Com
saída de Rodrigo Maia do comando da Câmara dos Deputados, presidente perde
apoio para agenda reformista
Não
há o que inventar: à luz dos dados e das evidências, o País precisa de reformas
estruturais para sanear o ambiente de negócios e retomar o desenvolvimento econômico e social.
Além disso, urge para políticas públicas capazes de mitigar os efeitos da
grande crise, recolocando as pessoas no mundo do trabalho e ampliando seus
horizontes no futuro. Bem ou mal, 2020 parece ter convencido parte do Congresso
Nacional e dos formadores de opinião a esse respeito; percebeu-se que,
ainda que não possa nem deva ser abandonada, a agenda fiscal não basta.
Mas nada é simples: mesmo ciente do óbvio, nos últimos anos o País tem ficado pelo caminho se arrastando de crise em crise. Na pandemia, um tolo maniqueísmo que contrapôs a saúde à economia atropelou a agenda e deixou sequelas na inteligência. Na miséria da política e no auge da indigência intelectual, ao final, nem a saúde nem a economia foram poupadas. Restou o pior de três mundos: quase 200 mil mortes, explosão do gasto fiscal e um extraordinário contingente de desempregados e desalentados, dependentes de mais recursos.
No
Brasil, o óbvio precisa gritar mais alto: a economia depende da política e a
política depende da liderança dos agentes, a começar pelo Poder
Executivo. Jair Bolsonaro e seu governo, no entanto, precisariam
se reinventar; mas a mostra de dois anos de mandato diz que isso é improvável.
Não há curva de aprendizado a considerar, o presidente se mantém atado ao fel
do ressentimento, ao negacionismo, ao senso comum; sua obsessão é a reeleição.
O imperativo da Grande
Política também grita, mas o bolsonarismo, desconhecendo o
que é, não pode ouvi-lo.
À
exceção de parte da imprensa e da opinião pública, a verdade é que, no
Congresso Nacional e no meio empresarial, nenhum outro presidente recebeu
tantos gestos de indulgência e tolerância. O Parlamento não apenas impediu
erros crassos do governo, como melhorou medidas que, ao final, bancaram a
popularidade do presidente, como o auxílio emergencial. O corporativismo e os
desatinos vieram de Bolsonaro, não do Congresso. Em 2020, não foram armadilhas da oposição que
pesaram, mas a ausência de governo.
A
não ser por um possível esgotamento da tolerância e da indulgência, não há
sinais de que todo o resto possa mudar. Para 2021, as condições gerais tendem a
se repetir e o quadro a ficar mais dramático. Ademais, quando as fichas são
depositadas no Centrão, qualquer esperança se dissipa: ao Executivo faltam
ideias, iniciativa, habilidade; ao Centrão falta interesse para mudar. No
melhor cenário, a estratégia será defensiva: diminuição de prejuízos políticos,
no máximo a defesa do teto de gastos ou, paradoxalmente, seu desmoronamento em nome
da popularidade, sem riscos de responsabilização do presidente.
Arthur
Lira (PP-AL), candidato de Bolsonaro, não é liderança que se fez com
ideias, princípios e bandeiras econômicas. Ele e seus aliados têm a oferecer
apenas aquilo a que o governo pode recompensar. Não se trata de reformas e,
provavelmente, sequer maioria no longo prazo – caso a popularidade despenque. O
pacote do Centrão se resume à blindagem política e animação eleitoral, não
passa por transformações que firam interesses nos grotões e currais eleitorais.
Enquanto houver recursos, a voracidade fisiológica não encontrará saciedade. O
“depois” fica para as calendas gregas; o compromisso do fisiologismo é sempre
imediato e consigo próprio. Outro óbvio.
Também
é óbvio que a vitória de Lira não é trivial; neste início de ano, é mesmo
incerta. A despeito do poder da máquina federal, um triunfo de Rodrigo Maia,
por meio da candidatura de Baleia
Rossi (MDB), é bastante plausível. Evidente que o MDB e seu redor tampouco têm intolerância à lactose
dos recursos federais. Mas os preços subirão e a relação será mais dura. Sobre
Baleia, haverá maior pressão quanto às prerrogativas da Câmara e algum
compromisso com a esquerda será inevitável. Mais que Maia, Rossi será cobrado a
se posicionar diante de sandices e excessos. Claro que o debate reformista não
estará obstruído, mas óbvio que nada se fará sem o cálculo de perdas e ganhos
políticos: 2022 já começou e o bloco de Maia não estará do mesmo lado que Bolsonaro;
logo o calor reformista da Câmara, na hipótese de favorecer o governo,
obviamente, se abrandará. Mais provável é que crises entre Executivo e
Legislativo sejam mais corriqueiras e mais tensas, talvez com maiores
consequências do que até aqui.
Ao
jogar Rodrigo
Maia e seu grupo para a banda da oposição, Bolsonaro dispensou o
parceiro da agenda que jamais foi capaz de elaborar. Resultado: perdeu apoio
reformista e ganhou pressão fisiológica. A insensatez é o seu Norte. Isso sem
mencionar o que arde fora do Congresso: o desastre da pandemia, o agravamento
da crise econômica, a barafunda da vacina, a pressão de Estados e municípios, a
crise social, as “rachadinhas”, os filhos, a ignorância ideológica; o
isolamento internacional, a desinteligência com a China, a desafronta de Joe
Biden. Óbvios que também gritam alto.
* Cientista político e professor do Insper
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