Valor Econômico
Banco Central segue com a espada na sua cabeça da tendência de piora nas expectativas de inflação
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central fez um grande esforço nos últimos dez dias para mostrar que, apesar da votação dividida para a baixa de juros na sua mais recente reunião, a partir de agora estão todos juntos numa estratégia mais conservadora. Mais falta ainda o principal: mostrar concretamente no encontro de junho e nos seguintes, com placares unânimes, que existe uma unidade de propósitos.
As informações públicas disponíveis levantam
dúvidas, entre participantes do mercado, se será possível um consenso. As
projeções de inflação feitas pelo Copom em maio sugerem que não havia tanto
espaço para uma queda de juros de 0,5 ponto percentual naquele encontro, já que
aparentemente deixaria a meta da taxa Selic abaixo do nível mínimo compatível
com o cumprimento da meta em 2025, que é o horizonte que o Copom deve
persegui-la. Além disso, dois ou três membros do Copom deram um voto de
desconfiança em relação a essas projeções, defendendo que os riscos de a
inflação ficar acima do projetado são maiores do que de ficar abaixo.
Um dos argumentos apresentado pelo grupo
dissidentes para não acompanhar a maioria na baixa de 0,25 ponto percentual na
Selic, para os atuais 10,5% ao ano, foi que “as projeções de inflação eram mais
afetadas pela determinação da taxa de juros terminal e que a redução de 0,50
ponto percentual ainda manteria a política monetária suficientemente
contracionista”, segundo a ata do Copom.
A questão é que, se o Copom tivesse baixado
os juros em 0,5 ponto, a Selic hoje se encontraria em 10,25% ao ano, percentual
que não parece suficiente para cumprir a meta de inflação em 2025, a julgar
pelo que sugerem as projeções de inflação do próprio BC.
Na reunião de maio, o Copom rodou os seus
modelos de projeção econômica e concluiu que, se os juros caíssem para os 9,63%
ao ano no fim do ciclo de distensão, como então era previsto pelo mercado
financeiro no boletim Focus, a inflação ficaria em 3,3% em 2025, acima da meta
definida para o ano, de 3%.
Ou seja: seria preciso uma dose adicional de
juros para baixar a inflação em mais 0,3 ponto percentual, fazendo-a convergir
para a meta. Uma conta muito simples, usando a sensibilidade da inflação à taxa
Selic (divulgada pelo Copom, no seu Relatório de Inflação de dezembro de 2021),
mostra que uma alta de um ponto percentual na Selic baixa a inflação em 0,33
ponto percentual seis trimestres adiante. Em termos práticos, essa regra de
bolso usada pelos analistas do mercado mostra que o juro teria que ficar em
cerca de 10,5% para a inflação fechar na meta em 2025.
Assim, há um claro contraste entre as contas
de participantes do mercado e o que disseram os dissidentes na ata do Copom, ou
seja, que se o juro cair a 10,25% ao fim do ciclo de baixa seria possível
cumprir a meta. Falta o Banco Central explicar como isso seria possível. Uma
possibilidade é que o Copom não esteja mirando, exatamente, uma meta de 3%.
A própria ata diz que a baixa de 0,25 ponto
era compatível com a estratégia de convergência da inflação para “o redor” da
meta ao longo do horizonte relevante. Isso pode ser apenas um preciosismo: o
modelo não é exato. Mas soa também como uma justificativa conveniente para
cortar mais o juro. O início do ciclo de distensão começou com a inflação
projetada em 3,2%. Lá atrás, havia a justificativa de que a taxa terminal faria
o trabalho de pôr a inflação na meta. A taxa terminal, agora, já está aí. O
Copom precisaria explicar se vai pôr a inflação exatamente na meta ou se na
verdade mira um percentual ao redor dela, que todo mundo entende simplesmente
como algo sempre maior que 3%. Também falta esclarecer se o horizonte de
cumprimento é 2025 ou se foi alongado
Outra questão fundamental é que, para que o
juro atinja a potência estimada no modelo do Copom para baixar a inflação, o
aperto tem que se transmitir por todos os canais de política monetária. Dois
dos mais importantes estão ligados à credibilidade: a taxa de câmbio e as
expectativas de inflação. Só uma votação unânime do lado mais conservador
poderia ter efeitos positivos na credibilidade, ainda que seja necessário
consistência ao longo do tempo para colher maiores benefícios.
Há dúvidas no mercado se haverá clima no
comitê para a unanimidade. Segundo a ata do Copom, “alguns membros observaram
mérito no debate de um balanço de riscos assimétrico para cima”. Este é o
jargão usado para dizer que, para alguns integrantes do Copom, as chances de a
inflação superar os 3,3% projetados para 2025 é maior do que as de ficar
abaixo. Em tese, isso demandaria uma dose de juros ainda maior para se
contrapor a esse risco que pesa do lado mais negativo.
Infelizmente, não é possível dizer, ao certo,
quantos membros tiveram essa preocupação, depois que o Copom mudou a
nomenclatura usada nos seus documentos oficiais. Podem ser dois ou três
membros. Pela coerência com as projeções e balanço de riscos, esse grupo parece
inclinado a manter o juro em junho.
Esse era o estado das coisas há dez dias.
Pode ser que até a reunião de junho a sorte ajude muito e saiam dados mais
positivos que aliviem a situação. Mas o Banco Central segue com a espada na sua
cabeça da tendência de piora nas expectativas de inflação.
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