STF faz bem em ampliar exigências sobre emendas
O Globo
Universidades, projetos culturais e eventos
também precisam de transparência no uso dos recursos
Diante das sucessivas manobras do
Legislativo, as emendas parlamentares continuam a exigir a ação do Judiciário.
Na última decisão, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino determinou
a estados e municípios beneficiados, entre 2020 e 2023, por transferências
diretas ao próprio caixa sem projeto nem controle — modalidade conhecida como
“emenda Pix” — que prestem conta do uso das verbas num prazo de 90 dias perante
os ministérios de origem dos recursos. Ao mesmo tempo, e pelo mesmo motivo,
Dino suspendeu novos repasses a universidades federais, estaduais e suas
fundações.
No ano passado, ele sustou a liberação de emendas até que Legislativo e Executivo estabelecessem regras que atendessem às exigências constitucionais de transparência e rastreabilidade. Determinou que toda emenda deveria indicar origem do repasse, destinatário e comprovasse os gastos. No mês passado, o Congresso aprovou medidas para atender às exigências. Infelizmente, insuficientes. Continuou opaca a destinação de emendas por bancadas partidárias e comissões temáticas.
Apesar de avanços, as novas regras foram
consideradas “longe do ideal” por Dino. Além de esclarecimentos sobre os gastos
previstos para este ano, ele continua — acertadamente — a exigir informações
sobre emendas liberadas no passado. “O não cadastramento de 6.247 planos de
trabalho, totalizando dezenas de bilhões do orçamento público federal,
sublinha, mais uma vez, o nível de desorganização institucional que marcou a
implementação das transferências especiais [<italic>‘emendas
Pix’</italic>]”, escreveu. Dos R$ 21 bilhões transferidos nos últimos
quatro anos por meio dessas emendas, para apenas 4% delas (R$ 933 milhões)
foram apresentadas prestações de contas pelos estados e municípios
beneficiados. De R$ 4,48 bilhões repassados no primeiro semestre de 2024, só há
informações detalhadas para 14%, ou R$ 627,2 milhões, revelou levantamento da
Transparência Brasil para O GLOBO.
No mês passado, os ministérios do Turismo, da
Fazenda e da Saúde receberam 30 dias para explicar o que aconteceu com recursos
remetidos por parlamentares. Além de faltarem dados sobre remessas ao SUS, Dino
quer saber quantas de 1.219 emendas cadastradas até março sob a rubrica
“Turismo” serão destinadas a empresas beneficiadas pelo Programa Emergencial da
Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado na pandemia e considerado uma via
para desvio de recursos.
Uma nova frente foi aberta por Dino ao
suspender repasses de emendas a universidades e suas fundações, com base em
relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) que analisou a remessa de R$
133,3 milhões às instituições de ensino. Entre elas, as universidades de São
Paulo (USP), Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Federal Fluminense (UFF),
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e de Brasília (UnB). Dino pediu
esclarecimentos também a universidades e fundações de oito estados: Acre,
Alagoas, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rondônia e Sergipe. Há ainda na
lista duas organizações de hospitais filantrópicos e a Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Como se vê, a farra das emendas não
beneficiou apenas prefeituras obscuras vinculadas a congressistas.
Universidades, eventos e projetos culturais também precisam ser transparentes.
Não cabem exceções à regra no uso do dinheiro público.
Trump reforça urgência de concluir acordo
entre Mercosul e EU
O Globo
Com tarifaço americano, dois blocos têm ainda
mais a ganhar criando um polo pujante de livre-comércio
As tarifas decretadas na semana passada
por Donald
Trump deram um novo impulso para apressar a entrada em vigor do acordo
comercial entre Mercosul e União
Europeia (UE). Em dezembro, já sob o espectro da posse de Trump, os
dois blocos anunciaram formalmente em Montevidéu a conclusão das negociações do
acordo. Restaram apenas poucas arestas a aparar até a assinatura formal e
submissão aos respectivos parlamentos para a sanção legislativa. Agora, com as
restrições impostas a vendas para os Estados Unidos, ambos têm a ganhar
acelerando sua entrada em vigor, que criará no planeta um polo comercial
pujante.
Mercosul e UE têm juntos 718 milhões de
habitantes e um PIB de US$ 22 trilhões, comparável ao dos Estados Unidos.
Apenas entre Brasil e UE já há comércio bilateral de aproximadamente US$ 92
bilhões. O conjunto dos países do Mercosul — Brasil, Argentina, Uruguai e
Paraguai — se tornará um dos maiores parceiros dos europeus. Os dois blocos têm
um comércio equilibrado: em 2023 os sul-americanos exportaram € 54 bilhões à UE
e importaram € 56 bilhões. Com a redução de tarifas e outras barreiras, o
tratado permitirá elevar esses valores, gerando emprego e renda de ambos os
lados. Calcula-se que as empresas da UE economizem € 4 bilhões por ano hoje
pagos em tarifas. As vendas do bloco sul-americano para o europeu também se
beneficiarão da queda tarifária.
O sentido do acordo é o oposto ao projeto
trumpista de fechamento de fronteiras. Em 2019, o Brasil chegou a anunciar um
entendimento final com a UE, mas o enfraquecimento de políticas ambientais
serviu de pretexto para os interesses protecionistas europeus reabrirem a
negociação. O acordo ainda enfrenta resistências na Europa, principalmente
entre pequenos e médios produtores rurais franceses, temerosos de enfrentar
potências agrícolas como Brasil e Argentina. O presidente francês, Emmanuel
Macron, tentou obter o apoio de Itália, Holanda e Áustria para rejeitá-lo. Em
dezembro, o governo francês tratou o acordo como “inaceitável”. Mas a ascensão
de Trump, e consequente fechamento do mercado americano a produtos europeus,
tende a mudar o quadro.
É crucial superar os desentendimentos. Os parlamentos dos países do Mercosul, Conselho de Ministros e Parlamento Europeu precisam aprovar o tratado. Depois disso, a parte comercial poderia entrar em vigor. As demais ainda dependeriam dos 27 parlamentos da UE. Há uma tentativa de sabotagem por parte de setores ultranacionalistas europeus. Mas é hora de entender que o melhor que Europa e Mercosul podem fazer diante da geopolítica desagregadora de Trump é usar a força do acordo para aproximar os blocos, numa mensagem ao mundo contrária ao protecionismo e ao isolacionismo.
Retaliação da China dá nova escala à guerra
das tarifas
Valor Econômico
A ordem econômica do pós-guerra ruiu e
investidores, empresas e governos não têm a menor ideia do que tomará o seu
lugar
Quando as duas maiores economias do mundo,
Estados Unidos e China, colocam barreiras tarifárias escandalosas no comércio
entre si, o crescimento global passa a correr um sério risco. Todos os mercados
financeiros, de commodities a moedas, passaram a refletir essa ameaça na
sexta-feira, depois que a China estabeleceu tarifas de 34% sobre as importações
americanas, dando uma dimensão maior à guerra comercial deslanchada pelo
presidente Donald Trump. Bolsas americanas e europeias e os mercados de
petróleo tiveram quedas expressivas, tão fortes quanto as do início da pandemia
da covid-19. O choque de oferta que o maior importador do mundo, os EUA, que
compram US$ 3 trilhões em bens produzidos fora, causa ao isolar seu país detrás
de uma muralha protecionista guarda alguma proporção com os dias em que a
produção mundial começou a parar em função de um vírus devastador.
A maioria dos países evitou revidar as
investidas tarifárias de Trump para saber se elas viriam de fato - ele algumas
vezes anunciou e depois postergou as medidas - e preferiu aguardar negociações
que seriam, em tese, o objetivo do presidente americano. Ao fixar na
quinta-feira tarifas que iam muito além do esperado - 10% para quase todos os
países e de até 50% para determinadas nações -, não restou a menor dúvida de
que, se houver barganhas, as ofertas, para serem aceitas, terão de ser
“fenomenais”, como disse Trump. A diferença entre os objetivos tarifários de
Trump e o velho protecionismo é que os objetivos de agora não são mais apenas
econômicos, mas geopolíticos e de exibição de poder. Trump taxou México e
Canadá para exigir que seus principais parceiros comerciais vizinhos acabassem
com a exportação clandestina aos EUA de fentanil e da imigração ilegal pelas
fronteiras mexicanas.
Contra a China, alvo principal dos EUA já há
quase uma década, foi imposta uma média tarifária que ultrapassa 60%,
suficiente para impedir a entrada de todos os seus produtos no mercado
americano. O presidente Xi Jinping revidou, colocando impostos de importação de
34%, o que, com sanções anteriores, leva a proteção tarifária contra bens dos
EUA a mais de 50%. Pequim resolveu igualar a ofensiva e esperar uma negociação,
um lance que forçará Trump à mesa ou a dobrar a aposta. Basta, no entanto,
comparar a magnitude das tarifas em discussão com as que eram consideradas
altas antes - as do Brasil, por exemplo, com taxa efetiva de 13% - para se
medir a distância que o comércio global está tomando de uma ordem comercial
baseada em regras e fronteiras abertas.
A resposta chinesa, que insinua uma guerra
comercial em grande escala e um cisma entre as duas principais economias,
forçou a uma reavaliação atabalhoada dos ativos que derrubou o preço de todos -
ações, commodities e moedas. Apesar da convicção da equipe de Trump, o
epicentro do terremoto tarifário, com danos de monta, está nos Estados Unidos.
Na sexta-feira, durante nova turbulência nos mercados, o JP Morgan avaliou que
as chances de recessão nos EUA subiram de 40% para 60%. Os mercados futuros
indicaram esperar quatro ou cinco cortes de juros de 0,25 ponto pelo Federal
Reserve.
Jerome Powell, presidente do Fed, não
encorajou essas apostas e ressaltou na sexta seus dilemas. As tarifas acabaram
“sendo mais altas que as esperadas”, o que, então, provocará “inflação mais
elevada e crescimento mais baixo”. Ambos os objetivos da política monetária do
banco podem caminhar em direção oposta, e o Fed, diante de incertezas que se
tornaram enormes, não tem clareza sobre o futuro.
Os sinais sobre o rumo do dólar mudaram
abruptamente de um dia para o outro. Na quinta, teve uma das maiores quedas,
1,6%, ante uma cesta de moedas. Na sexta, disparou, com a corrida para a
segurança em direção à moeda e aos títulos americanos (os de 10 anos recuaram
abaixo de 4%, indício de desaceleração forte da economia). A queda favoreceu a
valorização do real e a redução importante dos juros futuros, criando uma
expectativa fugaz de que o BC poderia até encerrar logo o ciclo de alta da
Selic e a inflação cairia mais rapidamente. Na sexta, viu-se que isso pode ser
uma ilusão.
A resultante do protecionismo e da política
econômica de Trump pode ser um dólar fraco - o contrário do que pretende. As
tarifas vão encarecer as exportações e as retaliações, fechar-lhes mercados. Em
todas as simulações, com as tarifas, as exportações americanas caem mais do que
as importações. Um dólar fraco as estimularia, mas erodiria a força tarifária
ao baratear compras do exterior. Um dólar forte não ajudaria a botar fim ao
déficit comercial. Não há, porém, como prever ainda a direção futura da moeda.
O petróleo, commodity estratégica, desabou
nos dois dias de tumultos (o Brent caiu 10% e o WTI, 15%), e, com a perspectiva
de desaceleração da economia global e aumento de produção da Opec+, não terá
muito fôlego para alta. Ao lado de um dólar bem comportado, faria uma
combinação boa para ajudar o BC a derrubar a inflação se o governo resolver
fazer sua parte e cortar gastos. Mas a ordem econômica do pós-guerra ruiu e
investidores, empresas e governos não têm a menor ideia do que tomará o seu
lugar. Tarifa, uma peça quase em desuso no auge da globalização, tornou-se
chave para a tentativa de acabar com o jogo do livre comércio.
Mesmo com surpresa no PIB, pessimismo avança
Folha de S. Paulo
Datafolha mostra que, pela primeira vez no
terceiro mandato de Lula, maioria dos brasileiros acha que economia piorou
Apesar da interrupção na queda de
popularidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), a recente
pesquisa Datafolha,
realizada entre 1º e 3 de abril de 2025, mostra que se tornou mais negativa a
percepção da população a respeito do estado da economia,
mesmo com crescimento acima do esperado.
Pela primeira vez no terceiro mandato de
Lula, a maioria dos entrevistados (55%) considera
que a situação econômica nacional piorou nos últimos meses, um salto
de dez pontos percentuais desde dezembro de 2024.
A confiança da opinião pública também segue
abalada: 36% agora esperam uma piora nos próximos meses, ante 28% em dezembro,
enquanto os otimistas caíram de 33% para 29%. Já na esfera pessoal, embora a
estabilidade predomine (39%), a sensação de piora subiu de 27% para 34%.
Na mesma direção, há expectativa majoritária
de que a inflação continuará
em alta (62%, ainda que abaixo dos 67% da leitura anterior) e pessimismo
dominante quanto ao poder de compra dos salários —37% acham que vai diminuir,
ante 30% que acreditam em aumento, relação um pouco melhor que a de dezembro.
Os
números refletem a pressão inflacionária aguda, sobretudo em itens
essenciais, como alimentos, que penaliza as famílias mais pobres
desproporcionalmente. Tal situação foi impulsionada pelo gasto público e
percebida pela população, que se torna descrente de uma virada positiva.
De fato, mesmo os indicadores favoráveis no
mercado de trabalho —como a criação recorde de 431 mil vagas formais em 2025,
segundo o Caged, e uma taxa de desemprego de
6,8%— não trazem alento nas respostas. Pelo contrário, 43% preveem fechamento
de vagas, ante 41% em dezembro.
É um sinal de que o humor econômico pode
estar mais atrelado à inflação do que ao emprego. A batalha contra a elevação
de preços está longe de ser vencida. As projeções para a alta do IPCA neste ano
estão em 5,65%, muito acima da meta de 3%. Não se espera grande melhora nos
alimentos
A expectativa há poucos meses era a de que
os juros altos, que
devem se aproximar de 15% ao ano nos próximos meses, poderiam esfriar a
atividade e abrir espaço para taxas menores e uma retomada da economia até
2026.
Para tanto, seria desejável paciência do
governo, com contenção de gastos públicos, até que a política monetária pudesse
fazer o seu papel. Não é o que indica o Planalto, contudo, ao insistir em
medidas de estímulo que a esta altura apenas devem prolongar o período de juros
elevados.
No mundo, cresceu o risco de recessão com as
medidas tresloucadas do presidente americano, Donald Trump,
que já provoca queda dos preços do petróleo e pode desvalorizar o dólar. Uma
eventual apreciação do real e menores custos de energia podem reduzir a
carestia interna.
De todo modo, trata-se de cenário hostil, com
o qual Lula não demonstrou capacidade de lidar após dois governos de bonança.
Acordo com STF reduz farra das emendas
parlamentares
Folha de S. Paulo
Deputados e senadores deram início ao
processo de divulgação dos padrinhos de recursos enviados a Estados e
municípios
O Congresso
Nacional deu mais um passo em
seu acordo com o Supremo Tribunal Federal para racionalizar o uso das
emendas parlamentares. Já não era sem tempo, pois esses repasses, do modo como
têm sido feitos, comprometem sobremaneira a qualidade dos gastos públicos em um
Estado já deficitário.
Como parte das exigências do STF, deputados e
senadores começaram na semana passada o processo de divulgação, de forma
individualizada, dos padrinhos de recursos enviados a estados e municípios por
meio de emendas de comissão.
Espera-se, com isso, eliminar ao menos um dos
graves problemas dessa modalidade de dispêndio: a falta de transparência sobre
o real autor da indicação.
Resolver esse ponto não é questão de somenos.
A transparência dos gastos públicos está presente em vários artigos da Constituição,
em diretrizes que visam facilitar o trabalho dos órgãos de controle e garantir
que o cidadão, por conta própria, possa verificar de que maneira os políticos
empregam o dinheiro dos impostos.
A opacidade, contudo, não é a única distorção
que precisa ser corrigida. Há outras, como o uso eleitoral das verbas, a baixa
eficiência na aplicação e a desigualdade na distribuição —todas exemplificadas
nas canetadas de Carlos Fávaro, senador licenciado (PSD) e ministro da
Agricultura e Pecuária no governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT).
Cotado para concorrer ao Governo de Mato
Grosso em 2026, Fávaro
destinou R$ 29 milhões a Jangada (MT) em 2023. A cidade de 7.426 moradores
reelegeu em primeiro turno o prefeito Rogério Meira (PSD), aliado do ministro.
Feita uma conta básica, a bolada equivale a R$ 3.956 por habitante.
O valor chama a atenção em termos absolutos,
mas algumas comparações evidenciam o despautério. Na média, municípios com
prefeitos reeleitos foram beneficiados por aliados com R$ 85 por habitante. São
Felipe d’Oeste (RO), a segunda cidade que mais recebeu dinheiro nesse grupo,
ficou com R$ 1.940 por pessoa.
Para piorar, 98% da verba chegou a Jangada
por meio das chamadas emendas Pix, que caíram direto no caixa da cidade, sem
vinculação a projetos específicos.
A Folha procurou o ministério e a
Prefeitura de Jangada para saber por que o valor foi tão alto e onde as verbas
foram aplicadas. Não houve resposta.
Como parte do acordo com o STF, as emendas Pix agora só podem ser pagas mediante planos de trabalho. Avança-se aos poucos, mas ainda falta muito para interromper essa farra com a qual o Congresso se habituou.
O Brasil espremido entre EUA e China
O Estado de S. Paulo
Com baixa competitividade e pouca
diversificação no comércio internacional, do qual participa com 1,5%, o Brasil
ingressa numa nova ordem econômica mundial sem margem de manobra
Quando, em 2009, a China tornou-se o
principal parceiro comercial do Brasil, interrompeu quase 80 anos de liderança
absoluta dos EUA nessa posição. Desde então, a China se consolidou como nosso
maior mercado, respondendo, sozinha, por quase um terço de todas as exportações
brasileiras. Em 2023 foram US$ 104,3 bilhões; em 2024, US$ 94,4 bilhões. Também
vem da China a maior parcela de produtos importados pelo Brasil: no ano passado
foram US$ 63,6 bilhões, enquanto dos EUA vieram US$ 40,6 bilhões.
O Brasil se beneficiou da abertura da China
ao mercado global, iniciada no final da década de 1970 – depois da conversão
chinesa a uma espécie de capitalismo de Estado, totalmente controlado pelo
regime comunista. Foi um ganho quase “passivo”, já que do lado brasileiro o
avanço na abertura de mercado foi mínimo e a forte intervenção estatal na
economia, que ainda se mantém, tenha feito do Brasil também um modelo que
lembra algo do capitalismo de Estado, embora a democracia tenha sido restaurada
com o fim do regime militar.
O resultado é que, com baixa competitividade
e fraca diversificação internacional, o País ingressa numa nova ordem econômica
mundial espremido entre dois gigantes, com forte dependência da China e poder
de barganha restrito com os EUA. A busca por novos mercados recentemente passou
a ser intensificada, mas já num cenário de muita apreensão e incertezas. É
recomendável que o Brasil atue diplomaticamente, mas pode fortalecer-se ao
buscar associações que aumentem sua importância na disputa. Afinal, como num jogo
de xadrez, o valor de cada peça depende muito da posição que ela ocupa no
tabuleiro.
Como advertiu, em entrevista
ao Estadão, o professor Matias Spektor, da Fundação Getulio Vargas
(FGV), alguns setores industriais brasileiros poderão ser varridos do mapa com
“uma enxurrada de produtos chineses” redirecionados a outros mercados depois da
taxação de Donald Trump de 34% à China.
O Brasil não está preparado para uma invasão
generalizada de produtos da China, que, saliente-se, é muito forte no comércio
de eletrônicos, produtos têxteis, brinquedos, produtos químicos e agrícolas.
Trata-se de uma ameaça concreta à indústria com potencial de abrir uma crise
com o governo. Basta lembrar o protesto recente das montadoras que resultou
numa sobretaxa à importação dos carros elétricos chineses. A Associação
Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) informou, no início
do ano, que ainda estuda apresentar ao Ministério do Desenvolvimento um pedido
para que as montadoras chinesas de carros elétricos sejam investigadas por
suposta prática de dumping. Essa reação deve se verificar nos demais setores
afetados.
Acostumada a uma economia excessivamente
fechada e protecionista, a indústria nacional passou a investir pesadamente em
lobbies e proporcionalmente menos na inovação e na produtividade necessárias
para enfrentar a competição global. Na outra ponta, o agronegócio, que ampliou
significativamente a produção investindo em tecnologia, ocupa o topo do
comércio em diversos produtos, mas fica à mercê de preços que são fixados no
mercado internacional. Entre as commodities agrícolas, a soja é o destaque, e
dois terços da produção são exportados, tendo a China como principal comprador.
Portanto, qualquer reviravolta mundial pode afetar seriamente a balança
comercial brasileira.
A acertada e rápida reação do Congresso
Nacional, que aprovou por unanimidade o Projeto de Lei da Reciprocidade, que
abre ao governo a possibilidade de retaliação a barreiras comerciais que possam
ser consideradas injustas sem a necessidade de aprovação de organismos
internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), é muito bem-vinda
num momento de incertezas como o atual. Mas deve servir apenas como uma espécie
de seguro, que o País contrata na esperança firme de não usar. O jogo agora
ficou mais duro e com mais interesses em disputa.
STF manda governo do Rio fazer o óbvio
O Estado de S. Paulo
Ao julgar a ADPF das Favelas, corolário da
bagunça institucional no País, STF determina que o governo fluminense ‘reocupe’
o território tomado pelo crime organizado, de resto uma obrigação
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o
julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, a
chamada ADPF das Favelas. Trata-se de uma ação interposta pelo PSB, em novembro
de 2019, que pedia ao STF para que fossem “reconhecidas e sanadas as graves
lesões a preceitos fundamentais da Constituição praticadas pelo Estado do Rio
de Janeiro na elaboração e implementação de sua política de segurança pública”.
Primordialmente, a ADPF das Favelas visava à redução da letalidade das polícias
fluminenses, então classificada pelo partido autor da ação como “excessiva e
crescente”.
Uma pandemia depois, muito vaivém e não menos
exploração política por todos os lados nos últimos cinco anos, o STF, enfim,
chegou a uma decisão consensual (per curiam, no jargão jurídico) no dia 3
passado a partir de divergências entre o colegiado em relação ao relatório do
ministro Edson Fachin. Tida como intervencionista demais em uma política
pública que, ao fim e ao cabo, é de competência do Executivo, e não do Judiciário,
a decisão liminar de Fachin exarada à época da propositura da ADPF das Favelas,
de fato, fixava uma série de critérios para que operações policiais fossem
realizadas naquelas localidades, o que, na prática, reduzia a autonomia das
autoridades policiais.
Por outro lado, se não cabe ao STF se
imiscuir em política pública típica do Executivo estadual, tampouco é possível
fechar os olhos para a realidade incontornável de uma atuação policial, como a
que se observa no Rio, que não raras vezes trata o respeito aos direitos
humanos, às leis e aos primados da Constituição como meras aporrinhações no
combate ao crime. Noutras palavras: uma ADPF como a ADPF das Favelas não é
outra coisa senão um dos corolários de uma bagunça institucional que grassa no
País há tempos, pois, se o governador Cláudio Castro (PL) fosse um exemplo de
chefe de governo a serviço de uma política de segurança eficiente e
republicana, decerto não haveria necessidade de o STF lhe cobrar respeito à Lei
Maior.
Severo crítico da ADPF das Favelas, o sr.
Castro, espertamente, usou a decisão monocrática do ministro Fachin para
atribuir ao STF a criação de supostos “obstáculos” à atuação das polícias sob
seu comando e até o aumento da criminalidade no Estado que ele governa. A bem
da verdade, a ação, por si só, representa a completa desmoralização do governo
do Rio, responsável maior pela segurança pública, e do governo federal, no
limite de suas competências nessa seara – como, por exemplo, o controle de
fronteiras por onde passam armas e drogas, além do combate aos crimes federais
imbricados com o banditismo local.
Idealmente, o STF jamais deveria ter sido
provocado a se pronunciar sobre os rumos da política de segurança pública no
Rio ou em qualquer outro Estado. Menos ainda deveria ser instado a obrigar o
governador Cláudio Castro a concluir, pasme o leitor, um plano de trabalho para
a “reocupação territorial de áreas que estão atualmente sob domínio de
organizações criminosas” no Estado, o que, segundo o mandatário, “será um
desafio”.
No que pode ser considerado o ponto central
da conformação ajustada entre os ministros, o STF decidiu desconsiderar o
“estado de coisas inconstitucional” nas intervenções policiais em favelas do
Rio. Na prática, isso retira da Corte a prerrogativa de interferir mais
incisivamente nos rumos da política de segurança do Estado, o que agradou ao
governador. Não obstante, o STF manteve algumas restrições, além de determinar
o uso obrigatório de câmeras corporais por policiais no prazo de 180 dias.
Ademais, a Corte determinou que a Polícia
Federal investigue a atuação das facções criminosas no Rio, o que poderá
revelar as relações perigosas entre o crime organizado e autoridades do Estado.
Presente à sessão, Castro disse se sentir
“contemplado” pelas modulações feitas pelo STF e que “ganha a segurança
pública”. Espera-se que agora, livre dos “obstáculos” que ele acusou o STF de
lhe impor, o governador possa oferecer à população do Rio – em particular para
cerca de 1,5 milhão de pessoas que vivem nas favelas da capital fluminense – a
segurança e a dignidade de que ela tanto carece.
O Pé-de-Meia inchado de Lula
O Estado de S. Paulo
Governo do PT turbina programa e custo salta
R$ 5 bilhões após uma canetada do MEC
Criado com o objetivo de estancar a evasão no
ensino médio, o Pé-de-Meia já custa mais de R$ 5 bilhões por ano em relação às
projeções iniciais do governo Lula da Silva. De agosto de 2024 para este ano, o
programa passou do patamar de R$ 7,1 bilhões para R$ 12,5 bilhões. O total de
alunos a serem beneficiados com o incentivo financeiro para que não abandonem a
escola saltou de 2,4 milhões para 4 milhões, segundo dados do Ministério da
Educação (MEC).
De autoria da deputada federal Tabata Amaral
(PSB-SP), o programa consiste no pagamento ao estudante de R$ 200 mensais, que
podem ser sacados ou ficar numa poupança. Além disso, a cada ano cursado, o
aluno ganha mais R$ 1 mil. Ao término, o beneficiário pode acumular, nos
valores atuais, até R$ 9.200.
Concebido para atender os estudantes
regulares da rede pública e de famílias assistidas pelo Bolsa Família, o
Pé-de-Meia passou a abranger alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e de
famílias com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo.
Sua expansão se deu por meio de portaria, numa canetada do MEC.
O programa é daquelas boas ideias que o PT se
esforça para estragar. Essa decisão do governo Lula de ampliá-lo suscita
questionamentos. É de perguntar quais os critérios que justificaram o seu
inchaço, se já houve uma avaliação da sua efetividade e se há recursos no
Orçamento de modo que sua expansão não afete outras políticas públicas.
Para o diretor de Políticas Públicas do Todos
Pela Educação, Gabriel Corrêa, “o programa ficou muito amplo e muito caro”,
considerando que a evasão no ensino médio é de 4% a 5%. Para ter uma ideia,
segundo o Censo Escolar de 2023, há 6,8 milhões de alunos no ensino médio
público – esse é o dado mais recente, haja vista que o levantamento de 2024
está atrasado.
Corrêa pergunta se o Pé-de-Meia está chegando
mesmo ao jovem que precisa. Não à toa, reportagem do Estadão apontou incongruências em
seus dados, ao localizar três cidades onde o total de beneficiados supera o
número de matriculados. Além disso, em 15 cidades 90% dos alunos do ensino
médio estão no programa.
Vale lembrar ainda que o desenho
institucional do Pé-de-Meia é problemático. Ele foi criado no ano passado fora
do Orçamento, e seus pagamentos foram feitos por meio de um fundo privado
administrado pela Caixa Econômica Federal, o que o colocou na mira do Tribunal
de Contas da União (TCU). Na peça orçamentária de 2025, o governo até passou a
prever o Pé-de-Meia, mas com apenas R$ 1 bilhão. Como o custo total ainda não
está assegurado, a gestão Lula poderá ter de pedir crédito suplementar ao longo
deste ano.
Como se vê, o governo optou por turbinar uma de suas principais vitrines eleitorais neste terceiro mandato presidencial – talvez a única – sem dimensionar seu público-alvo de forma correta nem se importar com gastos. Por já estar em campanha pela reeleição e com a popularidade em queda, Lula faz do Pé-de-Meia um trunfo eleitoreiro. O custo das irresponsabilidades de uma gestão do PT é sempre alto.
PNE e os desafios do começo ao fim
Correio Braziliense
As pesquisas e a realidade brasileira, por
mais que pareçam ser matérias repetidas, revelam que o país segue sem tirar
nota máxima no tema da importância de um ensino de qualidade
O Brasil continua cometendo erros
preocupantes no ensino público ofertado, conforme indicam os números. Na última
quinta-feira, dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb),
divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), mostram que a taxa de alfabetização no país, em 2023, foi de
49,3% - o resultado saiu de provas de português e matemática aplicadas no 2º
ano do fundamental a uma amostra de escolas.
O panorama desafia o próprio governo federal,
que prega o alcance de um índice maior. O novo Plano Nacional de Educação
(PNE), que deverá prevalecer por uma década e precisa ser votado pelo Congresso
ainda em 2025, quer assegurar, até o quinto ano da próxima vigência, que pelo
menos 80% das crianças estejam alfabetizadas ao final do 2º ano. A meta também
visa garantir que, no encerramento do prazo de execução do PNE, todos os
pequenos saibam ler e escrever na segunda série inicial dos estudos.
Amanhã, a Comissão de Educação (CE) promove
mais um debate do ciclo de audiências públicas sobre o PNE - o projeto de lei
do Executivo está em tramitação na Câmara. O objetivo do encontro é discutir a
ampliação da participação popular na definição do plano que entrará em vigor. A
iniciativa é fundamental, uma vez que a sociedade tem que ser ouvida para que
as diretrizes estabeleçam formas possíveis de solução dos problemas e
eliminação das desigualdades no sistema educacional.
Articular as demandas não é tarefa fácil,
dada a grandeza territorial e as diferenças culturais do Brasil. Estabelecer
políticas públicas em nível federal também exige disposição por parte de quem
foi eleito pela população. O financiamento dos projetos — para que não fiquem
apenas no papel — precisa ser um compromisso dos governos e do campo privado. O
monitoramento das metas estipuladas deve ser feito regularmente. Sem a
sincronia dessas ações, melhorar a formação nos anos iniciais fica impossível.
E o problema se estende: o ensino superior no
país apresenta sua parcela significativa de questões a serem resolvidas.
Fatores como tecnologia, digitalização e as mudanças nas expectativas dos
estudantes têm redefinido a maneira como as universidades operam. Porém, nesse
contexto amplo e de novidades constantes, surgem várias demandas que exigem
estratégias eficazes para assegurar cursos alinhados às necessidades do mercado
de trabalho.
Além disso, manter os universitários na sala
de aula é uma preocupação crescente. Nas instituições federais, segundo o
Tribunal de Contas da União (TCU), em 2023 cerca de metade das vagas não foram
preenchidas - isso seria em torno de 285 mil oportunidades que, por algum
motivo, não foram aproveitadas. Naquele mesmo ano, conforme o levantamento,
47,43% dos ingressantes terminaram o curso superior, ou seja, mais da metade
ficou pelo caminho.
As pesquisas e a realidade brasileira, por mais que pareçam ser matérias repetidas, revelam que o país segue sem tirar nota máxima no tema da importância de um ensino de qualidade para o desenvolvimento da nação. Todo esse descompasso, do começo ao fim do processo educacional gratuito, engloba lições que devem ser sempre relembradas para que os erros não ocorram novamente. Da mesma forma, o aprimoramento tem que ser contínuo para que a educação coloque o Brasil em condições de oferecer uma vida melhor para a sua população.
O jornalista e a democracia
O Povo
Na habilidade de unir tradição com inovação,
os jornalistas brasileiros garantem à sociedade o zelo por um bem
imprescindível: a democracia
Neste 7 de abril comemora-se o Dia do
Jornalista, instituído pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em
homenagem ao jornalista Giovanni Battista Libero Badaró, assassinado em
novembro de 1830 por lutar pelo fim da monarquia portuguesa e pela Independência
do Brasil.
Quase dois séculos depois, o nome de Liberó
Badaró é acompanhado por tantos outros jornalistas que labutam pela manutenção
da democracia, cada vez mais frágil no mundo. Segundo o Comitê para a Proteção
de Jornalistas (CPJ), 2024 bateu recorde de jornalistas mortos mundialmente:
pelo menos 124 profissionais foram assassinados em 18 países. Deles, 85 (68,5%)
foram mortos na Faixa de Gaza por soldados israelenses.
A violência contra o jornalista também está
materializada no assédio judicial — definido pela Associação Brasileira de
Jornalismo Investigativo (Abraji) como "o uso de medidas judiciais de
efeitos intimidatórios contra o jornalismo, em reação desproporcional à atuação
jornalística lícita sobre temas de interesse público" — e na
descredibilização sistemática do profissional e do fazer jornalístico.
A violência contra os profissionais é sintoma
do autoritarismo crescente, fortalecido pela promoção de fake news. Nunca foi
tão fácil e eficaz espalhar mentiras para manipular a opinião pública. Além de
tecnologias avançadas usadas para falsificar imagens e vídeos, como os deep
fakes, há também estratégias menos sofisticadas com igual impacto negativo,
como falas e fotos tiradas de contexto.
Os jornalistas são atacados justamente por
dominarem as técnicas de apuração, investigação e checagem, que garantem o
combate às fake news e a denúncia do que alguns gostariam de manter obscuro.
Foi assim que O POVO desvendou o esquema de venda de perfis do aplicativo
99POP, provocando mudança nas diretrizes da empresa; a ocupação irregular e
construção de uma estrada nas áreas de preservação ambiental de Itarema e
Amontada; o Escândalo dos Banheiros, caso de suposto desvio de verbas para a
construção de kits sanitários no Ceará; e tantas outras reportagens e
coberturas premiadas no decorrer dos 97 anos do veículo.
O ecossistema do jornalismo é extenso e depende da coletividade para fortalecer-se. Enquanto veículos nativos digitais e independentes contribuem com novas formas de pensar e fazer jornalismo, os meios tradicionais carregam séculos de experiência na vigilância da democracia, ancorando a credibilidade da qual a informação depende para ser levada a sério. Na habilidade de unir tradição com inovação, os jornalistas brasileiros garantem à sociedade o zelo por um bem imprescindível: a democracia.
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