O Estado de S. Paulo
Nenhuma política de reconstrução e modernização da economia irá muito longe se a educação continuar negligenciada
Alfabetização deve ser o projeto mais
ambicioso do governo brasileiro, responsável pelo país mais industrializado da
América Latina, mas também um dos menos educados e mais desiguais do mundo
emergente. Cerca de seis em dez alunos (56,4%) eram analfabetos ou
insuficientemente alfabetizados no fim do segundo ano fundamental, em 2021,
segundo o Ministério da Educação. Ao comentar esse dado, no fim de maio, o
ministro Camilo Santana prometeu um pacto nacional pela alfabetização, com ação
conjunta das autoridades federais e estaduais. Não se reduzirão as enormes
desigualdades sem uma distribuição muito mais ampla da educação básica, num
esforço paralelo à universalização do saneamento. Sem um esforço muito sério
nessas duas frentes, será ilusório falar da tão valorizada igualdade no ponto
de partida.
O sucesso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva será mensurável, em grande parte, pelos canos de esgoto instalados e pelo bom uso de cartilhas durante seu mandato. Tem-se falado muito mais, no entanto, sobre crise industrial e sobre a necessidade, cada dia mais evidente, de uma política de reindustrialização – ou neoindustrialização, segundo o vocabulário oficial. A urgência dessa política é certamente mais perceptível do que as carências da instrução fundamental.
Entre 2010 e 2021 o Brasil passou do 28.º
para o 34.º lugar entre os exportadores de manufaturados, segundo informação
divulgada pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). A
indústria brasileira é a 15.ª maior na classificação mundial, mas pouco
integrada globalmente e menos competitiva do que há dez ou 15 anos. Em abril, a
produção industrial foi 2,7% menor que a de um ano antes e 2% inferior à de
fevereiro de 2020, antes do grande impacto da pandemia. Promover a
reindustrialização deve ser uma prioridade para o governo, mas a construção de
um novo setor manufatureiro, mais voltado para a integração e a competição,
envolverá um empenho muito maior na formação de mão de obra.
Preparar trabalhadores qualificados ou
qualificáveis dependerá de novas políticas de formação técnica e de uma
revalorização do ensino médio. Mas esse esforço será insuficiente para um
avanço duradouro, se faltar um sério esforço de universalização e de reforma da
educação elementar.
Nenhuma indústria será mais moderna, mais
produtiva e mais competitiva num país com tantos analfabetos ou
semialfabetizados, nem as desigualdades serão menos escandalosas. Fala-se muito
sobre a importância de uma reforma tributária e diferentes setores defendem
diferentes mudanças nos impostos e no chamado ambiente de negócios. Discutem-se
muito menos, no entanto, as carências educacionais, um tema ainda pouco
valorizado nos comentários sobre os objetivos e compromissos do novo governo.
O prometido pacto pela alfabetização
poderá, se levado a sério pelas autoridades federais e estaduais, dar
longevidade às esperadas políticas de revitalização industrial e de redução da
pobreza. Mas cumprir esse pacto implicará decisões importantes sobre a
destinação e a aplicação efetiva do dinheiro público. Valorizar a educação,
assim como buscar a universalização do saneamento, poderá envolver um
reescalonamento de objetivos e de gastos.
Governantes sérios enfrentarão o problema
de repensar o Orçamento e a distribuição de verbas, sem recorrer ao artifício,
obviamente enganador e irresponsável, de isentar dos limites fiscais os gastos
prioritários. Nenhuma despesa bem-intencionada é sustentável por vários anos
sem o bom manejo das contas públicas. Recursos do Tesouro são limitados. Convém
lembrar essa obviedade, talvez acaciana, mas muito útil.
Responsabilidade fiscal deve ser sempre
respeitada como fator de segurança. Desajustes podem ser justificáveis em
circunstâncias difíceis, como recessões ou desastres naturais. Mas também por
isso a busca do equilíbrio deve ser o padrão dominante. É preciso conservar
energia para os momentos mais difíceis. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
já deve conhecer essa regra, mas, se for necessário, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, poderá dirigir-lhe um lembrete. Ou providenciar uma
“repaginação” da política presidencial, como explicou o ministro, depois de
estender a ônibus e caminhões o incentivo anunciado inicialmente apenas para
carros.
Em mandatos anteriores, o PT procurou
facilitar o acesso ao chamado ensino superior. Criaram-se muitas vagas em
faculdades e o sistema universitário foi expandido, mas pouco se fez, nos
gabinetes federais, para corrigir o gargalo do ensino médio e para ampliar a
educação fundamental. Essas tarefas, poderia alguém responder, seriam mais
típicas de governos de Estados e de municípios. Mas essa observação perde
relevância quando se pensa na escolha de prioridades nacionais. A escolha pode
ser melhor para o País quando se deixa de cuidar, por algum tempo, dos ganhos
de popularidade e dos efeitos eleitorais de cada política. O Brasil ganhará se
o poder federal cuidar mais, neste momento, da educação dos futuros eleitores.
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