Folha de S. Paulo
É preciso reconhecer que o plano do
ministro da Fazenda está sendo implementado
Fernando
Haddad teve uma semana boa.
Na segunda-feira, o Ministério da Fazenda
anunciou o Desenrola, programa de renegociação
de dívidas de brasileiros pobres. O programa beneficiará
famílias com renda de até dois salários mínimos e dívidas de até R$
5.000 contraídas até o fim do ano passado.
Na terça, o grupo de trabalho do Congresso
sobre reforma tributária entregou seu relatório. Saiu bem parecido com o a
proposta do governo Lula.
Como já argumentamos aqui, a reforma
visa implementar
no Brasil um sistema tributário parecido com o dos países desenvolvidos,
baseado em um imposto sobre valor adicionado.
As projeções indicam que a reforma
aumentaria a eficiência do capitalismo brasileiro, não elevaria a carga
tributária total e reduziria um pouco a regressividade do sistema.
Temia-se que a reforma saísse do grupo de trabalho já desfigurada por pressões políticas, a ponto de frustrar essas projeções. Não aconteceu. Foi uma vitória do governo Lula.
O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira,
cuja relação com o governo nem sempre é marcada pelo tesão embriagado do
primeiro amor, declarou que a reforma deve ser votada ainda no primeiro
semestre.
Considerando, além disso, que o
novo arcabouço fiscal já foi aprovado na Câmara, é preciso reconhecer que o
plano de Haddad está sendo implementado.
Não é fácil implementá-lo, mas não há nada
no Brasil atual que seja ao mesmo tempo fácil de implementar e tenha chance de
dar certo fora da cabeça de quem propõe.
Por que, entre as propostas de Lula, a
agenda econômica anda mais fácil no Congresso?
As hipóteses que tenho ouvido refletem o
debate sobre o funcionamento atual do presidencialismo brasileiro que discuti
na coluna de 27 de maio.
Para alguns, Haddad é um negociador mais
competente que Padilha ou Rui Costa. Na semana passada, inclusive, o
vice-presidente Geraldo
Alckmin teve que desmentir na CNN Brasil o boato de que Haddad substituiria Rui
Costa na Casa Civil.
Por outro lado, uma fonte do governo já
disse à jornalista Mônica Bergamo que o governo (como um todo, não só a
Fazenda) está priorizando
a pauta econômica em suas negociações com o Congresso, preocupado com o
efeito da economia sobre suas chances de sucesso.
Finalmente, é possível que Lira e seus
correligionários estejam se orientando por critérios ideológicos, aprovando
pautas amigáveis ao empresariado para construir apoio para a direita na eleição
presidencial de 2026.
Seja como for, parte da esquerda ainda não
parece convencida pela agenda que Lula priorizou nas negociações com o
Congresso.
Na votação do arcabouço fiscal, por
exemplo, um grupo grande de parlamentares petistas votou "sim" sob
protesto. Foi meio esquisito. O arcabouço é bom, mas suponhamos que fosse ruim:
a população perdoaria quem o aprovou porque, veja bem, antes de aprovar a gente
fez um manifesto?
Por outro lado, semana passada, esta Folha publicou um
editorial dizendo que o
governo errava na área econômica, mas que o mais importante era seu papel
na normalização democrática.
Concordo inteiramente com esse ordenamento
de prioridades, concordo que várias medidas listadas no editorial foram erros,
mas, enfim: seja lá por qual combinação entre seus méritos pessoais, o apoio de
Lula e a flexibilidade de Lira, Haddad está dando certo como ministro da
Fazenda.
*É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".
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