Em todos os momentos de crise aguda no país, soubemos nos dotar de um projeto de nação. Isso se deuapós o suicídio de Vargas, a renúncia de Jânio ou o impedimento de Collor. Hoje, a crise é igualmente grave e nem projeto de governo nós temos. O que existe é uma tentativa de perpetuação no poder de um grupo apenas. Lamentável, mas verdadeiro.
Em muitas áreas ou setores da vida brasileira estamos com dificuldades para
garantir o básico, isto é, saneamento, educação, saúde, direito de ir e vir. Ou a Democracia não possui
uma dimensão social e econômica também, indo além da esfera institucional? A isso chamamos
Radicalidade Democrática justamente. Temos uma das maiores concentrações de renda do mundo, investimos
pouco nas novas tecnologias e ainda engolimos a roubalheira travestida de ação política. Tudo
isso contribui para desorientar a população, em perda acelerada de identidade. A violência urbana campeia de
tal maneira que ficamos com a impressão de que a vida vale pouco ou nada. E não só: há quase cinco milhões
de brasileiros fora do país.
Isso, oficialmente. Os jovens estão indo embora daqui. Desistiram do país. Como reverter esse estado de coisas? Primeiramente, precisamos restabelecer o fio da meada, voltar a ter uma contra elite. Nos momentos cruciais da vida brasileira, ela se apresentou, disse sim ao país. Entendemos por contra elite aquele setor das camadas cultas da população que se compromete com as reformas de estrutura de que o país necessita com urgência. Entre os anos 40 e 60, tivemos isso. A ditadura militar interrompeu esse processo e a redemocratização não o retomou, ainda que sob novas bases. Ou seja, é fundamental nos dotarmos de uma contra elite que se debruce sobre a nossa realidade, estudando os seus problemas e, ao lado das massas populares, proponha soluções para eles. Qualquer projeto está fadado ao fracasso se não envolver a sociedade civil, sempre maior do que o Estado.
E a sociedade tem ido à luta, apesar das dificuldades todas. Há sinais claros nesse sentido. Temos mais de 25 milhões de brasileiros no MEI, lutando por sua sobrevivência. Contabilizamos cerca de dez milhões de artesãos e isso equivale à população de uma Suécia inteira. É um dado novo; o mundo do trabalho começando a se mexer fora do Estado. Na atividade cultural acontece algo semelhante. Em cada canto do Brasil é possível perceber que há jovens fazendo ótimo teatro de rua, mulheres como aquelas do Jalapão fabricando seus magníficos artefatos a partir do capim dourado, escritores talentosos expondo seus livros, músicos como aqueles reunidos em torno das escolas de samba do Rio de Janeiro ou do Olodum em Salvador. Por outro lado, aumenta o grau de consciência das pessoas no tocante aos problemas ambientais.
São nítidos sinais de reação. Alguém já disse lá atrás que "povo algum se
deixa matar de fome" - foi Luiz Carlos Prestes. Falta coordenar muitas vezes esses anseios todos e é aqui que
entra o partido político como um dos denominadores comuns imprescindíveis à vida brasileira.
Temos que envolver o Estado, mas ele não encarna toda a dimensão pública. A
sociedade civil é maior, conforme dito acima. Quem governava o Brasil na época das Missões Guaranis?
Muitos não têm a menor ideia. Mas sabemos quem foi Sepé Tiaraju. Quem administrava a Colônia ao longo
da epopeia do Quilombo dos Palmares? Muitos desconhecem. Mas sabemos quem foi Zumbi e o que ele
representou.
Quem mandava e desmandava por aqui durante a Conjuração Mineira? Muitos de nós sequer desconfiamos. Mas Tiradentes, Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga nós conhecemos. Quem presidia o país durante a marcha da Coluna Prestes? Difícil responder, talvez. Mas todos situamos a figura épica de Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Tenho insistido nisso. E o que eu quero dizer? Que o papel do partido político reside em sentir o pulso da sociedade civil, atuar ao lado dela, capacitando-a e capacitando-se para se tornar o intérprete de seus anseios junto ao Estado. Ser, em suma, um agente antropológico entre a sociedade e o Estado.
Ou seja, precisamos tomar a sociedade como ponto de partida e não o Estado.
Mudar o eixo da atuação partidária. Isso não se fará sem luta, tamanho o comprometimento dos partidos
com as benesses estatais. A esmagadora maioria dos partidos, infelizmente, só existe para isso.
Provavelmente serão varridos pelos novos ventos que já começam a soprar. Os movimentos sociais não os perdoarão,
tenho essa convicção. Aí estão as placas tectônicas se deslocando abaixo dos nossos pés. Mas, como dizia
o saudoso Giocondo Dias, "precisamos entrar nisso que aí está".
*Ivan Alves Filho, historiador.
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