Folha de S. Paulo
A polarização afeta a onda de solidariedade e
a janela de atenção nos dois eventos
Desastres
naturais afetam a popularidade de governantes: o sentimento
negativo gerado contamina sua avaliação como
argumentei aqui. Logo após o evento, surge uma onda de solidariedade
com as autoridades (no jargão, o rally round the flag), ao que se segue certa
fadiga e insatisfação.
Os desastres criam uma janela de atenção sobre quem está no poder que é muito arriscada. O comportamento oportunista em contextos de comoção gera custos e qualquer vacilo ou frase mal-empregada terá efeitos cataclísmicos. Muitos presidentes, ex. George W. Bush após o furacão Katrina, naufragam. Mas há alguns casos de desempenho heroico que alavancam a popularidade.
Lula tem
sido pródigo em declarações e ações desastrosas. A nomeação de
Paulo Pimenta como Ministro-chefe da Secretaria de Reconstrução do RS sugere
hiperpolitização e instrumentalização
da tragédia.
A polarização potencializa os efeitos citados
que as pesquisas identificaram para tempos normais: ela encurta, mas não
elimina a onda de solidariedade. Nos grupos polarizados o viés de confirmação é
alto: enxerga-se o desempenho em função das preferências políticas.
O paralelo com a pandemia de
Covid-19 é ilustrativo. Vimos a onda de solidariedade na sua
primeira fase, mas Bolsonaro foi um dos poucos governantes que não se
beneficiou dela por suas declarações estapafúrdias ("é uma
gripezinha", "não sou coveiro").
A janela de
atenção que se abriu expôs também sua inépcia e a de auxiliares
mas permitiu que os custos fossem parcialmente mitigados com a inflação de
auxílios oportunistas (Auxílio Brasil, Taxista etc). Assim o saldo da pandemia
foi negativo. Sim, os governantes mais eficientes perderam eleições (Piñera,
Johnson, Bibi).
As relações federativas foram diferentes.
Antes da invenção da vacina, tínhamos 27 pandemias: a
responsabilização política estava fragmentada nos estados e
municípios.
Nesta fase os governantes do Nordeste e Norte
eram culpados (pela corrupção e baixa capacidade institucional) pelo impacto
devastador na região, enquanto o Sul ainda não havia sido alcançado. A invenção
da vacina (e sua aquisição pelo governo federal) mudou a dinâmica,
federalizando a responsabilização.
Na calamidade
gaúcha o impacto não se estende a outros estados e a
responsabilização permanecerá em maior grau no próprio estado. Os beneficiários
estão concentrados no estado. Sim, a magnitude fiscal colossal da tragédia
nacionaliza a responsabilização. Os custos serão difusos para o país: de onde
virão os recursos? A solidariedade tende a arrefecer paulatinamente. E a tensão
entre governador e presidente (e seu interventor local).
Provavelmente ambos perderão.
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