segunda-feira, 20 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Recursos para reconstrução ainda são problema para RS

Valor Econômico

Mesmo com suspensão do pagamento das dívidas, receitas do Estado estão em previsível queda livre

Mais de três semanas depois que as chuvas começaram a desabar sobre o Rio Grande do Sul, grande parte do Estado continua debaixo d’água, com restrita mobilidade nas e entre as cidades, com enchentes que atingiram 461 dos 497 municípios. O rio Guaíba continuará acima do nível de inundação até o fim de maio. As águas da Lagoa dos Patos ainda sobem, ameaçando cidades vizinhas. Noventa por cento das indústrias estavam paralisadas até quinta-feira. Nunca o Rio Grande do Sul e o Brasil viram uma tragédia igual por sua intensidade, extensão e duração. O trabalho de reconstrução será demorado, caro e bem mais complexo que uma simples reposição do que foi destruído. O aguaceiro deixou claros muitos locais onde os gaúchos não podem mais habitar, com risco de vida certo. Planeja-se até mesmo mudar algumas cidades de lugar.

O trabalho de pôr toda a infraestrutura de pé, e não necessariamente na configuração anterior, excede as forças materiais, econômicas e financeiras do Estado. Como não poderia deixar de ser, ainda mais em um país em que catástrofes ambientais se sucedem sem que sejam criados sistemas de prevenção confiáveis, o heroico ativismo civil e a solidariedade nacional deram fôlego ao socorro ainda improvisado das autoridades públicas. Quando as águas baixarem, em um tempo que parece uma eternidade para mais de 540 mil desalojados, será a vez de União, Estado e municípios se organizarem para um planejamento racional, que leve em conta a experiência que a fúria da natureza proporcionou e reduza o risco ambientais.

Para isso será preciso muito dinheiro. Boa parte da infraestrutura estadual se dissolveu nas enxurradas. Cálculos preliminares indicam que 28% do investimento produtivo anual do Rio Grande do Sul, representado pelo estoque de capital fixo (construção residencial, máquinas e equipamentos e infraestrutura), ou R$ 28,6 bilhões, foram perdidos (Adalmir Marquetti e Alessandro Miebach, Valor, 17 de maio). A destruição pode ser maior. Quase metade (48%) das escolas estaduais foram destruídas ou estavam inundadas. Até quinta, havia 94 trechos com bloqueios em 51 rodovias estaduais (Valor, 17 de maio). Alagado, o principal aeroporto do país, o Salgado Filho, em Porto Alegre, ficará inoperante até setembro.

O governo federal tomou rapidamente uma série de medidas vitais para socorrer os gaúchos. Provavelmente serão insuficientes e mais estão a caminho, desta vez para amparar as indústrias e os serviços que, como tudo no Estado hoje, estão paralisados e somando prejuízos.

As enchentes asfixiaram as finanças estaduais, que já não vinham bem - o Rio Grande do Sul está em regime de recuperação fiscal. O varejo, um dos segmentos mais fortes dos serviços, deve cair 9,5% em maio (O Globo, 16/5), segundo a Stone Varejo. O Índice Cielo de varejo ampliado mostrava uma queda de 31,1% na capital entre os dias 6 e 12 de maio em relação ao mês anterior. As indústrias de autopeças estão paradas, assim como algumas siderúrgicas.

O governador Eduardo Leite estimou que a arrecadação cairá R$ 14 bilhões, algo como um quarto da receita própria (excluídas transferências da União, com números do exercício de 2022). Além da quase paralisia das atividades produtivas, os pagamentos do ICMS de maio foram transferidos para o fim de junho e os de junho, para julho. A União suspendeu o pagamento das dívidas do Estado por três anos, com as parcelas vencidas sendo corrigidas pelo IPCA. Os juros foram perdoados. O auxílio seria de R$ 11 bilhões no primeiro caso e R$ 12 bilhões no segundo. O Estado deverá usar os recursos que iriam para a União na reconstrução. Entretanto, as receitas estão minguando mesmo assim. De imediato não há verbas suficientes, que só virão quando a economia gaúcha voltar a algo parecido com a normalidade.

O governo federal está entrando com o grosso dos recursos para sustentar a população de menor renda desabrigada pelas enchentes, comprometendo-se a em ampliar a disponibilidade de imóveis residenciais para quem perdeu suas habitações, ao mesmo tempo em que garante renda via Bolsa Família e dá ajuda a fundo perdido para compra de bens indispensáveis para residências. O presidente Lula criou uma secretaria extraordinária para a reconstrução do Estado, entregando-a ao ex-ministro da Secom Paulo Pimenta. A secretaria foi uma boa ideia, mas o nome escolhido, de um candidato petista ao governo gaúcho em 2026, cria politização onde ela não existia.

A experiência da secretaria, como elo entre os entes federados, poderia servir como um caminho promissor para ações futuras, que serão cada vez mais necessárias, para intervenção em catástrofes ambientais. Poderia ser germe de futuras forças tarefas reunindo os melhores e mais experientes técnicos, funcionários públicos e especialistas da iniciativa privada. Ao aprender a reerguer na prática um Estado devastado, ajudaria a criar padrões de procedimento e de prevenção para futuros desastres. O Rio Grande do Sul não será o mesmo depois das chuvas e a atuação da União, Estados e municípios também deveria mudar. É preciso cuidado, porém, para a polarização não anular um aprendizado vital.

Apoio a refugiados do clima é falho no mundo todo

O Globo

Em 2023, 26,4 milhões foram forçados a se deslocar em razão de enxurradas, furacões, secas ou terremotos

A tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul não é fato isolado no planeta. Em torno de 26,4 milhões de pessoas, pouco mais que o dobro da população da cidade de São Paulo, foram obrigadas no ano passado a abandonar suas moradias em busca de abrigo em razão de enxurradas, furacões, secas extremas e terremotos. Mais que os 20,5 milhões expulsos por conflitos armados e pela violência, segundo estimativa do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC, na sigla em inglês), entidade que mede o impacto populacional de conflitos armados, violência e desastres naturais. A natureza tem sido mais severa que o crime e os choques geopolíticos ou étnicos.

Os eventos climáticos extremos têm se sucedido com mais frequência e mais intensidade. É pedagógico que a última enchente de proporções comparáveis no Rio Grande do Sul tenha ocorrido em setembro do ano passado e a anterior apenas em 1941. Pelo tamanho, o Brasil lidera a estatística dos forçados a abandonar suas casas por desastres naturais na América Latina — 745 mil pessoas, um terço do total no continente. Outra causa de centenas de milhares de brasileiros terem sido forçados a se deslocar foi a seca na Amazônia, que, ao esvaziar lagos e rios, reduziu a segurança alimentar da população.

No mundo todo, as flutuações drásticas do clima têm forçado o deslocamento de populações cada vez maiores. Nas Filipinas, 2,54 milhões buscaram refúgio distante de suas moradias depois de intempéries inclementes, decorrentes da transição entre os fenômenos La Niña e El Niño. Com as chuvas vêm doenças. No Paquistão, agosto do ano passado foi um mês de grandes enchentes que forçaram 732 mil a buscar abrigo noutras regiões. Não bastassem as águas, houve surtos de moléstias como a malária.

Mesmo em países ricos as inundações de proporções bíblicas ou secas tórridas se revezam como efeitos das mudanças climáticas na vida das populações. No Canadá, incêndios florestais expulsaram 192 mil de seus lares. Nos Estados Unidos, enquanto o fogo também causava destruição, ocorriam chuvas extremas na Califórnia e uma onda de furacões na Flórida. Apesar disso, os 200 mil deslocados foram em menor número que noutros anos.

Todo país necessita de planos de proteção à população em razão do agravamento das oscilações do clima. Uma questão vital é como encontrar recursos para financiar o socorro às vítimas. No Brasil, como o Orçamento da União é engessado, a alternativa termina sendo o endividamento público, já em níveis preocupantes. Na COP28, em Dubai, no final do ano passado, foi divulgada uma lista de promessas de doações ao Fundo de Perdas e Danos destinado a socorrer vítimas das catástrofes climáticas. Somavam US$ 661 milhões. É pouco diante da sucessão de eventos extremos. A agenda de discussões sobre o aquecimento global continua atrasada em relação à natureza.

Congelamento de óvulos representa avanço para a vida da brasileira

O Globo

Prática que facilita planejamento da gravidez quase dobrou nos últimos três anos no país

Com o aprofundamento da inserção da mulher no mercado de trabalho, a brasileira vem tendo filhos cada vez mais tarde. Em 2020, 22% dos primeiros filhos nasciam de mães com idade entre 30 e 39 anos. Essa proporção subiu para 34,5% em 2022. As mulheres que se tornam mães pela primeira vez com mais de 40 anos representavam 2% do total. Dois anos depois, já eram 4%. Como a gravidez depois dos 35 está mais sujeita a complicações, o congelamento de óvulos se tornou uma alternativa desejada por mulheres que decidem ter filhos mais tarde.

Desde 2012, quando deixou de ser prática experimental, ele tem sido uma forma segura para as mulheres adiarem a gravidez enquanto se dedicam à vida profissional ou a outros projetos. De 2020 a 2023, os óvulos congelados quase dobraram no Brasil, de 2.193 para 4.340 ciclos (é esse o termo técnico empregado), segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) revelados pelo GLOBO.

É preciso haver maior difusão da prática, para que as mulheres não deixem para tratar do assunto muito tarde. É aconselhável que a coleta de óvulos seja feita com a mulher mais jovem, em razão da queda acelerada da reserva ovariana — quantidade de óvulos disponíveis nos ovários — com o passar do tempo. De acordo com pesquisa do Instituto Ipsos, as brasileiras costumam pensar em congelar óvulos aos 37 anos. Melhor se fosse antes.

A queda no número de óvulos pode ocorrer sem qualquer sintoma, segundo a ginecologista Mychelle Garcia, da Maternidade Escola Januário Cicco, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ela aconselha que a avaliação da reserva ovariana seja feita a partir dos 25 anos.

Quanto mais tarde, piores os resultados. A chance de ter filho com óvulos coletados até os 30 anos de idade é de 65%, de acordo com estudo publicado na revista científica Human Reproduction. Chega a 90% se mais de 21 gametas forem congelados. À medida que o tempo passa, a eficácia cai. É de apenas 4% para mulheres com mais de 41 anos.

Outra vantagem de coletar óvulos mais cedo é reduzir os riscos de problemas relacionados à gestação tardia no feto, como alterações cromossômicas ou abortos espontâneos. O tempo também conta para a qualidade da gravidez. Mesmo que o feto gerado por óvulo congelado cedo esteja menos sujeito a riscos, a experiência para a mãe ainda dependerá da idade. Seja como for, o importante é as mulheres terem consciência de que é possível contar com esse avanço da medicina para se tornarem mães no momento da vida que julgarem mais adequado. Trata-se de mais uma evolução da sociedade propiciada pelos avanços científicos.

Crise no RS e erros de Lula minam alta do PIB

Folha de S. Paulo

Tragédia climática, fragilidade do Orçamento e intervenção na Petrobras dificultam que economia cresça com maior vigor

Com boa parte dos dados do primeiro trimestre já disponíveis, tudo indica que a economia brasileira teve bom desempenho no período, depois da estagnação observada na segunda metade de 2023.

Acumulam-se incertezas, entretanto, a começar pelos impactos da tragédia climática no Rio Grande do Sul, que devem se manifestar ao longo dos próximos meses.

O IBC-Br, indicador de atividade do Banco Central, subiu 1,08% entre janeiro e março na comparação com o trimestre anterior, a partir do desempenho do comércio e do setor de serviços —que respondem pela maior parte da economia e devem compensar a estagnação da indústria e alguma queda da agropecuária.

Do lado da demanda, o vigor do emprego e da renda sustenta a alta do consumo das famílias, que deve garantir expansão do Produto Interno Bruto de cerca de 0,6% no trimestre, a julgar pela expectativa mediana de analistas.

Com essa trajetória, seria possível obter crescimento acima de 2% neste ano, menos que em 2022 e 2023, mas ainda assim um resultado satisfatório diante de todas as incertezas e também dos erros notórios cometidos pelo Executivo nos últimos meses.

Mas as dúvidas para o restante do ano são crescentes. O desastre gaúcho pode subtrair entre 0,3 e 0,5 ponto percentual do PIB no ano, ainda segundo estimativas muito imprecisas e preliminares.

Mesmo considerando que a reconstrução, uma vez iniciada, impulsionará a atividade, ainda é cedo para antever quando e em que montante isso será possível.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tampouco contribui para boas expectativas. O quadro positivo recente decorreu em parte da queda da inflação e dos juros desde o ano passado, com algum alívio na concessão e no custo do crédito.

Tal trajetória pode ser prejudicada, porém, quando se tem em conta a indisciplina fiscal, que já vem pressionando os juros para cima. Se no início do ano esperava-se que a taxa Selic seria reduzida a cerca de 9% anuais, hoje não se descarta que fique em dois dígitos.

Gastança e intervencionismo tacanho, como na troca de comando na Petrobras, mostram que a intenção do Planalto é retornar às práticas nefastas do passado que tantos prejuízos trouxeram ao país.

Os debates sobre os limites do aumento de impostos e a necessidade de controle de despesas apenas começam a tomar corpo na área econômica do governo. Infelizmente, o presidente da República dá sinais de que não dará nenhum passo nessa direção.

Ao contrário, quanto mais próximas as eleições presidenciais, maior o risco de que seja dobrada a aposta no rumo errado.

Armas em queda

Folha de S. Paulo

Porte, expandido sob Bolsonaro, diminui, mas processo é lento e há resistências

O número de novos registros de armas de fogo no Brasil para defesa pessoal caiu de 5.676 em 2022 para 2.439 em 2023 —uma queda de 57%, segundo o Anuário da Justiça Brasil 2024 do Conjur. Mas, embora seja significativa e bem-vinda, a redução enfrenta percalços.

Em abril, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei complementar que permite que estados legislem sobre porte de armas. A medida, pendente de decisão final, representa retrocesso temerário.

Reverter o armamentismo nefasto vigente sob Jair Bolsonaro (PL) requer, ademais, desmantelar o arcabouço normativo e institucional que flexibilizou a posse de armas por civis. O número desses artefatos nas mãos dos cidadãos mais que dobrou entre 2019 e 2022 —alta de 116%.

O aumento da circulação de armas alimenta o crime organizado. Durante o governo Bolsonaro, 5.200 condenados pela Justiça conseguiram obter, renovar ou manter o registro de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs).

No dia 15, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o Exército cancelasse as permissões de CACs a condenados ou com mandados de prisão em aberto.

Outro ponto relevante é a transferência da fiscalização de CACs, clubes de tiro e lojas de armas do Exército para a Polícia Federal, cujo prazo é janeiro de 2025. O governo federal precisa acelerar o processo.

Além disso, a indústria armamentista tenta justificar a expansão do uso dos produtos. Em artigo no Correio Braziliense, o Presidente da Associação Nacional da Armas e Munições, Salesio Nuhs, argumentou, com base em recortes de dados, que os dispositivos apreendidos nas mãos de criminosos seriam na maioria importados.

Mas, apesar do crescimento da importação de armas, o preço e a disponibilidade dos artigos nacionais impulsionam a comercialização, inclusive entre criminosos.

É ilusória a divisão entre mercados legais e ilegais. Apesar dos desafios, a queda da circulação de armas na sociedade, aliada ao fortalecimento de estratégias de inteligentes em segurança pública, é o melhor caminho para garantir paz.

Governo usa STF para emparedar Congresso

O Estado de S. Paulo

A decisão do STF sobre o caso da desoneração pode até ter servido como um freio de arrumação, mas não será suficiente para reequilibrar as contas públicas. Nesse debate, o governo precisa dar o exemplo

O governo espera que o acordo pela reoneração gradual da folha de pagamento para 17 setores da economia se torne um paradigma para o equilíbrio das contas públicas. Para o Ministério da Fazenda, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso consolidou a tese segundo a qual é necessário apresentar formas de compensação de receitas em projetos de lei que resultem em perda de arrecadação ou aumento do gasto obrigatório.

Essa exigência já existe, para o Executivo, na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas a equipe econômica quer que o Legislativo também seja obrigado a seguir a regra. Em tese, o governo precisa apresentar estimativas de cálculo sobre o impacto financeiro de cada proposta que autorize a criação de novas despesas ou a renúncia de receitas, bem como o que será feito para ressarcir as perdas, como aumento de impostos ou corte de gastos.

Na prática, não tem sido assim. Muitas vezes, o governo subestima o impacto das propostas que submete ao Congresso, conta com receitas improváveis para compensar perdas mais do que certas ou simplesmente se abstém de propor qualquer medida compensatória na expectativa de que haja um excesso de arrecadação. Não é exclusividade do presidente Lula da Silva. Com Jair Bolsonaro, isso também ocorria quando se tratava de um projeto considerado prioritário para sua base.

Com o apoio explícito do STF no caso da reoneração, o governo entende que terá o poder de declarar a ineficácia de uma lei proposta pelo Congresso caso ela tenha sido aprovada sem a observância desses critérios. Mas há muitas dúvidas sobre a conveniência dessa estratégia. Em primeiro lugar, a desoneração da folha já estava em vigor havia mais de dez anos e não se caracterizava como uma medida nova que demandasse compensação.

Em segundo lugar, parte das obrigações do governo é construir uma base de apoio no Congresso. Declarar a ineficácia de uma lei e fazer do Supremo um mediador das disputas entre o Executivo e o Legislativo tende a tensionar ainda mais a relação entre os Três Poderes. A Corte não deveria se prestar a assumir esse papel.

Por óbvio, o Congresso pode responder à altura, e com igual beligerância. Assim que a Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou com ação contra a desoneração no STF, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cobrou do ministro Fernando Haddad a mesma austeridade que ele exigia do Congresso. “Qual é a proposta do governo, além de arrecadar? Qual é a proposta de corte de gastos para equilibrar as contas?”, questionou.

Pacheco tem razão. A decisão do STF sobre o caso da desoneração pode até ter servido como um freio de arrumação, mas não será suficiente para reequilibrar as contas públicas. Nesse debate, o governo precisa dar o exemplo, em vez de emparedar o Congresso via STF. A renúncia associada à desoneração não é o maior obstáculo ao alcance do déficit zero nem a razão pela qual o governo alterou as metas de 2025 e 2026.

Fato é que a maior parte dos gastos orçamentários está diretamente vinculada ao Executivo. Por mais que o Legislativo tenha abocanhado nacos cada vez maiores com as emendas parlamentares e o fundo eleitoral nos últimos anos, ele também deu aval a todas as medidas apresentadas pelo ministro para recuperar receitas no ano passado.

A continuar da forma como estão hoje, as despesas obrigatórias vão consumir todo o reduzido espaço dos gastos discricionários até 2028 – e não haverá receitas que deem conta disso. Com a maior parte do governo completamente refratária a discutir o assunto, o Congresso cada vez mais trabalha para que todas as suas emendas também sejam impositivas.

O fato de que a maioria das despesas orçamentárias tenha caráter obrigatório não diminui a responsabilidade do governo. Ao contrário. Isso só aumenta a necessidade de analisá-las com realismo, não para cortar gastos sem qualquer critério, mas para que conquistas da sociedade como a seguridade e a assistência social e o acesso universal à saúde e à educação possam continuar a existir no futuro.

Marina, o vaso chinês de Lula

O Estado de S. Paulo

Popstar do ambientalismo, a ministra do Meio Ambiente tem o desafio de convencer o presidente de que pode ser mais do que um adorno simbólico que serve às ambições do presidente

Movidos entre o espanto, a tristeza e a solidariedade diante da tragédia que atinge o Rio Grande do Sul, muitas lideranças políticas parecem, enfim, ter acordado para a estreita relação entre catástrofes naturais e as mudanças climáticas. É o que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, acertadamente chamou de “pedagogia do luto”: uma pedagogia dolorosa, ancorada no cenário de morte e prejuízos incalculáveis, a nos ensinar sobre o novo normal climático, no qual a escalada do aquecimento global passa a tornar mais frequentes desastres como o que abalou o Sul do País.

Chama a atenção, no entanto, que a própria Marina se veja às voltas de uma contradição intrínseca ao governo do presidente Lula da Silva neste momento. Popstar do ambientalismo e uma das lideranças que poderiam encabeçar os debates e as soluções, a ministra é também aquela que tem suas atribuições esvaziadas dentro do governo. Antes fosse um sinal de timidez e comedimento de Marina. Não é. É, isso sim, parte de uma deficiência crônica de Lula: é preciso pelo menos fingir que se interessa por uma questão que se tornou decisiva em todo o mundo, e a ministra do Meio Ambiente, com seu capital simbólico na área, é um ativo poderoso a ser usado em circunstâncias e fóruns especiais.

O novo capítulo desse enredo de desidratação da ministra, restringindo-a à força do seu capital simbólico, foi escrito mais uma vez no Congresso, com o beneplácito do Palácio do Planalto. Conforme informou a Coluna do Estadão, em meio às discussões para socorrer o Rio Grande do Sul, a Comissão do Meio Ambiente da Câmara resgatou um projeto que autoriza o uso dos recursos do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima para enfrentamento a desastres naturais e reduz o peso da pasta de Marina, que seria obrigada a dividir a coordenação do manejo dos recursos com o Ministério do Desenvolvimento Regional. A proposta tem autoria de um governista, o deputado federal José Nelto (PP-GO). O fundo foi recriado em 2023, com previsão de utilização exclusiva para financiar projetos, estudos e empreendimentos de mitigação e adaptação das cidades às mudanças climáticas.

O projeto pode não seguir adiante, mas o resgate da proposta é, em si, mais uma evidência do enfraquecimento da ministra – rota descendente que começou ainda nos primeiros meses de mandato. Em meados do ano passado, o presidente não mexeu um músculo enquanto o Congresso desossava a medida provisória que reestruturava os Ministérios e órgãos ligados à Presidência, prejudicando os Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Tudo isso em troca da manutenção do poder do núcleo palaciano. Algumas semanas mais tarde, diante da repercussão, Lula vetaria parte do trecho aprovado pelo Legislativo, devolvendo alguns poderes a Marina Silva. Mas deixou claro que ela está entre os nomes que poderiam ser rifados em caso de instabilidade na relação com o Congresso.

Até o caos no Rio Grande do Sul, Lula não havia dado demonstração efetiva de que estava convencido do imperativo da transição energética e da proteção ambiental. O demiurgo petista não hesita em se autoproclamar o herói da floresta quando está diante de plateias internacionais, onde pode se apresentar como o verdadeiro salvador do planeta, mas é enorme o abismo que separa essa retumbante retórica de Lula e a prática de um governo hesitante sobre as mudanças climáticas, consequência inevitável da falta de entusiasmo de Lula com as questões ambientais. Lula, convém lembrar, sempre reclamou de quem atrapalhava as obras de seu governo a pretexto de proteção do meio ambiente, queixa sintetizada na clássica história da perereca impertinente que atrasava obras: “Não podemos parar tudo por causa de uma perereca”, dizia ele no segundo mandato, enquanto criticava órgãos de proteção ambiental.

Agora Marina informa que deverá entregar ao presidente um plano de prevenção de acidentes. Quer debater a criação de um estatuto jurídico para reconhecer que existe uma emergência climática permanente. Precisará, no entanto, muito mais do que um bom plano para convencer o chefe de que pode liderar as discussões de longo prazo da transição. E, sobretudo, de que pode ser mais do que um vaso chinês – valioso, mas meramente decorativo – para as ambições de Lula.

Saber dizer ‘não’

O Estado de S. Paulo

Crítica de Campos Neto reforça tentativa de interferência política no Banco Central

Saber dizer “não” ao Executivo e ao Legislativo foi a recomendação dada por Roberto Campos Neto a quem lhe sucederá na presidência do Banco Central (BC) a partir de janeiro de 2025. Em rara e substancial entrevista, concedida ao Estadão/Broadcast depois da divulgação da ata do Comitê de Política Econômica (Copom), o executivo deixou a impressão de que a divisão do colegiado, exposta na votação que reduziu a taxa básica de juros para 10,5% ao ano, vai além das discussões sobre a magnitude do corte.

A ata cumpriu sua função de esclarecer os fundamentos técnicos que justificaram a apertadíssima decisão dos diretores do BC na reunião do Copom, com cinco votos a quatro pelo menor ritmo de redução dos juros. Com o voto de desempate de Campos Neto, a taxa caiu 0,25 ponto porcentual (p.p.) ao invés do 0,5 p.p. adotado nas seis reuniões anteriores. A dúvida que pairou sobre uma eventual cisão política da diretoria prestes a mudar de comando, porém, não foi afastada.

Ao contrário, declarações públicas dos diretores Paulo Picchetti e Gabriel Galípolo, ambos indicados de Lula, alimentaram a percepção sobre ruídos de comunicação com o governo e entre os próprios integrantes da diretoria. “Não existe entre nós nenhum tipo de regra ou arranjo onde alguém precise consultar o outro”, rebateu Campos Neto, que foi ainda mais taxativo sobre o mal-estar com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que não soube com antecedência sobre a mudança de guidance (orientação) do Copom. “Nunca fiz isso no governo anterior e com certeza não planejo fazer neste”, afirmou.

Primeiro presidente do BC a ter mandato não coincidente com o do presidente da República, por força da lei de 2021 que conferiu autonomia operacional à autoridade monetária, Campos Neto é desde o início da gestão petista o alvo preferencial das críticas de Lula da Silva e de aliados, que pressionam por uma queda mais acelerada dos juros para incentivar o consumo.

A forma categórica como o executivo defendeu a necessidade de resistir às pressões de Executivo e Legislativo deixou subentendido que ele próprio foi assediado. Nesse sentido, independentemente das especulações sobre a extensão do ciclo de queda dos juros da economia, a autonomia do Banco Central, inúmeras vezes questionada pelo PT, mostra-se cada vez mais imprescindível para a boa orientação da política monetária.

No ano que vem, o terceiro de seu mandato, Lula da Silva poderá indicar o presidente do Banco Central para um período que se estenderá até a metade do próximo governo, no fim de 2028. Campos Neto afirmou, na entrevista, que o mais importante para quem assumir o comando do banco é “olhar por cima e não dentro do ruído”, que vem tanto da economia quanto da política.

As expectativas mais recorrentes apontam para Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do BC, como substituto de Campos Neto. Apesar de ainda restarem cinco reuniões do Copom neste ano, as declarações de Galípolo começam a surtir no mercado peso igual ou superior às do seu chefe. O que se espera do escolhido, seja quem for, é transparência e rigor técnico que façam jus à autonomia.

A importância das tecnologias limpas

Correio Braziliense

Os governos não podem mais esperar que a situação saia do controle para agir com reparações. As catástrofes vêm mostrando que são incontroláveis as respostas da natureza à destruição

O estado de emergência climática que o mundo atravessa, identificado por inúmeros estudos científicos, influencia diversos aspectos do planeta e da sociedade — deterioração de habitats, extinção de espécies, interferências na saúde humana, aumento da fome, registro de perdas financeiras e de prejuízos ao desenvolvimento. Por isso, a tomada de decisões precisa ser uma política global urgente. Os governos não podem mais esperar que a situação saia do controle para agir com reparações. As catástrofes vêm mostrando que são incontroláveis as respostas da natureza à destruição.

Um caminho a ser seguido é a adoção de tecnologia limpa. Diante da busca mundial por alternativas sustentáveis que gerem menos impactos, ela se coloca como possibilidade. O meio ambiente pede socorro há muito tempo. As consequências das ações humanas sobre as cadeias naturais estão cada vez maiores e irreversíveis. Se não houver atitude, o futuro das populações será de enfrentamento de perigosas condições.

A concentração de gases de efeito estufa, o derretimento de geleiras e a elevação do nível do mar nunca foram tão altos. A temperatura vem subindo, gerando ondas extremas e recordes de calor, além de enchentes, incêndios florestais e tempestades. O relatório Estado do Clima Global em 2023, editado anualmente pela agência especializada das Nações Unidas, apontou o ano passado como o mais quente já registrado. O documento ainda destaca as mudanças como fatores agravantes da fome e do deslocamento de milhares de cidadãos pelo mundo. A quantidade de pessoas que sofrem insegurança alimentar aguda chegou a 333 milhões, em 78 países monitorados pelo Programa Alimentar Mundial.

Proteger e restaurar ecossistemas e também redefinir padrões de produção e de consumo são metas fundamentais. Mas as nações precisam atuar definitivamente em todos os setores da economia para acelerar os processos de transição produtiva e energética. Tecnologia para isso existe. Os governos e as corporações são conhecedores de uma ampla variedade de práticas ecologicamente corretas possíveis de serem desenvolvidas e aplicadas. A redução da dependência de métodos convencionais, como o uso do carvão e do gás natural, precisa ocorrer. Concomitantemente, painéis solares, energia eólica e de ondas são matrizes que merecem cada vez mais investimentos. A troca de fontes fósseis poluentes para fontes renováveis não poluentes é um desafio de escala global.

Pensar o ambientalismo empresarial também é essencial para essa quebra de paradigmas. O mercado, intimamente ligado à competição e produtividade, tem a tarefa de encontrar meios de solução do problema da degradação ambiental. As calamidades escancaram que o econômico e o ecológico têm de andar juntos. As fábricas precisam minimizar o emprego de matérias-primas, diminuir a geração de resíduos e o desperdício de materiais.

Hoje, por causa da crescente preocupação da população mundial, a questão ambiental é primordial para o desenvolvimento das organizações. A preservação e recuperação do meio ambiente despertam interesses pessoais, governamentais, empresariais e científicos. Ter eficiência com tecnologia limpa não é ideologia, é questão de sobrevivência e precisa ser estabelecida de forma justa e inclusiva. Os países possuem potencialidades diversas para fazer as mudanças. Esperar mais tempo pode ser fatal.

 

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