O Globo
Contra incendiários de biomas, o único
remédio ainda é o antigo: vontade política, aplicação rigorosa da lei e pressão
da sociedade
Na tarde de sexta-feira, Greta Thunberg se
plantou pela última vez em frente ao Parlamento sueco, em Estocolmo, empunhando
o mesmo cartaz de seus últimos cinco anos de ativismo: Skolstrejk för Klimatet,
ou “greve estudantil pelo clima”. Era seu derradeiro dia de escola,
interrompera os estudos por mais de um ano para rodar o mundo em defesa do
clima e agora, aos 20 anos de idade, passava o bastão da militância adolescente
para novas gerações.
Thunberg não é mais a atrevida pirralha de tranças que, com pouco mais de 15 anos, passou a ser ouvida em constrangido silêncio pelos adultos do poder mundial. “Vocês não são maduros o suficiente para falar a verdade [sobre a extensão da crise climática]”, admoestou diplomatas e negociadores presentes à COP24 na Polônia, em 2018. No ano seguinte, em Davos, escoriou a nata dos que acorrem anualmente ao encontro para sentir-se importantes, com um: “Vocês precisam agir como se a casa estivesse pegando fogo, porque ela está”. Tinha razão a pirralha assumidamente autista que deu escala global e amplitude geracional ao movimento em defesa do clima. A casa está pegando fogo.
O planetinha de fato está a arder. Ano após
ano, chamas selvagens destroem vastidões cada vez maiores, atravessam
fronteiras e tornam mais tóxico o ar que respiramos. Um historiador e professor
da Universidade do Arizona, Stephen J. Pyne, especializado em meio ambiente e
na História do fogo, chegou a criar um termo para essa escalada: pirocênio.
Nesta semana foi a vez de a Costa Leste dos
Estados Unidos sentir nos olhos, pulmões, narinas e boca as consequências da
fumaça cuspida por incêndios florestais no Canadá. Por um dia, foi
como se um espesso cobertor de partículas acres tivesse coberto a cidade
de Nova York,
que chegou a ultrapassar a capital da Índia, Nova Délhi, em péssima qualidade
do ar. Respirar deixou de ser banal. “Senti a garganta como se tivesse engolido
um bombom de carvão”, escreveu David Wallace-Wells, autor do inquietante “A
terra inabitável”, sobre aquecimento global.
Apesar de o verão ainda não ter começado no
Hemisfério Norte, a província canadense do Québec, sozinha, já registrou mais
de cem incêndios florestais fora de controle. Mais de 90 milhões foram afetados
pelos gases tóxicos respirados, uma vez que não existem muros nem barreiras
capazes de evitar o tráfego aéreo das partículas abrasivas. Segundo
Wallace-Wells, 60% da fumaça poluente gerada por incêndios na Costa Oeste dos
EUA afeta quem mora fora dos estados em chamas. Isso vale para o resto do
mundo. Que morador de São Paulo não lembra a sinistra escuridão que envolveu a
cidade numa tarde de agosto de 2019, e novamente em setembro do ano seguinte,
proveniente de queimadas na Amazônia e no Pantanal? Parecia prenúncio de
apocalipse. Com um agravante trágico em relação aos incêndios no Canadá ou na
Califórnia: mais de 80% das queimadas e incêndios florestais brasileiros são
intencionais, obra de predadores brasileiros, gente de carne e osso, mas
desprovida de um pensar minimamente coletivo.
Pastos, fazendas improdutivas, mineração
selvagem, madeireiras ilegais, exploração de terras indígenas — os agentes
destrutivos de nossos solo, floresta e ar são conhecidos. Por isso mesmo, pelo
menos em tese, também mais fáceis de cercear que os horrendos incêndios
naturais do “Verão Negro” australiano de 2019/2020.
Naquele ano, um céu apocalíptico tragou a
cintilante Baía de Sydney. As mundialmente imaculadas praias do sudeste do país
se viram transformadas em pontos de evacuação para refugiados do fogo. Mais de
8 mil integrantes da Defesa Nacional Australiana, em conjunto com 76 mil
voluntários do Corpo de Bombeiros Rurais, não deram conta dos 15 mil incêndios
que arderam durante seis meses. Um apanhado conservador daquela tragédia fala
em pelo menos 3 bilhões (sim, com b...) de animais mortos e 100 mil colmeias de
abelhas destruídas. A saúde dos rios, lagos, bacias e parques nacionais do país
passa por reavaliações constantes desde então.
Seguiram-se anos de investigação e pesquisa
até o governo elaborar um relatório que oferece estratégias para qualquer nação
interessada em combater incêndios florestais naturais. Também a ONU se debruçou
sobre o tema. Em relatório elaborado por mais de 50 especialistas globais, a
entidade prevê aumento de 30% no número de incêndios extremos até 2050.
Contra incendiários de biomas para proveito
próprio, contudo, o único remédio ainda é o antigo: vontade política dos
governantes, aplicação rigorosa da lei e pressão da sociedade. “Não creio que
as mudanças de que precisamos virão dos que detêm o poder”, disse Greta
Thunberg em entrevista a Wallace-Wells. “Isso terá de vir de fora, quando um
número suficiente de vozes exigir a grande mudança.”
Acorda, Brasil, o mundo precisa de ar.
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