domingo, 3 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Autoritarismo sob novas vestes – Opinião | O Estado de S. Paulo

Seja qual for a cor ideológica ou o meio utilizado, o autoritarismo é sempre nefasto. É preciso estar alerta. A liberdade e a democracia são inegociáveis

O País tem uma Constituição democrática vigente e realiza rigorosamente eleições no seu devido tempo. Pode-se, assim, ter a impressão de que o autoritarismo e outras violações do regime democrático sejam temas distantes dos brasileiros, como problemas do passado já superados. No entanto, nos dias de hoje continua havendo ataques à democracia, por novos e insidiosos meios, alertou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, em recente palestra. Nesses novos ataques, até mesmo as eleições são utilizadas para desacreditar o regime democrático.

Segundo Luís Roberto Barroso, “uma versão contemporânea do autoritarismo são essas milícias digitais que atuam na internet, procurando destruir as instituições e golpeá-las, criando um ambiente propício para a desdemocratização”.

Nas eleições de 2020, o País assistiu a uma tentativa de desmoralizar o seu sistema eletrônico de votação. No dia do primeiro turno, hackers tentaram derrubar o site do TSE e houve vazamento na internet de dados de servidores obtidos por meio de um ataque virtual realizado dias antes. Ainda que essas duas operações não tenham provocado nenhum risco para a apuração dos votos, elas foram utilizadas para disseminar desconfiança em relação à segurança do sistema eleitoral.

Nesse ataque contra a democracia, os liberticidas ainda se valeram de um atraso do processamento de dados do TSE, ocorrido por questões técnicas alheias a qualquer atuação dos hackers. O atraso de algumas horas na divulgação dos resultados não interferiu na apuração dos votos, mas, para os que querem desacreditar a democracia, os fatos pouco importam. O que vale é o discurso distorcido, com o qual tentam disseminar desconfiança.

É interessante notar que, ao contrário do que afirmaram as fake news, as eleições municipais de 2020 foram um excelente exemplo do vigor da democracia no País. “Conseguimos fazer uma eleição (na pandemia), evitamos uma prorrogação (dos mandatos atuais), adiamos para um momento em que foram feitas com mais segurança, conseguimos que o plano de segurança fosse observado e que não houvesse disseminação da doença, conseguimos uma abstenção bem baixa, de 23%, e conseguimos controlar as fake news e divulgar o resultado no mesmo dia”, lembrou o presidente do TSE.

No entanto, a despeito de todos esses fatos muito positivos, houve quem quisesse reduzir as eleições de 2020 ao problema operacional no computador do TSE, que, sem afetar a apuração, provocou atraso na divulgação dos resultados. Essa tentativa de distorcer a realidade não é ingênua e tampouco é casual. É parte da tentativa de minar os fundamentos do regime democrático. 

“Com muita frequência, muitas vezes, mesmo nas democracias, há um esforço de desacreditar o processo eleitoral”, disse o ministro Luís Roberto Barroso. Citou, como exemplo, as últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos, com a recusa de Donald Trump em aceitar a vitória de Joe Biden. Sem nenhuma prova, Trump repetiu durante semanas que o resultado das urnas era uma farsa, em clara tentativa de desacreditar as eleições.

Os ataques ao sistema eleitoral, tanto as ações de hackers como a disseminação de desinformação nas redes sociais, são graves ameaças ao regime democrático, já que contêm a essência do autoritarismo. Todas essas perversas manobras têm em comum a não aceitação de que o poder seja investido a terceiras pessoas, conforme o resultado das urnas. Os autoritários não gostam do voto. Por isso, disseminam tanta desconfiança em relação ao processo eleitoral. 

“Há uma onda populista, autoritária e conservadora radical no mundo”, disse Luís Roberto Barroso. “Eu me refiro ao conservadorismo radical que se manifesta pela intolerância, pela agressividade, procurando negar e retirar direitos de quem pensa diferente”. Seja qual for a cor ideológica ou o meio utilizado, o autoritarismo é sempre nefasto. É preciso estar alerta. A liberdade e a democracia são inegociáveis.

O MEC de Bolsonaro – Opinião | O Estado de S. Paulo

Ministério da Educação do atual presidente escolheu o caminho do conflito e da omissão

O governo de Jair Bolsonaro é inepto em muitos campos, mas sua inépcia é especialmente gritante em uma área: a educação. Em dois anos, houve quatro ministros da Educação, inúmeras confusões e uma completa ausência do governo federal na discussão de políticas públicas educacionais. Não há como melhorar a nota: é sofrível a avaliação da primeira metade do mandato de Jair Bolsonaro em relação à educação.

Chama a atenção que um presidente eleito com uma agenda reformista, prometendo promover o desenvolvimento social e econômico do País, tenha transformado o Ministério da Educação (MEC) em palco da agenda ideológica e do negacionismo. Em vez de cumprir seu papel de coordenação e diálogo com Estados e municípios, o MEC de Bolsonaro escolheu o caminho do conflito e da omissão.

Com trajetórias profissionais diferentes, Ricardo Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub, Carlos Alberto Decotelli e Milton Ribeiro têm uma característica em comum. Até a nomeação pelo presidente Jair Bolsonaro, nenhum dos quatro tinha experiência na administração de políticas públicas educacionais. Como se vê, o Palácio do Planalto não tem ideia da importância do MEC, tampouco da complexidade de suas atribuições.

A inexperiência dos ministros da Educação não foi, no entanto, o problema mais grave. Essa característica comum mostrou ser apenas o sintoma de algo mais deletério: o desprezo que o governo de Jair Bolsonaro tem pelo papel do MEC na educação do País.

Isso ficou muito claro, por exemplo, ao longo do tempo em que Abraham Weintraub esteve à frente da pasta, de abril de 2019 a junho de 2020. De forma espantosa, o sr. Weintraub dedicou-se a agredir e a desinformar. Conseguiu a proeza de criar problemas diplomáticos com a China. Deixou a pasta e o País às pressas, depois de o Supremo mantê-lo como investigado no inquérito referente a ameaças contra a Corte. Aquele que era responsável, no plano federal, por orientar e coordenar a formação das novas gerações estava mais preocupado em escapar das consequências da lei.

O substituto de Abraham Weintraub ficou poucos dias no cargo, em razão de inconsistências curriculares. Diferentemente do que constava em seu currículo Lattes, Carlos Alberto Decotelli não tinha o título de doutor pela Universidade Nacional de Rosário (Argentina), não era professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e não fez um pós-doutorado na Universidade de Wuppertal (Alemanha). Além disso, foram descobertos indícios de plágio em sua dissertação de mestrado. Era essa a ficha da pessoa escolhida por Jair Bolsonaro para estar à frente do MEC.

Desde o mês de julho, o pastor e professor Milton Ribeiro responde pelo Ministério da Educação. Mais contido que Weintraub – não há notícia, por exemplo, de que tenha participado de atos antidemocráticos –, o novo ministro não deu, no entanto, um rumo ao MEC.

Em setembro, por exemplo, Milton Ribeiro disse, em entrevista ao Estado, que o retorno às atividades escolares presenciais e o acesso à internet não eram temas do MEC. Questionado se não era papel do MEC posicionar-se sobre a volta às aulas, o ministro da Educação mostrou desconhecimento sobre a complexidade do tema. “Por mim, voltava na semana passada, uma vez que já superamos alguns itens, saímos da crista da onda e temos de voltar”, disse.

A ausência do MEC na discussão das políticas públicas educacionais não se deve à falta de oportunidade. Por exemplo, em 2020, o Congresso debruçou-se detidamente sobre o Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb), tendo aprovado uma Emenda Constitucional relativa ao tema, bem como sua regulamentação. O Fundeb é o mais amplo programa de financiamento da educação no País, e o governo de Jair Bolsonaro simplesmente esteve à margem de sua formulação.

Educação é assunto sério, com efeitos de curto, médio e longo prazos sobre todo o País. Não basta que o ministro da Educação não publique tuítes grosseiros com erros de português, como fazia Abraham Weintraub. Precisa haver governo, no sentido estrito do termo.

Exemplo de administração – Opinião | O Estado de S. Paulo

Em dois anos, Ministério da Infraestrutura firmou reputação de ‘oásis’ no atual governo

O Ministério da Infraestrutura arrecadou R$ 87,5 milhões em outorgas com o leilão de quatro terminais portuários em Alagoas, Bahia e Paraná. “Fechamos o ano em grande estilo”, celebrou o ministro Tarcísio de Freitas. Mais do que isso, o leilão simboliza a boa trajetória de uma das poucas pastas que, em dois anos de governo, tiveram um balanço positivo e mesmo excepcional na comparação com o restante da máquina pública.

Só em 2019, foram 27 leilões de concessão: 13 terminais portuários, 1 trecho da Ferrovia Norte-Sul, 2 rodovias e 12 aeroportos. O saldo em 2020 só não foi melhor porque, em razão da pandemia, foi preciso prudentemente adiar as concessões de rodovias e sobretudo de aeroportos, um dos setores mais severamente afetados.

Transporte e logística são gargalos crônicos da produtividade e competitividade nacional, notadamente do agronegócio, cujo alto desempenho “da porteira para dentro” é desidratado pelas condições precárias de infraestrutura quanto maior seja a distância até o comprador. 

No pós-guerra, o País fez altos investimentos em infraestrutura (em sentido amplo, incluindo eletricidade, saneamento e telecomunicações), chegando a uma média de 5,42% do PIB nos anos 70. Em anos recentes, a média está abaixo de 2%. Especialistas como Claudio Frischtak, da Inter B. Consultoria, estimam que nos próximos 20 anos seria preciso aumentar a média para algo entre 4% e 6%. Mas a má governança, insegurança jurídica e regulatória e legislação anacrônica são entraves a isso. Muito além da bem-sucedida agenda de concessões, cujos melhores frutos serão percebidos no médio prazo, o Ministério da Infraestrutura teve muito boa atuação nestas áreas.

Já ao ser indicado, o ministro Tarcísio de Freitas anunciou que adotaria um programa especificamente voltado para o combate à corrupção, fundamentalmente um setor marcado, até recentemente, pelo tráfico de influências e vantagens indevidas, bem como um protocolo para a seleção de servidores. Na sua posse, declarou que, além das concessões, seriam prioridades o equilíbrio da regulação; a modernização dos processos; e a diversificação da matriz de transportes, incluindo setores subutilizados, como ferrovias, cabotagem e hidrovias. Ao longo de dois anos, o Ministério firmou uma reputação de “oásis” ou “ilha de excelência” no governo. 

Formado com as melhores notas na história do Instituto Militar de Engenharia, Freitas é servidor de carreira na Controladoria-Geral da União, atuou como consultor legislativo na Câmara dos Deputados e teve atuação marcada por rigor técnico e espírito público no Departamento Nacional de Infraestrutura (no governo Dilma Rousseff) e na Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (no governo Temer).

Em contraste com a maioria dos ministros de pastas estratégicas do governo Bolsonaro, a gestão de Freitas se destaca pela ausência de ruídos ideológicos e pelo pragmatismo. Enquanto o “superministro” da Economia, Paulo Guedes, por exemplo, alardeia planos bombásticos, mas jamais concretizados de desestatização, Freitas cumpriu o que prometeu, usando mesmo estatais outrora condenadas, como a EPL e a Valec, como ferramentas de planejamento e incubadoras de projetos. Enquanto o ministro do Meio Ambiente deixa em seu rastro um campo minado para os investidores, Freitas fechou uma parceria histórica com a Climate Bonds Initiative para a emissão de “selos verdes” no setor de infraestrutura.

Na pandemia, o ministro atuou rápido para aliviar as pressões sobre um dos setores mais devastados, a aviação, e costurou com o Congresso o aporte de recursos para obras via emendas parlamentares, garantindo a geração de empregos sem ameaça aos pilares fiscais. Também negociando com o Congresso, conseguiu aprovar duas minirreformas – da desburocratização dos portos públicos e do Novo Marco das Ferrovias – e o projeto BR do Mar, na Câmara, que impulsionará a navegação de cabotagem.

Por tudo isso, o Ministério da Infraestrutura é hoje um exemplo para a administração pública brasileira. Pena que seja uma gritante exceção no seu próprio governo. 

Biden impõe teste para Bolsonaro – Opinião | O Globo

Em nome do interesse nacional, é fundamental que o presidente se entenda com o sucessor de Trump

A chegada de Joe Biden à Casa Branca, no dia 20, será um desafio e tanto para Jair Bolsonaro. Ele tem a chance de acertar, se ajustar sua política externa ao multilateralismo que Biden decerto restabelecerá no Departamento de Estado. Ou de errar mais uma vez, caso insista na visão estreita e isolacionista do nacional-populismo preconizado por seu inspirador, o derrotado Donald Trump.

A devoção de Bolsonaro a Trump — que nenhuma vantagem trouxe ao Brasil —trará doravante problemas ainda mais sérios, pois aumentará nosso isolamento no mundo. Biden conhece bem o país, sabe exatamente quem é Bolsonaro e o que ele representa. Seu partido, o Democrata, tem parlamentares atentos a temas que desgostam o presidente brasileiro, como direitos humanos e meio ambiente.

No primeiro debate da campanha contra Trump, Biden citou o péssimo exemplo brasileiro na Amazônia e ameaçou o país com sanções caso a devastação continue. Também acenou com uma ajuda bilionária para o país fazer o certo no meio ambiente. Bolsonaro soltou uma de suas bravatas nacionalistas, ameaçando os Estados Unidos com “pólvora”, caso a saliva da diplomacia não fosse suficiente para convencer os americanos a não se meter.

Foi uma declaração digna da comédia “O rato que ruge”, em que o governante de um país irrelevante declara guerra aos Estados Unidos para tentar tirá-lo da bancarrota. Só uma mentalidade ignorante dos caminhos da diplomacia, mais afeita aos delírios de militantes e milicianos, imaginaria usar armas para preservar árvores. Quando nem sequer o Exército brasileiro consegue defender a floresta de madeireiros e garimpeiros ilegais, fica evidente que o país precisa de cooperação internacional para criar na Amazônia atividades econômicas sustentáveis.

A gafe é ainda mais lamentável porque, queira ou não, Bolsonaro terá de se entender com os Estados Unidos. Trata-se do segundo maior parceiro comercial do Brasil, cuja influência como potência hegemônica no planeta deverá voltar a crescer na gestão Biden.

Por isso mesmo, Bolsonaro precisará de novos ministros no Itamaraty e no Meio Ambiente. Ernesto Araújo e Ricardo Salles se tornaram símbolos vivos do extremismo na política externa e na questão ambiental. O primeiro, notável pelo delírio ideológico que tem estraçalhado a tradição profissional da diplomacia brasileira. O segundo, responsável pelos piores índices recentes de destruição na Amazônia, resultantes da “boiada” do desmonte dos sistemas de vigilância ambiental.

Não só o meio ambiente separa Bolsonaro de Biden. Ainda vice de Barack Obama, quando veio ao Brasil em 2014, Biden trouxe na bagagem 43 relatórios produzidos pela inteligência americana entre 1967 e 77, sobre torturas, censura e assassinatos da ditadura militar, contribuição para o trabalho da Comissão Nacional da Verdade. Manter diálogo com alguém bem mais poderoso, que repudia o regime que Bolsonaro não cansa de reverenciar, será um grande teste de maturidade política. Rugidos de nada adiantarão.

Vacina traz esperança, mas não garante recuperação econômica – Opinião | O Globo

Imunização ainda é incipiente. Pandemias do passado sugerem postura cautelosa nos investimentos

A vacinação em massa é vista como grande esperança para erradicar o novo coronavírus e dar início a uma recuperação econômica sustentável. Não há dúvida de que o impacto da vacina será positivo, mas a história recomenda, na visão de vários economistas, cautela ao prever uma recuperação rápida da economia global, em 2021 e nos próximos anos.

Um primeiro motivo é que a segunda onda de contágio tem se mostrado até mais perniciosa que a primeira. Países como França, Reino Unido e Alemanha já promovem novas quarentenas. Mesmo que menos rigorosas que as anteriores, o impacto na atividade econômica será inevitável.

A imunização ainda é incipiente nos países que já começaram a vacinar suas populações — e, no Brasil, ainda não passa de um plano. Pelo menos até o final de 2021, não haverá efeito perceptível no nível de imunidade coletiva que seja suficiente para resgatar a confiança dos agentes econômicos. A postura cautelosa deverá perdurar entre os investidores, retardando uma recuperação mais robusta.

Segundo motivo para cautela: mesmo que a vacina erradique o vírus, não porá fim a seus efeitos econômicos. As conclusões de pesquisas que avaliaram o impacto de pandemias do passado no nível de atividade demonstram que as sequelas na economia se manifestam num prazo muito mais longo que os anos em que afetam a saúde pública.

“Pandemias são seguidas por períodos sustentados — ao longo de décadas — de oportunidades deprimidas de investimento”, afirmam pesquisadores da Universidade da Califórnia em Davis em estudo sobre o efeito econômico de 19 pragas do passado, da Peste Negra medieval à Gripe Espanhola de 1919.

Eles compararam guerras às pandemias e concluíram que, enquanto as primeiras são notáveis pela destruição de capital num período curto, as segundas provocam escassez persistente de mão-de-obra e induzem um nível maior de poupança em detrimento dos investimentos, como resultado do temor e da incerteza diante da mortalidade. A pesquisa também sugere que o endividamento público para arcar com o custo da depressão se revela menos persistente que o resultante das guerras.

Há ressalvas que, dizem os pesquisadores, podem distinguir esta pandemia das anteriores. As incógnitas são maiores que as certezas.

Inépcia mortal – Opinião | Folha de S. Paulo

Incipiente, vacinação em cerca de 50 países evidencia incompetência de Bolsonaro

Países bem-sucedidos no controle da epidemia, como Taiwan e Nova Zelândia, devem começar a vacinação contra a Covid-19 apenas a partir do segundo trimestre deste 2021. Assim também será na Coreia do Sul, embora o plano do governo seja objeto de críticas duras.

Os Estados Unidos previam vacinar 20 milhões de pessoas antes do final do ano passado, mas chegaram perto de apenas 3 milhões.

O país mais avançado na campanha é Israel, que já imunizou mais de 11% de sua população. O Canadá tem contrato firme para a compra de doses suficientes para vacinar seus habitantes cinco vezes. Em contraste, nações mais pobres talvez não tenham acesso aos produtos antes do próximo ano.

O cenário mundial da vacinação é muito irregular, como se vê. Campanhas de imunização se mostram ainda muito incipientes e com resultados variados até agora.

De mais certo, nota-se que os países mais ricos correram para reservar doses mais do que suficientes para proteger seus habitantes, segundo dados coletados pelo Centro de Inovação em Saúde da Universidade Duke (EUA).

Além de providências localizadas e mal explicadas na China e na Rússia, a vacinação começou em dezembro, de modo em geral vagaroso, no restante do mundo. Produtores de petróleo e membros da União Europeia também estão entre os mais adiantados.

Cerca de 50 países já iniciaram o processo, embora os números sejam precários e díspares, com somente algumas centenas de doses aplicadas em alguns casos.

Tendo esses dados em vista, o Brasil não pareceria tão atrasado se não fosse o fato de que as perspectivas de imunização aqui são apenas virtuais —nenhum produto encomendado foi aprovado até o momento, faltam estratégias concretas e, no caso do governo federal, até seringas.

Dadas a experiência e a infraestrutura brasileiras de vacinação, houvesse doses suficientes e começando já os procedimentos, pode-se estimar que toda a população adulta poderia estar protegida pouco depois de meados do ano.

Façam-se as comparações. Segundo dados compilados pela Universidade Oxford, até o final do ano passado o México vacinara 0,02% de seus habitantes; no Brasil, isso equivaleria a mais de 40 mil vacinados. No Chile, 0,05%, o equivalente a cerca de 106 mil brasileiros.

Seria um progresso considerável a esta altura, que já estaria beneficiando profissionais de saúde, idosos e outros estratos vulneráveis à doença. Dificilmente, porém, a campanha brasileira começará antes do terço final deste janeiro, e a incompetência mortal do governo Jair Bolsonaro tende a ficar mais evidente a cada dia.

Mais Aldir Blanc – Opinião | Folha de S. Paulo

Governo acerta em prorrogar uso de verba cultural, mas deve avaliar resultados

As trocas sucessivas e conturbadas no comando federal da cultura ao longo de 2020 constituem bom parâmetro para dimensionar o desgoverno de uma área, que, como se sabe, conforma um dos campos de batalha do bolsonarismo.

Do delirante projeto de “guerra cultural” contra a esquerda do ex-secretário Roberto Alvim à inoperância truculenta do atual, Mario Frias, passando por Regina Duarte e sua nostalgia do ufanismo dos tempos da ditadura militar, a gestão do setor notabilizou-se pela tentativa de promover a agenda retrógrada do círculo presidencial.

Tal ofensiva não esteve restrita ao topo, espraiando-se para outros órgãos ligados à secretaria, que passaram a servir de veículos de um revisionismo histórico infame e sinecuras de apaniguados sem preparo ou experiência na área.

As agruras do setor ganharam dimensão dramática na pandemia. Com a retirada do público das apresentações, artistas e companhias se viram sem a principal fonte de financiamento e renda. Nesse contexto, a Lei Aldir Blanc, proposta pelo Congresso e sancionada em junho, representou inegável alento.

O socorro financeiro de R$ 3 bilhões, repassado a estados e municípios, foi destinado ao pagamento de um benefício temporário de R$ 600 mensais a profissionais da área, a subsídios para manutenção de espaços culturais, pequenas empresas, cooperativas e organizações do setor cultural, e a financiamento de projetos e prêmios.

Seu volume e capilaridade sem precedentes na política cultural brasileira, em tese justificáveis num país de produção tão vasta e dispersa pelo território, constituem também sua fragilidade, diante da inglória tarefa de fiscalizar o uso correto dos recursos.

Dado o tempo exíguo para a execução da vultosa verba prevista na legislação, terminou sendo acertada a decisão da Presidência de prorrogar esse prazo, de 31 de dezembro de 2020 para a mesma data deste ano, atendendo o pedido de artistas e parlamentares.

O governo Jair Bolsonaro também vem se empenhando em tomar para si todo o crédito pela iniciativa, a exemplo do que fez no caso do auxílio emergencial, embora o projeto da lei cultural seja obra do Poder Legislativo.

Trata-se de mais uma mostra de oportunismo —o que será mal menor se ao menos houver esforço em cotejar prós e contras da iniciativa, divulgar resultados com transparência e propor alternativas.

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