Valor Econômico
Banco Central dava como certo, desde o princípio, que surgiriam distorções
O Banco Master não teria assumido tantos
riscos se não fossem os flancos de uma regra que permitiu captações sem limites
com o seguro do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Mas essa mesma regra
permitiu a entrada de competidores num mercado fortemente concentrado. Valeu a
pena?
Pelas informações disponíveis, sim. O Banco
Central já ajustou a regra para corrigir os excessos, de forma gradual. Caso se
mostre insuficiente ou exagerado, sempre é possível calibrar.
O Valor apurou que os dirigentes do Banco Central tinham consciência de que a regra de acesso ao FGC criava uma vantagem regulatória aos bancos médios. Foi um risco calculado e ajudou a criar alguns bancos digitais.
A regra permite que bancos menores captem
recursos com CDBs e outros papéis garantidos pelo FGC. O depositante empresta
de olhos fechados, ganhando um bom retorno com a tranquilidade de que, se
houver quebradeira, o FGC ressarce até R$ 250 mil.
O Banco Central dava como certo, desde o
princípio, que surgiriam distorções. Alguns bancos iriam pagar caro para captar
e, depois, investir em ativos com mais risco e retorno mais elevado. Era
entendido como o preço a ser pago para se ter um mercado bancário mais
competitivo, que oferece produtos melhores e mais baratos para a população.
Para evitar os casos mais graves, o Banco
Central previu, em sua estratégia, uma vigilância mais próxima das instituições
que mais captavam depósitos garantidos pelo FGC.
O Valor apurou
que a evolução das operações do Banco Master não passou despercebida pela
supervisão do BC. A autoridade monetária recebeu alertas de banqueiros,
participantes de mercado e do próprio FGC, por meio de um acordo de cooperação.
E tomou medidas para limitar o excesso de alavancagem do Master e de outros
bancos, ainda que se possa discutir se o remédio foi fraco ou aplicado
tardiamente.
Um dos pontos de alerta era que as captações
protegidas pelo FGC cresciam muito rápido. Em 2018, os depósitos garantidos de
instituições financeiras de médio porte equivaliam a duas vezes o patrimônio
disponível do FGC para ressarcir depositantes em caso de falência. Hoje,
equivalem a cinco vezes, ou R$ 600 bilhões.
Do lado dos ativos, algumas das instituições
- como no caso do Master - usavam recursos captados no varejo para aplicar em
operações de atacado, como investimentos em fundos de crédito, participação em
empresas em reestruturação e precatórios.
A velocidade de crescimento do ativo do Banco
Master, que se multiplicou por dez em cinco anos, chegando a R$ 63 bilhões, era
sinal de alerta. Não necessariamente um problema, mas algo a ser monitorado de
perto, porque expansões muito aceleradas podem levar à má alocação de recursos.
Procurado pelo Valor, a assessoria de imprensa
do BC disse que não comenta processos internos - inclusive ações de supervisão
- em instituições específicas. “Como supervisor e regulador, atua continuamente
para assegurar a solidez e a eficiência do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e
o regular funcionamento das instituições que o compõem”, diz, em nota.
Um sinal de que o Banco Central mantinha
rédea curta é que os ativos ponderados pelo risco do Master cresceram mais do
que os ativos totais em 2024. Isso levou a uma exigência crescente de aportes
de capital no Banco Master pelos controladores. A intensidade da ação da
supervisão, porém, é limitada pela regulação.
A diretoria colegiada do Banco Central
discutiu muito o mau uso do FGC por algumas instituições e adotou medidas para
restringir eventuais abusos, segundo apuração do Valor. Foi feito um aperto com
a exigência, em 2023, de capital para cobrir o risco das novas aplicações em
precatórios. Foram feitas duas tentativas para limitar a alavancagem com
captações garantidas pelo FGC. A primeira exigiu, em 2019, uma contribuição extra
para quem captasse em excesso, mas a medida foi muito fraca e não surtiu os
efeitos desejados. Em 2024, entrou em vigor outra medida que, na prática,
limitou quantitativamente a alavancagem por meio do seguro de depósitos a seis
vezes o patrimônio líquido ajustado.
A regra está sendo aplicada de forma
paulatina, ao longo de quatro anos, como um torniquete. O diagnóstico é que a
procura de outras alternativas de funding pelo Master tenha sido influenciada
por essa regra - o que colocou a instituição sob os holofotes da disciplina de
mercado.
Pode-se discutir se os bancos médios teriam
que ter um limite ainda mais rigoroso de alavancagem com recursos do FGC, e se
algumas instituições já são fortes o suficiente para se desmamarem do sistema.
Pode haver melhorias também do lado dos ativos dos bancos. Uma discussão
relevante é se é adequado captar dinheiro no varejo para operações no atacado.
Será o caso, também, de fazer um pente-fino para avaliar e corrigir outras
arbitragens regulatórias que criam riscos para o sistema.
O caso do Banco Master tem sido usado como
argumento de que o seguro de depósito brasileiro é exagerado. De fato, é
generoso e cobre seis vezes a renda per capita - cerca do dobro do visto em
outros países. Mas esses custos todos devem ser ponderados com os ganhos que,
de fato, a regra trouxe ao permitir o aumento da concorrência.
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