Junho de 2013 polarizou o Brasil
O Globo
Até hoje país não soube encarar o legado da
onda de protestos que abriu caminho para o extremismo
Dez anos depois dos protestos que sacudiram
o Brasil em junho de 2013, é possível fazer um balanço sereno da mobilização
popular que começou como revolta contra o aumento nas tarifas de ônibus e
metrô, evoluiu para abarcar todo tipo de reivindicação e deixou marcas
profundas na sociedade brasileira. Está na rebelião dos 20 centavos a raiz das
duas principais transformações políticas da última década: a crise
institucional e a polarização ideológica, associadas às redes sociais.
Na organização, os protestos de 2013
reproduziram o mecanismo que engendrou outros movimentos mundo afora, como
Primavera Árabe, Indignados espanhóis ou Occupy Wall Street. As redes sociais
assumiram um protagonismo na comunicação política que persiste até hoje.
Decorre da lógica das redes, movida por algoritmos que privilegiam o
engajamento imediato e as emoções em detrimento da reflexão racional e do
equilíbrio, a crise de confiança que acometeu as instituições estabelecidas,
como academia, imprensa ou Poderes constituídos.
Não é coincidência que, ao longo da década, a principal consequência do rearranjo político que sucedeu aos protestos tenha sido o esvaziamento do centro, organizado em partidos tradicionais como MDB ou PSDB, e o fortalecimento dos extremos, em particular a extrema direita que chegou ao poder com Jair Bolsonaro. Todo o arranjo institucional erguido desde a redemocratização, consolidado na Nova República, foi posto em xeque. A nova classe média a quem os governos petistas haviam prometido o paraíso foi às ruas deixar claro que ainda vivia no inferno dos ônibus lotados, dos hospitais insalubres e das escolas degradadas.
A revolta contra todos os partidos se fazia
sentir quando políticos tentavam aderir aos protestos. Nas ruas houve gritaria
contra quem empunhava bandeiras de legendas tradicionais da esquerda, e tucanos
foram enxotados pelos manifestantes. Ao mesmo tempo, a minoria golpista já
estava presente pedindo intervenção militar, com a mesma desfaçatez que dez
anos depois resultaria na violência do 8 de Janeiro. Nas palavras do colunista
do GLOBO e professor de políticas públicas da USP Pablo Ortellado, “o Brasil se
politizou, não necessariamente para melhor”.
Um estudo de Ortellado e do professor de
sistemas de informação Márcio Moretto Ribeiro, também da USP, constatou que os
protestos plantaram a semente da polarização. Analisando a interação de 12
milhões de usuários do Facebook, eles verificaram sobreposição entre os que se
vinculavam a temas de direita ou esquerda. Quem consultava informações sobre
movimentos sociais progressistas também navegava em espaços que tratavam do
combate à corrupção. Quem acompanhava o combate aos corruptos também acessava
páginas sobre meio ambiente. Aos poucos, porém, o fosso entre os polos foi se
abrindo. Entre 2014 e 2016, não havia mais sobreposição de interesses. Cada
lado passou a viver em sua bolha, e a polarização se consolidou.
Em 2016, três anos depois das
manifestações, as redes sociais ainda fervilhavam com discursos contra os
políticos e a política. Quem se aproveitou foi a extrema direita. A esquerda
não entendeu o que aconteceu em 2013. Pela primeira vez em décadas, perdeu o
monopólio das ruas. Também perdeu a corrida na hora de aproveitar os novos
meios de comunicação digital. Há uma linha de conexão nítida entre os protestos
de 2013, as manifestações pelo impeachment de Dilma
Rousseff em 2015 e 2016 e a campanha à Presidência de Jair
Bolsonaro em 2018. Todos esses movimentos cresceram nas redes sociais à revelia
do que se discutia ou se planejava nos gabinetes.
Embora não houvesse programa explícito e
coordenado entre os manifestantes de 2013, havia duas agendas preponderantes. A
primeira era a luta contra a corrupção, identificada nos estádios erguidos para
a Copa do Mundo e nos escândalos que marcaram as gestões petistas. A segunda
era a demanda por qualidade nos serviços públicos, por ação social eficaz do
Estado, identificada na exigência por transportes, educação e hospitais “padrão
Fifa”. Embora não fossem contraditórias e no início caminhassem juntas, com o
tempo as duas agendas se divorciaram e migraram para polos ideológicos
antagônicos. A esquerda, em especial o PT, passou a ser vista pela direita como
ninho de corruptos. A direita passou a ser encarada pela esquerda como
irremediavelmente insensível à desigualdade e às demandas sociais ou
identitárias.
Não há dúvida de que a principal vítima da
polarização foi o centro ou, mais precisamente, a centro-direita. Partidos
outrora fortes, como PSDB, MDB ou DEM, foram aos poucos reduzidos à sombra do
que já foram. Depois de anos de predomínio da agenda social-democrata encampada
pelos rivais PT e PSDB, era esperado que o Brasil liberal ou conservador
buscasse um caminho para maior representatividade. A surpresa foi ter
encontrado esse caminho num deputado de baixo clero que, ao longo dos 28 anos
que passou na Câmara, agia como uma espécie de “black bloc” parlamentar,
interessado mais em chamar a atenção pela agressividade destrutiva do que em
formular propostas construtivas para o país.
O fortalecimento da extrema direita e o
enfraquecimento da centro-direita, a incapacidade institucional de lidar com um
ambiente político polarizado e movido a desinformação, o predomínio das redes
sociais como forma de mobilização e os riscos para a democracia — tudo isso é
parte indissociável do legado de junho de 2013, que o Brasil até hoje não soube
encarar.
Kiev contra-ataca
Folha de S. Paulo
Guerra entra em nova etapa com ofensiva aos
russos e destruição de represa
Após meses de protelação e, até agora, com
tentativas frustradas de dissimulação, a Ucrânia enfim iniciou sua
aguardada contraofensiva
nas áreas ocupadas pela Rússia após a invasão de fevereiro de 2022.
Trata-se de uma nova, perigosa e vital etapa do conflito que mudou a
geopolítica mundial.
A salva inicial de Kiev ocorreu em 4 de
junho e intensificou-se ao longo da semana, com ataques probatórios contra o
entrincheiramento russo em pontos supostamente mais frágeis da frente de 1.000
km de batalha estabelecida.
Dois dias depois, contudo, houve um
dramático desenvolvimento no quadro, com a destruição da
barragem de Nova Kakhovka, no rio Dnieper, precipitando um desastre
humanitário e ambiental sem precedentes na Europa.
Dezenas de milhares de pessoas foram
afetadas, com grandes áreas nas duas margens —uma controlada pelos ucranianos,
a outra pelos russos— do curso d’água alagadas. Houve mortes, ainda em contagem,
mas a implicação do episódio no longo prazo é enorme.
Lavouras perderam irrigação. Não há água
potável para centenas de milhares de pessoas, segundo Kiev, e a queda no nível
do reservatório da represa cortou o abastecimento da piscina que resfria os reatores
da maior usina nuclear da Europa, Zaporíjia, que está em mãos russas desde
2022.
Por ora não há risco de uma nova
Tchernóbil, mas o temor de desastre nuclear segue à espreita.
Moscou e Kiev se acusam mutuamente pela
tragédia, que no papel favorece um pouco mais os russos do ponto de vista
militar, não muito. Seja quem for o responsável, a magnitude do incidente em
meio ao início da contraofensiva sinaliza o peso da ação.
Supõe-se que a Ucrânia vise cortar a
ligação que a ocupação do sul do país permitiu entre Rússia e Crimeia —preciosa
península anexada por Vladimir Putin em 2014.
Se for bem-sucedido, o presidente
ucraniano, Volodimir Zelenski, deixará o russo em situação militar e política
bastante desconfortável.
Se fracassar, Kiev arrisca ver o apoio
ocidental, exibido nos ataques bancados por bilhões de dólares em ajuda
militar, transformar-se em um ponto de interrogação que só tende a crescer se o
atual governo americano for derrotado nas urnas no ano que vem.
Mesmo o cenário mais provável, intermediário,
sugere o prolongamento do conflito em termos que favorecem os vastos recursos
da Rússia, levando à pressão por um armistício ao estilo do que se vê na
península coreana desde 1953.
Muito está em jogo, e o mundo acompanha
apreensivo o desenrolar em campo, da China aliada de Putin ao Ocidente,
passando por não alinhados como o Brasil.
Esplanada frágil
Folha de S. Paulo
Lula acerta ao evitar enfrentamento com
Congresso; falta-lhe agenda mais ampla
Mudanças ministeriais são quase
corriqueiras no presidencialismo brasileiro —sejam para substituir nomes que se
mostraram inadequados, por mau desempenho ou envolvimento em casos rumorosos,
sejam para reconfigurar a sustentação política ao governo.
Entretanto é inusitado que, decorridos
menos de seis meses de governo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteja diante de
todas essas possibilidades, ainda que não necessariamente vá contemplá-las.
Lula mostrou sensatez na formação de sua
equipe ao incluir representantes de partidos ao centro e à direita. Assim, MDB,
PSD e União Brasil receberam 3 ministérios cada um, em um total de 37 pastas na
Esplanada brasiliense.
Não se viu, porém, a mesma disposição em
dividir a agenda e as decisões de governo. O PT reservou para si e para aliados
próximos quase todos os cargos mais importantes e de maior visibilidade, e a
prioridade do presidente tem sido relançar programas e bandeiras de suas
gestões passadas.
Ademais, o arranjo no primeiro escalão se
revelou frágil para o objetivo de obter maioria no Congresso, especialmente no
caso da União Brasil —legenda que resultou da fusão entre o DEM, de
centro-direita, e o PSL, que antes abrigava Jair Bolsonaro (hoje PL) e
apoiadores.
Além de o partido apresentar elevado grau
de infidelidade em votações no Congresso, dois de seus ministros têm sido
motivo de desgaste para o Planalto e se tornaram alvo de uma eventual reforma.
Daniela
Carneiro (Turismo) está de saída da sigla e é questionada pelo
apoio recebido de grupos ligados à milícia do Rio; Juscelino Filho
(Comunicações) acumula suspeitas variadas em torno de sua conduta no
ministério.
Mais importante, o presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pressiona o governo por postos de mais relevo —o objetivo é
nada menos que o Ministério da Saúde, hoje comandado por uma
técnica, Nísia Trindade, e dono de verbas vultosas de interesse dos
parlamentares.
De pouco adianta, a esta altura, reclamar
das intenções e dos métodos de Lira e do centrão. Lula acerta ao reconhecer a
legitimidade do Congresso hoje mais protagonista e escolher o caminho da
negociação, não do enfrentamento.
O que lhe falta é uma agenda de governo mais ampla que as preferências de seu partido, capaz de aglutinar apoios entre forças do Legislativo e da sociedade.
A legitimidade do marco temporal
O Estado de S. Paulo
A defesa do marco temporal na demarcação
das terras indígenas não é aberração, tampouco retrocesso. É respeito à
Constituição. É submissão de todos à institucionalidade democrática
Observa-se um fenômeno esquisito nos dias
de hoje. A ter em conta os termos do debate público atual, a defesa da
Constituição de 1988 tornou-se sinônimo de retrocesso institucional e de
agressão ao meio ambiente. Aqui, não se fala da fragilidade de argumentos e do
completo irrealismo que é a bandeira pela inexistência de marco temporal na
definição da ocupação tradicional da terra pelos povos indígenas. O assunto é
ainda mais grave. Tenta-se excluir do debate público, como se fosse a priori
uma aberração cívica, a posição em defesa do marco temporal tal como previsto
pelo legislador constituinte.
A causa aparentemente a favor dos indígenas
– apenas aparentemente, pois deseja fazer da demarcação de novas terras uma
eterna disputa, o que é prejudicial a todos – é profundamente antidemocrática.
Não está interessada em respeitar o que determina a Constituição de 1988. Não
está interessada em respeitar o que já reconheceu o Supremo Tribunal Federal
(STF), em 2009, no grande julgamento sobre os processos de demarcação de terras
indígenas. Não está interessada em respeitar o que tem dito, de diversas
maneiras, o Congresso. Na verdade, contra tudo e contra todos, deseja impor uma
específica compreensão sobre o assunto, desautorizando no grito toda e qualquer
opinião diversa. Não é assim que funciona no Estado Democrático de Direito.
É necessário ler a Constituição de 1988.
“São reconhecidos aos índios (...) os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens”, diz o art. 231. O texto é contundente. Os
indígenas não têm direito sobre qualquer terra que eventualmente venham a
ocupar, e sim “as terras que tradicionalmente ocupam”.
Ciente de que o tema poderia suscitar
polêmica – e sendo seu intuito pacificar a questão –, a Assembleia Constituinte
definiu que “são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles
habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas,
as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições”.
A Constituição de 1988 não ignorou a
questão indígena. Ao contrário, o texto é reconhecimento expressivo não apenas
da história dos povos originários, mas da centralidade, para o Estado
brasileiro, do presente e do futuro desses povos. O panorama programático da
Constituição é a proteção efetiva dos direitos dos indígenas. E, não se deve
esquecer, direitos não são realidades imaginárias, que cada um preenche
arbitrariamente como bem entender. Seu conteúdo é definido democraticamente
pela lei.
Precisamente porque pretendeu assegurar
respeito efetivo aos direitos constitucionais dos indígenas, a Constituição de
1988 definiu esses direitos. E definir – dar o contorno específico – é também
fixar limites: onde começa e onde termina. A rigor, a pretensão de não fixar um
marco temporal coloca os povos originários fora da institucionalidade
democrática. Ao atribuirlhes um suposto status jurídico acima da Constituição
de 1988, ela os exclui da cidadania efetiva, em atitude severamente
paternalista.
Não se promove avanço cívico e humanitário
negando a Constituição de 1988. O Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias estabelece, em seu art. 67, que “a União concluirá a demarcação
das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da
Constituição”. Com nítido objetivo de efetividade e de pacificação, o texto
constitucional fixou limitação temporal.
A proteção dos povos originários não
demanda, como alguns querem fazer acreditar, a criação indefinida de novas
reservas. Isso negaria o que o legislador constituinte veio evitar: a
proliferação de novos conflitos sobre o tema, transformando os povos
originários em objeto de eternas contendas políticas. Os indígenas não são
objeto. São cidadãos e, por isso mesmo, igualmente submetidos ao que dispõe a
Constituição de 1988.
Inteligência artificial, sabedoria humana
O Estado de S. Paulo
Ao ampliar a inteligência humana
artificialmente, podemos prosperar como nunca – desde que a usemos para
enfrentar emergências globais, e não para projetos isolados de poder
Desde as pedras lascadas os humanos
produzem com sua inteligência ferramentas que ampliam suas capacidades e
transformam o mundo. Mas o que acontece quando se criam máquinas que reproduzem
a própria inteligência? O que acontecerá quando uma “superinteligência” puder
solucionar qualquer tarefa cognitiva melhor e mais rápido? Utopias e distopias
despontam. Será o maior evento na história humana – mas pode ser o último. A
criatura poderá entregar soluções para erradicar a pobreza, o aquecimento
global, guerras, doenças, a própria morte – ou pode subjugar seus criadores como
animais de estimação e até exterminá-los.
Temores apocalípticos do tipo “Exterminador
do Futuro” proliferam no reino da fantasia há décadas. Na última, lideranças
científicas e tecnológicas começaram a lançar alertas. “Quem se tornar o líder
(na Inteligência Artificial – IA) dominará o mundo”, disse não um supervilão
cinematográfico, mas Vladimir Putin. O futuro se lembrará de 2023 como o
momento “Sputnik” da IA. Tão rápido quanto algoritmos como o ChatGPT
viralizaram em tablets nas mãos dos humanos, o medo invadiu seus corações.
“Devemos permitir que máquinas inundem
nossos canais de informação com propaganda e falsidades?”, indaga um manifesto
assinado por luminares da ciência e tecnologia, pedindo uma “pausa” no
desenvolvimento da IA. “Devemos automatizar todos os empregos, incluindo os que
nos satisfazem? Devemos desenvolver mentes não humanas que podem nos superar em
número, cognição, nos tornar obsoletos e nos substituir? Devemos arriscar
perder o controle da nossa civilização?” Uma advertência do Center for AI
Safety, subscrita por CEOs e programadores de empresaslíderes em IA – como
Google e OpenAI –, resumiu tudo: “Mitigar o risco de extinção da IA deve ser
uma prioridade global junto com outros riscos em escala social como pandemias e
guerra nuclear”.
Tecnicamente, essa mitigação é conhecida
como o “problema do alinhamento”: é preciso alinhar os objetivos da IA com os
nossos antes que ela se torne “superinteligente”. Há os riscos da malevolência
humana – IAs programadas para algo devastador – e os da competência das
máquinas – IAs programadas para uma meta benéfica, mas que desenvolvem métodos
destrutivos para atingi-la.
Há consensos sobre princípios que devem
nortear o desenvolvimento de máquinas inteligentes, como confiabilidade,
transparência, privacidade ou imparcialidade. Alguns podem ser materializados
em leis agora mesmo. Por exemplo, ninguém jamais deveria fazer com que robôs se
passem por humanos nem empregálos em áreas críticas como saúde, o sistema
judicial e o setor militar sem a pré-aprovação do Poder Público e a garantia de
humanos responsáveis pela decisão final. Outros exigirão deliberações entre
governos, empresas de tecnologia, ONGs, academia e a sociedade civil como um
todo. Nenhuma solução será definitivamente satisfatória se não for global.
Felizmente, há precedentes, como os controles de armas nucleares ou da
engenharia genética.
Mais do que frear o desenvolvimento técnico
da IA, é preciso acelerar a busca por sua segurança. De resto, é preciso
alinhar as expectativas. Nenhuma tecnologia jamais fez ou fará um milímetro de
diferença se não for superado o supremo desafio humano de usar o conhecimento
não para alimentar o egoísmo e a destruição, mas para estimular a solidariedade
e a inteligência. “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Onde
está o conhecimento que perdemos na informação?”, perguntou-se T.S. Eliot. Nós
criamos máquinas capazes de computar quantidades ilimitadas de informação e
estamos criando máquinas superprodutoras de conhecimento. Os benefícios potenciais
da Inteligência Artificial são imensos, já que tudo o que amamos na civilização
é um produto da inteligência. Mas tudo estará perdido se não formos capazes de
dominá-la com sabedoria.
Ártico quente
O Estado de S. Paulo
Estudo antecipa em uma década verões sem
gelo no oceano e põe pressão sobre as emissões de carbono
O Oceano Ártico não apresentará mais gelo
marinho no verão a partir da década de 2030 em decorrência das emissões ainda
elevadas de gases do efeito estufa, concluiu recente estudo publicado pela
Nature Communications. A pesquisa antecipa em pelo menos uma década este grave
cenário, para o qual seus autores não veem mais remédio. A consequência será
percebida em todo o planeta, na forma de ondas de calor, chuvas e secas
extremas e incêndios cada vez mais frequentes e devastadores. Não há economia,
território nem população imunes a esses efeitos.
O Ártico sem gelo nos meses de setembro,
fim do verão no Hemisfério Norte, induz à aceleração de seu próprio aquecimento
e diminui a capacidade de o planeta refletir os raios solares. Essa situação
produz um componente tão preocupante quanto esses. O derretimento mais rápido
do permafrost, as áreas congeladas de solo e detritos orgânicos, liberará
maiores volumes de dióxido de carbono e metano na atmosfera. Funcionará,
portanto, como um sistema de retroalimentação do degelo e do aquecimento
global.
O quadro exposto na pesquisa
Observationally-constrained projections of an ice-free Arctic even under a low
emission scenario é resultado inquestionável da ação humana. O alerta aumenta a
pressão sobre líderes mundiais em torno de compromissos mais assertivos e
ambiciosos durante a COP 28, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima marcada para dezembro, em Abu Dabi. Em especial, sobre a redução efetiva
e em prazo mais curto do uso de combustíveis fósseis e sobre a ajuda financeira
dos países mais ricos à transição energética dos menos desenvolvidos.
Na tomada de decisões em Abu Dabi, os
líderes devem considerar a hipótese muito provável de esse cenário vir a ser
pior. Os cientistas Dirk Notz, SeungKi Min, Yeon-Hee Kim e Elizaveta Malinina
valeramse do quadro mais otimista desenhado pelo quase esquecido Acordo de
Paris, de 2015, como base para suas simulações. Ou seja, de que a temperatura
média do mundo não se elevará acima de 2°C até o fim do século, em comparação à
verificada no início da Revolução Industrial, nem ultrapassará o limite de
1,5°C até 2030.
Postergar o degelo do Ártico ainda é
possível, segundo os três cientistas, mas dependeria de um esforço coletivo bem
mais robusto para que o aumento de 1,5°C não se dê em tão breve prazo. As
perspectivas, porém, são mínimas. Em recente relatório, a Organização
Meteorológica Mundial (OMM) prevê essa marca atingida cinco anos antes, em
2028.
Na preparação da COP 28, os Estados Unidos e outros países se articulam para atingir a meta de desembolso de R$ 100 bilhões para o fundo para a transição climática. Esse objetivo fora traçado no Acordo de Paris, e relegado às gavetas pelas maiores economias. Está claro que os países desenvolvidos e os maiores emissores terão, desta vez, de apresentar compromissos mais custosos para si. No caso do Brasil, espera-se o efetivo combate ao desmatamento dos biomas nacionais como melhor contribuição para adiar essa sina do distante Ártico.
O olhar de Pelé para as crianças continua
atual
Correio Braziliense
Era uma quarta-feira, o Maracanã estava
lotado de torcedores, na expectativa do milésimo gol de Pelé, depois de uma
contagem regressiva na qual o rei havia frustrado os torcedores, ao jogar na
Paraíba e na Bahia
Era uma quarta-feira, o Maracanã estava
lotado de torcedores, na expectativa do milésimo gol de Pelé, depois de uma
contagem regressiva na qual o rei havia frustrado os torcedores, ao jogar na
Paraíba e na Bahia. O zagueiro vascaíno Renê cometeu um pênalti na entrada da
área, aos 33 minutos do segundo tempo. Pelé aprendera com Didi, na seleção
brasileira da Copa de 1958, a dar a famosa paradinha, depois de três passos,
antes de bater na bola e deslocar o goleiro. O argentino Andrada até saltou no
canto certo, mas não evitou o gol. Era o dia 19 de novembro de 1969. O Santos
venceu o Vasco por 2x1.
Depois do gol, o jogo parou por 20 minutos.
Aos prantos, carregado pelos colegas, Pelé falou aos repórteres: "Pelo
amor de Deus, olha o Natal das crianças, olha o Natal das pessoas pobres (…)
Pelo amor de Deus, vamos pensar nessas pessoas. Não vamos pensar só em festa.
Ouçam o que eu estou falando. É um apelo, pelo amor de Deus. Muito
obrigado". Naquele 19 de novembro de 1969, em pleno regime militar, muitos
viram demagogia na declaração, mas ela foi fruto de um episódio que ocorrera
dias antes.
Pelé havia saído do treino em Santos e viu
uns garotos tentando roubar um carro perto do seu. Deu uma bronca nos meninos e
mandou que fossem embora, sem roubar carro nenhum. Ao comemorar o gol,
lembrou-se da dificuldade de se crescer e se educar no Brasil. "Foi a
primeira coisa que me veio à cabeça", explicaria, 50 anos depois. Pelé
marcou 1281 gols na sua carreira. Quando criança, foi entregador, engraxate e
vendedor de picolés, como muitas crianças fazem até hoje.
A preocupação de Pelé permanece atual. Há
muitas crianças em situação de risco no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD) sobre Trabalho de Crianças e Adolescentes. Um dos
problemas mais graves é o trabalho infantil. O Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) registrou 1,768 milhão de crianças e
adolescentes de 5 a 17 anos trabalham em todo o território nacional, o que
representa 4,6% da população (38,3 milhões) nesta faixa etária. Esses dados são
os mais recentes, porém de 2019.
Amanhã é o Dia Mundial contra o Trabalho
Infantil, instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2002,
data da apresentação do primeiro relatório global sobre o trabalho infantil. De
acordo com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil
(FNPETI), entre os anos de 2016 a 2019, o contingente de crianças e
adolescentes trabalhadores infantis no Brasil havia caído de 2,1 milhões para
1,8 milhão. Entretanto, com a pandemia e a desarticulação de políticas públicas
no governo passado, a situação pode ter se deteriorado.
Trabalho infantil é toda forma de trabalho
realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, de
acordo com a legislação de cada país. No Brasil, até 13 anos, qualquer trabalho
infantil é proibido; de 14 a 16, admite-se a condição de aprendiz; de 16 a 17,
são proibidas as atividades noturnas, insalubres, perigosas e penosas,
consideradas prejudiciais à formação intelectual, psicológica, social e/ou
moral do adolescente.
As piores formas de trabalho infantil
definidas pela OIT são as de escravidão ou práticas análogas: venda e tráfico
de crianças, sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado ou compulsório
(inclusive recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem
utilizadas em conflitos armados); utilização, demanda e oferta de criança para
fins de prostituição, produção de pornografia ou atuações pornográficas;
utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas,
particularmente para a produção e tráfico de entorpecentes conforme definidos
nos tratados internacionais pertinentes; trabalhos que, por sua natureza ou
pelas circunstâncias em que são executados, podem prejudicar a saúde, a
segurança e a moral da criança.
O trabalho infantil é uma herança do passado colonial e escravocrata. Além de ser uma forma brutal de exploração de mão de obra, é um fator estrutural de desigualdade social, porque afasta as crianças da rede escolar ou compromete seu aprendizado de forma quase irreversível. Muitas vezes, as crianças são exploração pelos próprios pais. Identificar e denunciar a exploração do trabalho infantil é uma forma de combater o problema.
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