segunda-feira, 7 de abril de 2025

BC assumiu um risco calculado com o FGC - Alex Ribeiro

Valor Econômico

Banco Central dava como certo, desde o princípio, que surgiriam distorções

O Banco Master não teria assumido tantos riscos se não fossem os flancos de uma regra que permitiu captações sem limites com o seguro do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Mas essa mesma regra permitiu a entrada de competidores num mercado fortemente concentrado. Valeu a pena?

Pelas informações disponíveis, sim. O Banco Central já ajustou a regra para corrigir os excessos, de forma gradual. Caso se mostre insuficiente ou exagerado, sempre é possível calibrar.

Valor apurou que os dirigentes do Banco Central tinham consciência de que a regra de acesso ao FGC criava uma vantagem regulatória aos bancos médios. Foi um risco calculado e ajudou a criar alguns bancos digitais.

A regra permite que bancos menores captem recursos com CDBs e outros papéis garantidos pelo FGC. O depositante empresta de olhos fechados, ganhando um bom retorno com a tranquilidade de que, se houver quebradeira, o FGC ressarce até R$ 250 mil.

O Banco Central dava como certo, desde o princípio, que surgiriam distorções. Alguns bancos iriam pagar caro para captar e, depois, investir em ativos com mais risco e retorno mais elevado. Era entendido como o preço a ser pago para se ter um mercado bancário mais competitivo, que oferece produtos melhores e mais baratos para a população.

Para evitar os casos mais graves, o Banco Central previu, em sua estratégia, uma vigilância mais próxima das instituições que mais captavam depósitos garantidos pelo FGC.

Valor apurou que a evolução das operações do Banco Master não passou despercebida pela supervisão do BC. A autoridade monetária recebeu alertas de banqueiros, participantes de mercado e do próprio FGC, por meio de um acordo de cooperação. E tomou medidas para limitar o excesso de alavancagem do Master e de outros bancos, ainda que se possa discutir se o remédio foi fraco ou aplicado tardiamente.

Um dos pontos de alerta era que as captações protegidas pelo FGC cresciam muito rápido. Em 2018, os depósitos garantidos de instituições financeiras de médio porte equivaliam a duas vezes o patrimônio disponível do FGC para ressarcir depositantes em caso de falência. Hoje, equivalem a cinco vezes, ou R$ 600 bilhões.

Do lado dos ativos, algumas das instituições - como no caso do Master - usavam recursos captados no varejo para aplicar em operações de atacado, como investimentos em fundos de crédito, participação em empresas em reestruturação e precatórios.

A velocidade de crescimento do ativo do Banco Master, que se multiplicou por dez em cinco anos, chegando a R$ 63 bilhões, era sinal de alerta. Não necessariamente um problema, mas algo a ser monitorado de perto, porque expansões muito aceleradas podem levar à má alocação de recursos.

Procurado pelo Valor, a assessoria de imprensa do BC disse que não comenta processos internos - inclusive ações de supervisão - em instituições específicas. “Como supervisor e regulador, atua continuamente para assegurar a solidez e a eficiência do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e o regular funcionamento das instituições que o compõem”, diz, em nota.

Um sinal de que o Banco Central mantinha rédea curta é que os ativos ponderados pelo risco do Master cresceram mais do que os ativos totais em 2024. Isso levou a uma exigência crescente de aportes de capital no Banco Master pelos controladores. A intensidade da ação da supervisão, porém, é limitada pela regulação.

A diretoria colegiada do Banco Central discutiu muito o mau uso do FGC por algumas instituições e adotou medidas para restringir eventuais abusos, segundo apuração do Valor. Foi feito um aperto com a exigência, em 2023, de capital para cobrir o risco das novas aplicações em precatórios. Foram feitas duas tentativas para limitar a alavancagem com captações garantidas pelo FGC. A primeira exigiu, em 2019, uma contribuição extra para quem captasse em excesso, mas a medida foi muito fraca e não surtiu os efeitos desejados. Em 2024, entrou em vigor outra medida que, na prática, limitou quantitativamente a alavancagem por meio do seguro de depósitos a seis vezes o patrimônio líquido ajustado.

A regra está sendo aplicada de forma paulatina, ao longo de quatro anos, como um torniquete. O diagnóstico é que a procura de outras alternativas de funding pelo Master tenha sido influenciada por essa regra - o que colocou a instituição sob os holofotes da disciplina de mercado.

Pode-se discutir se os bancos médios teriam que ter um limite ainda mais rigoroso de alavancagem com recursos do FGC, e se algumas instituições já são fortes o suficiente para se desmamarem do sistema. Pode haver melhorias também do lado dos ativos dos bancos. Uma discussão relevante é se é adequado captar dinheiro no varejo para operações no atacado. Será o caso, também, de fazer um pente-fino para avaliar e corrigir outras arbitragens regulatórias que criam riscos para o sistema.

O caso do Banco Master tem sido usado como argumento de que o seguro de depósito brasileiro é exagerado. De fato, é generoso e cobre seis vezes a renda per capita - cerca do dobro do visto em outros países. Mas esses custos todos devem ser ponderados com os ganhos que, de fato, a regra trouxe ao permitir o aumento da concorrência.

 

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