Folha de S. Paulo
Livro discute diferentes concepções de
tempo e diz que precisamos agir para preservar o futuro
Uma ideia com a qual a maioria das pessoas
que viveram o isolamento dos primeiros meses da epidemia de Covid-19 concordará
é que o tempo ficou esquisito. Enfurnados em nossas casas, com os contatos com
gente do mundo exterior mais ou menos restritos aos aplicativos de comunicação,
os dias se sucediam num ritmo bem diferente do ordinário, muito mais
indistintos, o que mudava radicalmente nossa percepção subjetiva do tempo.
"Saving Time" (ganhando tempo), de Jenny Odell, é o primeiro livro que leio que arrisca reflexões sobre esse tempo pandêmico. E sobre vários outros tempos, incluindo o da física, da geologia, da ecologia, da economia, da linha de montagem, de povos indígenas e vários outros. Há espaço também para os estados emocionais e filosóficos que percepções do tempo podem provocar em nós, que vão do niilismo ao fatalismo.
O resultado, como não poderia deixar de
ser, é um pouco caótico. Eu pelo menos me senti meio desamparado durante a
leitura, também porque a autora, que é artista e escritora, combina diferentes
recursos narrativos, do discurso filosófico e científico ao memorialismo e à
crítica cultural, para estruturar o livro. E a minha impressão é que o faz de
caso pensado. Além de proporcionar ótimos "insights", o estilo meio
caótico provoca um estranhamento que é útil para o propósito de Odell, que é
nos fazer questionar a ideia de tempo linear e bem-comportado, ditado pelos
ponteiros do relógio, tão central para o sistema produtivista que rege nossas
sociedades. Uma imagem eloquente que Odell explora bem é a de Carlitos, o
personagem de Charlie Chaplin, sendo submetido às experimentações de um
projeto taylorista no filme "Tempos Modernos".
Para a autora, agora mais do que nunca —a
ameaça de colapso climático iminente é uma constante no
livro—, precisamos recalibrar nossa concepção de tempo para que possamos agir
de modo a preservar o futuro.
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