Blog do Noblat / Metrópoles
Felizmente, o Brasil adotou as cotas para o
ensino superior, mas esqueceu dos nossos compatriotas analfabetos
No mesmo dia em que um jornal noticia os 10 anos da lei das cotas raciais para ingresso no ensino superior é publicada também a notícia de que o Brasil tem dez milhões de analfabetos adultos, esquecidos das cotas. Há razões para comemorar o sucesso da Lei de Cotas, que em parte mudou a cor da cara da elite universitária, mas não devemos ignorar a falta de um esforço para eliminar a tragédia e vergonha nacional do imenso contingente de brasileiros incapazes de ler. As cotas ajudam a ingressar no ensino superior alunos que concluíram o ensino médio com dificuldades. Mas em nada ajuda a diminuir o número dos que são deixados para trás, sem conclusão da educação se base: ficam analfabetos plenos, não terminam ensino fundamental e ficam analfabetos funcionais, ou terminam um ensino médio tão sem qualidade que sabem ler mas estão são analfabetos para a contemporaneidade: não adquirem o mapa para caminhar no mundo em busca da própria felicidade e sabendo como participar para fazer o mundo melhor e mais belo.
Felizmente, o Brasil adotou as cotas para o
ensino superior, mas esqueceu dos nossos compatriotas analfabetos, incapazes de
reconhecer a própria bandeira. Faz 45 anos que foi proclamado o fim da tortura
contra presos políticos, mas se mantém a tortura do analfabetismo. No mundo
atual, uma pessoa que não sabe ler carrega um chicote dentro do cérebro: a cada
vez que aparece um texto escrito em frente, o chicote é acionado e tortura a
pessoa mentalmente.
É surpreendente que os defensores das cotas
não percebam ou não se importem que pelo menos 8 dos 10 milhões de analfabetos
são afrodescendentes e continuam esquecidos, porque todos eles são pobres.
Desprezam o fato que as cotas esquecem dos
que precisam ser alfabetizados para o mundo contemporâneo, com um ensino médio
de qualidade para todos, que ofereça negros e brancos, pobres e ricos, com uma
escola de qualidade que lhes permita saber o que é necessário para se orientar
no mundo moderno, com emprego e renda, participação social e política,
usufruindo o que este mundo oferece.
As cotas são necessárias e seus dez anos
mostram que são positivas, mas não bastam. Elas funcionam como espécie de
alforria para alguns, mas não como a Abolição para todos escravos. A abolição
exige um esforço nacional por educação de base com a máxima e igual qualidade
para todos, independente da renda, do endereço e da raça. Apesar de positivas,
as cotas raciais incorporam alguns nos privilégios de poucos, mas não elimina
com o privilégio que ainda oferece educação de base com qualidade para poucos.
As cotas não eliminaram o privilégio de que
apenas uma parte dos brasileiros pode se beneficiar delas, os que terminaram um
bom ensino médio, que deveria ser para todos.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
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