segunda-feira, 20 de maio de 2024

Alex Ribeiro - Projeção do BC levanta dúvida sobre corte de juro

Valor Econômico

Banco Central segue com a espada na sua cabeça da tendência de piora nas expectativas de inflação

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central fez um grande esforço nos últimos dez dias para mostrar que, apesar da votação dividida para a baixa de juros na sua mais recente reunião, a partir de agora estão todos juntos numa estratégia mais conservadora. Mais falta ainda o principal: mostrar concretamente no encontro de junho e nos seguintes, com placares unânimes, que existe uma unidade de propósitos.

As informações públicas disponíveis levantam dúvidas, entre participantes do mercado, se será possível um consenso. As projeções de inflação feitas pelo Copom em maio sugerem que não havia tanto espaço para uma queda de juros de 0,5 ponto percentual naquele encontro, já que aparentemente deixaria a meta da taxa Selic abaixo do nível mínimo compatível com o cumprimento da meta em 2025, que é o horizonte que o Copom deve persegui-la. Além disso, dois ou três membros do Copom deram um voto de desconfiança em relação a essas projeções, defendendo que os riscos de a inflação ficar acima do projetado são maiores do que de ficar abaixo.

Um dos argumentos apresentado pelo grupo dissidentes para não acompanhar a maioria na baixa de 0,25 ponto percentual na Selic, para os atuais 10,5% ao ano, foi que “as projeções de inflação eram mais afetadas pela determinação da taxa de juros terminal e que a redução de 0,50 ponto percentual ainda manteria a política monetária suficientemente contracionista”, segundo a ata do Copom.

A questão é que, se o Copom tivesse baixado os juros em 0,5 ponto, a Selic hoje se encontraria em 10,25% ao ano, percentual que não parece suficiente para cumprir a meta de inflação em 2025, a julgar pelo que sugerem as projeções de inflação do próprio BC.

Na reunião de maio, o Copom rodou os seus modelos de projeção econômica e concluiu que, se os juros caíssem para os 9,63% ao ano no fim do ciclo de distensão, como então era previsto pelo mercado financeiro no boletim Focus, a inflação ficaria em 3,3% em 2025, acima da meta definida para o ano, de 3%.

Ou seja: seria preciso uma dose adicional de juros para baixar a inflação em mais 0,3 ponto percentual, fazendo-a convergir para a meta. Uma conta muito simples, usando a sensibilidade da inflação à taxa Selic (divulgada pelo Copom, no seu Relatório de Inflação de dezembro de 2021), mostra que uma alta de um ponto percentual na Selic baixa a inflação em 0,33 ponto percentual seis trimestres adiante. Em termos práticos, essa regra de bolso usada pelos analistas do mercado mostra que o juro teria que ficar em cerca de 10,5% para a inflação fechar na meta em 2025.

Assim, há um claro contraste entre as contas de participantes do mercado e o que disseram os dissidentes na ata do Copom, ou seja, que se o juro cair a 10,25% ao fim do ciclo de baixa seria possível cumprir a meta. Falta o Banco Central explicar como isso seria possível. Uma possibilidade é que o Copom não esteja mirando, exatamente, uma meta de 3%.

A própria ata diz que a baixa de 0,25 ponto era compatível com a estratégia de convergência da inflação para “o redor” da meta ao longo do horizonte relevante. Isso pode ser apenas um preciosismo: o modelo não é exato. Mas soa também como uma justificativa conveniente para cortar mais o juro. O início do ciclo de distensão começou com a inflação projetada em 3,2%. Lá atrás, havia a justificativa de que a taxa terminal faria o trabalho de pôr a inflação na meta. A taxa terminal, agora, já está aí. O Copom precisaria explicar se vai pôr a inflação exatamente na meta ou se na verdade mira um percentual ao redor dela, que todo mundo entende simplesmente como algo sempre maior que 3%. Também falta esclarecer se o horizonte de cumprimento é 2025 ou se foi alongado

Outra questão fundamental é que, para que o juro atinja a potência estimada no modelo do Copom para baixar a inflação, o aperto tem que se transmitir por todos os canais de política monetária. Dois dos mais importantes estão ligados à credibilidade: a taxa de câmbio e as expectativas de inflação. Só uma votação unânime do lado mais conservador poderia ter efeitos positivos na credibilidade, ainda que seja necessário consistência ao longo do tempo para colher maiores benefícios.

Há dúvidas no mercado se haverá clima no comitê para a unanimidade. Segundo a ata do Copom, “alguns membros observaram mérito no debate de um balanço de riscos assimétrico para cima”. Este é o jargão usado para dizer que, para alguns integrantes do Copom, as chances de a inflação superar os 3,3% projetados para 2025 é maior do que as de ficar abaixo. Em tese, isso demandaria uma dose de juros ainda maior para se contrapor a esse risco que pesa do lado mais negativo.

Infelizmente, não é possível dizer, ao certo, quantos membros tiveram essa preocupação, depois que o Copom mudou a nomenclatura usada nos seus documentos oficiais. Podem ser dois ou três membros. Pela coerência com as projeções e balanço de riscos, esse grupo parece inclinado a manter o juro em junho.

Esse era o estado das coisas há dez dias. Pode ser que até a reunião de junho a sorte ajude muito e saiam dados mais positivos que aliviem a situação. Mas o Banco Central segue com a espada na sua cabeça da tendência de piora nas expectativas de inflação.

 

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