O Globo
Precisamos avançar numa agenda que coloque a tecnologia a serviço do desenvolvimento dos estudantes, e não o contrário
Em incêndios, terremotos, secas, inundações
ou acidentes aéreos, passada a fase de consternação e solidariedade com as
vítimas, mobilizamos sempre nossos melhores esforços para diagnosticar causas e
criar caminhos que minimizem riscos ou impactos de uma nova tragédia. O que
testemunhamos agora no Rio Grande do Sul deveria, de uma vez por todas, ser
entendido como um desses momentos críticos.
Em todas as áreas, em todo o território nacional, precisaremos intensificar os esforços de elaboração e implementação de estratégias de mitigação e de adaptação dos efeitos das catástrofes climáticas. Será fundamental desta vez fortalecer o controle social e a cobrança por transformações para evitar o fenômeno frequente da memória curta que se esvai e reduz o fôlego para sustentar as mudanças estruturais que se fazem urgentes.
Não esqueçamos que são tragédias
socioclimáticas, na expressão do sociólogo Sérgio Abranches, por serem tanto
consequência do aquecimento global produzido pela sociedade humana, como pelos
desastres ambientais afetarem os seres humanos, em especial os mais
vulneráveis, com menor capacidade de recuperação e adaptação. Em artigo recente, Abranches contabiliza a resultante mais
nefasta: em 2023, cerca de 24 mil pessoas morreram no mundo em decorrência
dessas tragédias.
Um dos elementos relevantes do esforço
coletivo é a melhoria da infraestrutura. Segundo o relatório Infrastructure for a Climate-Resilient Future (Infraestrutura
para um Futuro Resiliente ao Clima), publicado em 2024 pela OCDE, o número de
eventos extremos quintuplicou entre as décadas de 1970 e 2010. E as perdas
econômicas causadas por esses desastres cresceram oito vezes, passando de uma média
de US$ 198 bilhões para US$ 1,6 trilhão.
Eventos extremos afetam negativa e
desproporcionalmente as infraestruturas nos países em desenvolvimento. Nesses
locais, as desigualdades habitacionais e de saúde, por exemplo, tendem a ser
exacerbadas. E o Brasil, como largamente documentado pelos estudos científicos,
é um país com elevada vulnerabilidade às mudanças climáticas, sobretudo
projetando seus ciclos de secas e enchentes.
Nesse sentido, precisamos financiar, com
recursos públicos e privados, planos estruturados de mitigação e de adaptação.
A mitigação, hoje mais reconhecida, implica reduzir as emissões de gases de
efeito estufa com, entre outros, redução do desmatamento, plantio com menor uso
de fertilizantes nitrogenados, melhoria da eficiência energética e
diversificação com fontes de energia renovável.
A agenda de adaptação, ainda percebida como
menos prioritária, implica reduzir a vulnerabilidade dos sistemas frente aos
efeitos esperados da mudança do clima. Isso passa, entre outros aspectos, pela
construção de barreiras e diques, gestão de manguezais, recuperação de bacias
hidrográficas, integração floresta-pecuária-lavoura, aumento da capacidade de
armazenamento de água potável, sistemas de alerta preventivo e pela
substituição e adequação de pontes, estradas e asfalto.
Há muitos desafios também para o campo
educacional. No Rio Grande do Sul, por exemplo, são quase 400 mil estudantes
afetados diretamente, mais de 550 escolas danificadas e outras 90 funcionando
como abrigos. Globalmente, não faltam exemplos como o do Sudão do Sul, que em
março fechou todas as suas escolas devido ao calor extremo.
Essas situações serão cada vez mais comuns.
Diante dessa nova realidade, fazer —ainda que melhor — o que sempre foi feito
não é mais suficiente. O planejamento educacional precisa incorporar elementos
inequívocos das mudanças climáticas, o que demandará novos protocolos,
construção de escolas resilientes, investimento em infraestrutura, além de
estratégias pedagógicas para minimizar perdas de aprendizagem e psicossociais
para lidar com os traumas e a ansiedade ambiental.
No caso do Rio Grande do Sul, os estudantes
precisam, mais do que nunca, de seus professores fortalecendo os vínculos da
relação pedagógica. No Brasil, o novo normal deveria ser um em que é seguro e
prazeroso estudar e aprender.
Pagamos hoje o preço do descaso, da baixa
prioridade e da falta de ousadia — para não falar de negacionismos — e não dá
mais para dizer que fomos surpreendidos, pois não faltaram alertas da
comunidade científica. Já passou da hora! É necessário agir com firmeza para
implementar as transformações estruturais que reduzam prejuízos e sofrimentos
com novas tragédias climáticas e projetem nosso compromisso, enquanto
sociedade, com um novo futuro.
Um comentário:
https://climainfo.org.br/2024/05/15/extensao-territorial-e-numero-de-afetados-tornam-tragedia-no-rs-inedita-no-brasil/
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