarismo.
Do
delirante projeto de “guerra cultural” contra a esquerda do ex-secretário
Roberto Alvim à inoperância truculenta do atual, Mario Frias, passando por
Regina Duarte e sua nostalgia do ufanismo dos tempos da ditadura militar, a
gestão do setor notabilizou-se pela tentativa de promover a agenda
retrógrada do círculo presidencial.
Tal
ofensiva não esteve restrita ao topo, espraiando-se para outros órgãos ligados
à secretaria, que passaram a servir de veículos de um revisionismo histórico
infame e sinecuras de apaniguados sem preparo ou experiência na área.
As
agruras do setor ganharam dimensão dramática na pandemia. Com a retirada do
público das apresentações, artistas e companhias se viram sem a principal fonte
de financiamento e renda. Nesse contexto, a Lei Aldir Blanc, proposta pelo
Congresso e sancionada em junho, representou inegável alento.
O
socorro financeiro de R$ 3 bilhões, repassado a estados e municípios, foi
destinado ao pagamento de um benefício temporário de R$ 600 mensais a
profissionais da área, a subsídios para manutenção de espaços culturais,
pequenas empresas, cooperativas e organizações do setor cultural, e a financiamento
de projetos e prêmios.
Seu
volume e capilaridade sem precedentes na política cultural brasileira, em tese
justificáveis num país de produção tão vasta e dispersa pelo território,
constituem também sua fragilidade, diante da inglória tarefa de fiscalizar o
uso correto dos recursos.
Dado
o tempo exíguo para a execução da vultosa verba prevista na legislação,
terminou sendo acertada a decisão da Presidência de prorrogar
esse prazo, de 31 de dezembro de 2020 para a mesma data deste ano,
atendendo o pedido de artistas e parlamentares.
O
governo Jair Bolsonaro também vem se empenhando em tomar para si todo o crédito
pela iniciativa, a exemplo do que fez no caso do auxílio emergencial, embora o
projeto da lei cultural seja obra do Poder Legislativo.
Trata-se de mais uma mostra de oportunismo —o que será mal menor se ao menos houver esforço em cotejar prós e contras da iniciativa, divulgar resultados com transparência e propor alternativas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário