segunda-feira, 7 de abril de 2025

O que a mídia pensa| Editoriais / Opiniões

STF faz bem em ampliar exigências sobre emendas

O Globo

Universidades, projetos culturais e eventos também precisam de transparência no uso dos recursos

Diante das sucessivas manobras do Legislativo, as emendas parlamentares continuam a exigir a ação do Judiciário. Na última decisão, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STFFlávio Dino determinou a estados e municípios beneficiados, entre 2020 e 2023, por transferências diretas ao próprio caixa sem projeto nem controle — modalidade conhecida como “emenda Pix” — que prestem conta do uso das verbas num prazo de 90 dias perante os ministérios de origem dos recursos. Ao mesmo tempo, e pelo mesmo motivo, Dino suspendeu novos repasses a universidades federais, estaduais e suas fundações.

No ano passado, ele sustou a liberação de emendas até que Legislativo e Executivo estabelecessem regras que atendessem às exigências constitucionais de transparência e rastreabilidade. Determinou que toda emenda deveria indicar origem do repasse, destinatário e comprovasse os gastos. No mês passado, o Congresso aprovou medidas para atender às exigências. Infelizmente, insuficientes. Continuou opaca a destinação de emendas por bancadas partidárias e comissões temáticas.

Apesar de avanços, as novas regras foram consideradas “longe do ideal” por Dino. Além de esclarecimentos sobre os gastos previstos para este ano, ele continua — acertadamente — a exigir informações sobre emendas liberadas no passado. “O não cadastramento de 6.247 planos de trabalho, totalizando dezenas de bilhões do orçamento público federal, sublinha, mais uma vez, o nível de desorganização institucional que marcou a implementação das transferências especiais [<italic>‘emendas Pix’</italic>]”, escreveu. Dos R$ 21 bilhões transferidos nos últimos quatro anos por meio dessas emendas, para apenas 4% delas (R$ 933 milhões) foram apresentadas prestações de contas pelos estados e municípios beneficiados. De R$ 4,48 bilhões repassados no primeiro semestre de 2024, só há informações detalhadas para 14%, ou R$ 627,2 milhões, revelou levantamento da Transparência Brasil para O GLOBO.

No mês passado, os ministérios do Turismo, da Fazenda e da Saúde receberam 30 dias para explicar o que aconteceu com recursos remetidos por parlamentares. Além de faltarem dados sobre remessas ao SUS, Dino quer saber quantas de 1.219 emendas cadastradas até março sob a rubrica “Turismo” serão destinadas a empresas beneficiadas pelo Programa Emergencial da Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado na pandemia e considerado uma via para desvio de recursos.

Uma nova frente foi aberta por Dino ao suspender repasses de emendas a universidades e suas fundações, com base em relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) que analisou a remessa de R$ 133,3 milhões às instituições de ensino. Entre elas, as universidades de São Paulo (USP), Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Federal Fluminense (UFF), Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e de Brasília (UnB). Dino pediu esclarecimentos também a universidades e fundações de oito estados: Acre, Alagoas, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rondônia e Sergipe. Há ainda na lista duas organizações de hospitais filantrópicos e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Como se vê, a farra das emendas não beneficiou apenas prefeituras obscuras vinculadas a congressistas. Universidades, eventos e projetos culturais também precisam ser transparentes. Não cabem exceções à regra no uso do dinheiro público.

Trump reforça urgência de concluir acordo entre Mercosul e EU

O Globo

Com tarifaço americano, dois blocos têm ainda mais a ganhar criando um polo pujante de livre-comércio

As tarifas decretadas na semana passada por Donald Trump deram um novo impulso para apressar a entrada em vigor do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (UE). Em dezembro, já sob o espectro da posse de Trump, os dois blocos anunciaram formalmente em Montevidéu a conclusão das negociações do acordo. Restaram apenas poucas arestas a aparar até a assinatura formal e submissão aos respectivos parlamentos para a sanção legislativa. Agora, com as restrições impostas a vendas para os Estados Unidos, ambos têm a ganhar acelerando sua entrada em vigor, que criará no planeta um polo comercial pujante.

Mercosul e UE têm juntos 718 milhões de habitantes e um PIB de US$ 22 trilhões, comparável ao dos Estados Unidos. Apenas entre Brasil e UE já há comércio bilateral de aproximadamente US$ 92 bilhões. O conjunto dos países do Mercosul — Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai — se tornará um dos maiores parceiros dos europeus. Os dois blocos têm um comércio equilibrado: em 2023 os sul-americanos exportaram € 54 bilhões à UE e importaram € 56 bilhões. Com a redução de tarifas e outras barreiras, o tratado permitirá elevar esses valores, gerando emprego e renda de ambos os lados. Calcula-se que as empresas da UE economizem € 4 bilhões por ano hoje pagos em tarifas. As vendas do bloco sul-americano para o europeu também se beneficiarão da queda tarifária.

O sentido do acordo é o oposto ao projeto trumpista de fechamento de fronteiras. Em 2019, o Brasil chegou a anunciar um entendimento final com a UE, mas o enfraquecimento de políticas ambientais serviu de pretexto para os interesses protecionistas europeus reabrirem a negociação. O acordo ainda enfrenta resistências na Europa, principalmente entre pequenos e médios produtores rurais franceses, temerosos de enfrentar potências agrícolas como Brasil e Argentina. O presidente francês, Emmanuel Macron, tentou obter o apoio de Itália, Holanda e Áustria para rejeitá-lo. Em dezembro, o governo francês tratou o acordo como “inaceitável”. Mas a ascensão de Trump, e consequente fechamento do mercado americano a produtos europeus, tende a mudar o quadro.

É crucial superar os desentendimentos. Os parlamentos dos países do Mercosul, Conselho de Ministros e Parlamento Europeu precisam aprovar o tratado. Depois disso, a parte comercial poderia entrar em vigor. As demais ainda dependeriam dos 27 parlamentos da UE. Há uma tentativa de sabotagem por parte de setores ultranacionalistas europeus. Mas é hora de entender que o melhor que Europa e Mercosul podem fazer diante da geopolítica desagregadora de Trump é usar a força do acordo para aproximar os blocos, numa mensagem ao mundo contrária ao protecionismo e ao isolacionismo.

Retaliação da China dá nova escala à guerra das tarifas

Valor Econômico

A ordem econômica do pós-guerra ruiu e investidores, empresas e governos não têm a menor ideia do que tomará o seu lugar

Quando as duas maiores economias do mundo, Estados Unidos e China, colocam barreiras tarifárias escandalosas no comércio entre si, o crescimento global passa a correr um sério risco. Todos os mercados financeiros, de commodities a moedas, passaram a refletir essa ameaça na sexta-feira, depois que a China estabeleceu tarifas de 34% sobre as importações americanas, dando uma dimensão maior à guerra comercial deslanchada pelo presidente Donald Trump. Bolsas americanas e europeias e os mercados de petróleo tiveram quedas expressivas, tão fortes quanto as do início da pandemia da covid-19. O choque de oferta que o maior importador do mundo, os EUA, que compram US$ 3 trilhões em bens produzidos fora, causa ao isolar seu país detrás de uma muralha protecionista guarda alguma proporção com os dias em que a produção mundial começou a parar em função de um vírus devastador.

A maioria dos países evitou revidar as investidas tarifárias de Trump para saber se elas viriam de fato - ele algumas vezes anunciou e depois postergou as medidas - e preferiu aguardar negociações que seriam, em tese, o objetivo do presidente americano. Ao fixar na quinta-feira tarifas que iam muito além do esperado - 10% para quase todos os países e de até 50% para determinadas nações -, não restou a menor dúvida de que, se houver barganhas, as ofertas, para serem aceitas, terão de ser “fenomenais”, como disse Trump. A diferença entre os objetivos tarifários de Trump e o velho protecionismo é que os objetivos de agora não são mais apenas econômicos, mas geopolíticos e de exibição de poder. Trump taxou México e Canadá para exigir que seus principais parceiros comerciais vizinhos acabassem com a exportação clandestina aos EUA de fentanil e da imigração ilegal pelas fronteiras mexicanas.

Contra a China, alvo principal dos EUA já há quase uma década, foi imposta uma média tarifária que ultrapassa 60%, suficiente para impedir a entrada de todos os seus produtos no mercado americano. O presidente Xi Jinping revidou, colocando impostos de importação de 34%, o que, com sanções anteriores, leva a proteção tarifária contra bens dos EUA a mais de 50%. Pequim resolveu igualar a ofensiva e esperar uma negociação, um lance que forçará Trump à mesa ou a dobrar a aposta. Basta, no entanto, comparar a magnitude das tarifas em discussão com as que eram consideradas altas antes - as do Brasil, por exemplo, com taxa efetiva de 13% - para se medir a distância que o comércio global está tomando de uma ordem comercial baseada em regras e fronteiras abertas.

A resposta chinesa, que insinua uma guerra comercial em grande escala e um cisma entre as duas principais economias, forçou a uma reavaliação atabalhoada dos ativos que derrubou o preço de todos - ações, commodities e moedas. Apesar da convicção da equipe de Trump, o epicentro do terremoto tarifário, com danos de monta, está nos Estados Unidos. Na sexta-feira, durante nova turbulência nos mercados, o JP Morgan avaliou que as chances de recessão nos EUA subiram de 40% para 60%. Os mercados futuros indicaram esperar quatro ou cinco cortes de juros de 0,25 ponto pelo Federal Reserve.

Jerome Powell, presidente do Fed, não encorajou essas apostas e ressaltou na sexta seus dilemas. As tarifas acabaram “sendo mais altas que as esperadas”, o que, então, provocará “inflação mais elevada e crescimento mais baixo”. Ambos os objetivos da política monetária do banco podem caminhar em direção oposta, e o Fed, diante de incertezas que se tornaram enormes, não tem clareza sobre o futuro.

Os sinais sobre o rumo do dólar mudaram abruptamente de um dia para o outro. Na quinta, teve uma das maiores quedas, 1,6%, ante uma cesta de moedas. Na sexta, disparou, com a corrida para a segurança em direção à moeda e aos títulos americanos (os de 10 anos recuaram abaixo de 4%, indício de desaceleração forte da economia). A queda favoreceu a valorização do real e a redução importante dos juros futuros, criando uma expectativa fugaz de que o BC poderia até encerrar logo o ciclo de alta da Selic e a inflação cairia mais rapidamente. Na sexta, viu-se que isso pode ser uma ilusão.

A resultante do protecionismo e da política econômica de Trump pode ser um dólar fraco - o contrário do que pretende. As tarifas vão encarecer as exportações e as retaliações, fechar-lhes mercados. Em todas as simulações, com as tarifas, as exportações americanas caem mais do que as importações. Um dólar fraco as estimularia, mas erodiria a força tarifária ao baratear compras do exterior. Um dólar forte não ajudaria a botar fim ao déficit comercial. Não há, porém, como prever ainda a direção futura da moeda.

O petróleo, commodity estratégica, desabou nos dois dias de tumultos (o Brent caiu 10% e o WTI, 15%), e, com a perspectiva de desaceleração da economia global e aumento de produção da Opec+, não terá muito fôlego para alta. Ao lado de um dólar bem comportado, faria uma combinação boa para ajudar o BC a derrubar a inflação se o governo resolver fazer sua parte e cortar gastos. Mas a ordem econômica do pós-guerra ruiu e investidores, empresas e governos não têm a menor ideia do que tomará o seu lugar. Tarifa, uma peça quase em desuso no auge da globalização, tornou-se chave para a tentativa de acabar com o jogo do livre comércio.

Mesmo com surpresa no PIB, pessimismo avança

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra que, pela primeira vez no terceiro mandato de Lula, maioria dos brasileiros acha que economia piorou

Apesar da interrupção na queda de popularidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a recente pesquisa Datafolha, realizada entre 1º e 3 de abril de 2025, mostra que se tornou mais negativa a percepção da população a respeito do estado da economia, mesmo com crescimento acima do esperado.

Pela primeira vez no terceiro mandato de Lula, a maioria dos entrevistados (55%) considera que a situação econômica nacional piorou nos últimos meses, um salto de dez pontos percentuais desde dezembro de 2024.

A confiança da opinião pública também segue abalada: 36% agora esperam uma piora nos próximos meses, ante 28% em dezembro, enquanto os otimistas caíram de 33% para 29%. Já na esfera pessoal, embora a estabilidade predomine (39%), a sensação de piora subiu de 27% para 34%.

Na mesma direção, há expectativa majoritária de que a inflação continuará em alta (62%, ainda que abaixo dos 67% da leitura anterior) e pessimismo dominante quanto ao poder de compra dos salários —37% acham que vai diminuir, ante 30% que acreditam em aumento, relação um pouco melhor que a de dezembro.

Os números refletem a pressão inflacionária aguda, sobretudo em itens essenciais, como alimentos, que penaliza as famílias mais pobres desproporcionalmente. Tal situação foi impulsionada pelo gasto público e percebida pela população, que se torna descrente de uma virada positiva.

De fato, mesmo os indicadores favoráveis no mercado de trabalho —como a criação recorde de 431 mil vagas formais em 2025, segundo o Caged, e uma taxa de desemprego de 6,8%— não trazem alento nas respostas. Pelo contrário, 43% preveem fechamento de vagas, ante 41% em dezembro.

É um sinal de que o humor econômico pode estar mais atrelado à inflação do que ao emprego. A batalha contra a elevação de preços está longe de ser vencida. As projeções para a alta do IPCA neste ano estão em 5,65%, muito acima da meta de 3%. Não se espera grande melhora nos alimentos

A expectativa há poucos meses era a de que os juros altos, que devem se aproximar de 15% ao ano nos próximos meses, poderiam esfriar a atividade e abrir espaço para taxas menores e uma retomada da economia até 2026.

Para tanto, seria desejável paciência do governo, com contenção de gastos públicos, até que a política monetária pudesse fazer o seu papel. Não é o que indica o Planalto, contudo, ao insistir em medidas de estímulo que a esta altura apenas devem prolongar o período de juros elevados.

No mundo, cresceu o risco de recessão com as medidas tresloucadas do presidente americano, Donald Trump, que já provoca queda dos preços do petróleo e pode desvalorizar o dólar. Uma eventual apreciação do real e menores custos de energia podem reduzir a carestia interna.

De todo modo, trata-se de cenário hostil, com o qual Lula não demonstrou capacidade de lidar após dois governos de bonança.

Acordo com STF reduz farra das emendas parlamentares

Folha de S. Paulo

Deputados e senadores deram início ao processo de divulgação dos padrinhos de recursos enviados a Estados e municípios

Congresso Nacional deu mais um passo em seu acordo com o Supremo Tribunal Federal para racionalizar o uso das emendas parlamentares. Já não era sem tempo, pois esses repasses, do modo como têm sido feitos, comprometem sobremaneira a qualidade dos gastos públicos em um Estado já deficitário.

Como parte das exigências do STF, deputados e senadores começaram na semana passada o processo de divulgação, de forma individualizada, dos padrinhos de recursos enviados a estados e municípios por meio de emendas de comissão.

Espera-se, com isso, eliminar ao menos um dos graves problemas dessa modalidade de dispêndio: a falta de transparência sobre o real autor da indicação.

Resolver esse ponto não é questão de somenos. A transparência dos gastos públicos está presente em vários artigos da Constituição, em diretrizes que visam facilitar o trabalho dos órgãos de controle e garantir que o cidadão, por conta própria, possa verificar de que maneira os políticos empregam o dinheiro dos impostos.

A opacidade, contudo, não é a única distorção que precisa ser corrigida. Há outras, como o uso eleitoral das verbas, a baixa eficiência na aplicação e a desigualdade na distribuição —todas exemplificadas nas canetadas de Carlos Fávaro, senador licenciado (PSD) e ministro da Agricultura e Pecuária no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Cotado para concorrer ao Governo de Mato Grosso em 2026, Fávaro destinou R$ 29 milhões a Jangada (MT) em 2023. A cidade de 7.426 moradores reelegeu em primeiro turno o prefeito Rogério Meira (PSD), aliado do ministro. Feita uma conta básica, a bolada equivale a R$ 3.956 por habitante.

O valor chama a atenção em termos absolutos, mas algumas comparações evidenciam o despautério. Na média, municípios com prefeitos reeleitos foram beneficiados por aliados com R$ 85 por habitante. São Felipe d’Oeste (RO), a segunda cidade que mais recebeu dinheiro nesse grupo, ficou com R$ 1.940 por pessoa.

Para piorar, 98% da verba chegou a Jangada por meio das chamadas emendas Pix, que caíram direto no caixa da cidade, sem vinculação a projetos específicos.

A Folha procurou o ministério e a Prefeitura de Jangada para saber por que o valor foi tão alto e onde as verbas foram aplicadas. Não houve resposta.

Como parte do acordo com o STF, as emendas Pix agora só podem ser pagas mediante planos de trabalho. Avança-se aos poucos, mas ainda falta muito para interromper essa farra com a qual o Congresso se habituou.

O Brasil espremido entre EUA e China

O Estado de S. Paulo

Com baixa competitividade e pouca diversificação no comércio internacional, do qual participa com 1,5%, o Brasil ingressa numa nova ordem econômica mundial sem margem de manobra

Quando, em 2009, a China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, interrompeu quase 80 anos de liderança absoluta dos EUA nessa posição. Desde então, a China se consolidou como nosso maior mercado, respondendo, sozinha, por quase um terço de todas as exportações brasileiras. Em 2023 foram US$ 104,3 bilhões; em 2024, US$ 94,4 bilhões. Também vem da China a maior parcela de produtos importados pelo Brasil: no ano passado foram US$ 63,6 bilhões, enquanto dos EUA vieram US$ 40,6 bilhões.

O Brasil se beneficiou da abertura da China ao mercado global, iniciada no final da década de 1970 – depois da conversão chinesa a uma espécie de capitalismo de Estado, totalmente controlado pelo regime comunista. Foi um ganho quase “passivo”, já que do lado brasileiro o avanço na abertura de mercado foi mínimo e a forte intervenção estatal na economia, que ainda se mantém, tenha feito do Brasil também um modelo que lembra algo do capitalismo de Estado, embora a democracia tenha sido restaurada com o fim do regime militar.

O resultado é que, com baixa competitividade e fraca diversificação internacional, o País ingressa numa nova ordem econômica mundial espremido entre dois gigantes, com forte dependência da China e poder de barganha restrito com os EUA. A busca por novos mercados recentemente passou a ser intensificada, mas já num cenário de muita apreensão e incertezas. É recomendável que o Brasil atue diplomaticamente, mas pode fortalecer-se ao buscar associações que aumentem sua importância na disputa. Afinal, como num jogo de xadrez, o valor de cada peça depende muito da posição que ela ocupa no tabuleiro.

Como advertiu, em entrevista ao Estadão, o professor Matias Spektor, da Fundação Getulio Vargas (FGV), alguns setores industriais brasileiros poderão ser varridos do mapa com “uma enxurrada de produtos chineses” redirecionados a outros mercados depois da taxação de Donald Trump de 34% à China.

O Brasil não está preparado para uma invasão generalizada de produtos da China, que, saliente-se, é muito forte no comércio de eletrônicos, produtos têxteis, brinquedos, produtos químicos e agrícolas. Trata-se de uma ameaça concreta à indústria com potencial de abrir uma crise com o governo. Basta lembrar o protesto recente das montadoras que resultou numa sobretaxa à importação dos carros elétricos chineses. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) informou, no início do ano, que ainda estuda apresentar ao Ministério do Desenvolvimento um pedido para que as montadoras chinesas de carros elétricos sejam investigadas por suposta prática de dumping. Essa reação deve se verificar nos demais setores afetados.

Acostumada a uma economia excessivamente fechada e protecionista, a indústria nacional passou a investir pesadamente em lobbies e proporcionalmente menos na inovação e na produtividade necessárias para enfrentar a competição global. Na outra ponta, o agronegócio, que ampliou significativamente a produção investindo em tecnologia, ocupa o topo do comércio em diversos produtos, mas fica à mercê de preços que são fixados no mercado internacional. Entre as commodities agrícolas, a soja é o destaque, e dois terços da produção são exportados, tendo a China como principal comprador. Portanto, qualquer reviravolta mundial pode afetar seriamente a balança comercial brasileira.

A acertada e rápida reação do Congresso Nacional, que aprovou por unanimidade o Projeto de Lei da Reciprocidade, que abre ao governo a possibilidade de retaliação a barreiras comerciais que possam ser consideradas injustas sem a necessidade de aprovação de organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), é muito bem-vinda num momento de incertezas como o atual. Mas deve servir apenas como uma espécie de seguro, que o País contrata na esperança firme de não usar. O jogo agora ficou mais duro e com mais interesses em disputa.

STF manda governo do Rio fazer o óbvio

O Estado de S. Paulo

Ao julgar a ADPF das Favelas, corolário da bagunça institucional no País, STF determina que o governo fluminense ‘reocupe’ o território tomado pelo crime organizado, de resto uma obrigação

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, a chamada ADPF das Favelas. Trata-se de uma ação interposta pelo PSB, em novembro de 2019, que pedia ao STF para que fossem “reconhecidas e sanadas as graves lesões a preceitos fundamentais da Constituição praticadas pelo Estado do Rio de Janeiro na elaboração e implementação de sua política de segurança pública”. Primordialmente, a ADPF das Favelas visava à redução da letalidade das polícias fluminenses, então classificada pelo partido autor da ação como “excessiva e crescente”.

Uma pandemia depois, muito vaivém e não menos exploração política por todos os lados nos últimos cinco anos, o STF, enfim, chegou a uma decisão consensual (per curiam, no jargão jurídico) no dia 3 passado a partir de divergências entre o colegiado em relação ao relatório do ministro Edson Fachin. Tida como intervencionista demais em uma política pública que, ao fim e ao cabo, é de competência do Executivo, e não do Judiciário, a decisão liminar de Fachin exarada à época da propositura da ADPF das Favelas, de fato, fixava uma série de critérios para que operações policiais fossem realizadas naquelas localidades, o que, na prática, reduzia a autonomia das autoridades policiais.

Por outro lado, se não cabe ao STF se imiscuir em política pública típica do Executivo estadual, tampouco é possível fechar os olhos para a realidade incontornável de uma atuação policial, como a que se observa no Rio, que não raras vezes trata o respeito aos direitos humanos, às leis e aos primados da Constituição como meras aporrinhações no combate ao crime. Noutras palavras: uma ADPF como a ADPF das Favelas não é outra coisa senão um dos corolários de uma bagunça institucional que grassa no País há tempos, pois, se o governador Cláudio Castro (PL) fosse um exemplo de chefe de governo a serviço de uma política de segurança eficiente e republicana, decerto não haveria necessidade de o STF lhe cobrar respeito à Lei Maior.

Severo crítico da ADPF das Favelas, o sr. Castro, espertamente, usou a decisão monocrática do ministro Fachin para atribuir ao STF a criação de supostos “obstáculos” à atuação das polícias sob seu comando e até o aumento da criminalidade no Estado que ele governa. A bem da verdade, a ação, por si só, representa a completa desmoralização do governo do Rio, responsável maior pela segurança pública, e do governo federal, no limite de suas competências nessa seara – como, por exemplo, o controle de fronteiras por onde passam armas e drogas, além do combate aos crimes federais imbricados com o banditismo local.

Idealmente, o STF jamais deveria ter sido provocado a se pronunciar sobre os rumos da política de segurança pública no Rio ou em qualquer outro Estado. Menos ainda deveria ser instado a obrigar o governador Cláudio Castro a concluir, pasme o leitor, um plano de trabalho para a “reocupação territorial de áreas que estão atualmente sob domínio de organizações criminosas” no Estado, o que, segundo o mandatário, “será um desafio”.

No que pode ser considerado o ponto central da conformação ajustada entre os ministros, o STF decidiu desconsiderar o “estado de coisas inconstitucional” nas intervenções policiais em favelas do Rio. Na prática, isso retira da Corte a prerrogativa de interferir mais incisivamente nos rumos da política de segurança do Estado, o que agradou ao governador. Não obstante, o STF manteve algumas restrições, além de determinar o uso obrigatório de câmeras corporais por policiais no prazo de 180 dias.

Ademais, a Corte determinou que a Polícia Federal investigue a atuação das facções criminosas no Rio, o que poderá revelar as relações perigosas entre o crime organizado e autoridades do Estado.

Presente à sessão, Castro disse se sentir “contemplado” pelas modulações feitas pelo STF e que “ganha a segurança pública”. Espera-se que agora, livre dos “obstáculos” que ele acusou o STF de lhe impor, o governador possa oferecer à população do Rio – em particular para cerca de 1,5 milhão de pessoas que vivem nas favelas da capital fluminense – a segurança e a dignidade de que ela tanto carece.

O Pé-de-Meia inchado de Lula

O Estado de S. Paulo

Governo do PT turbina programa e custo salta R$ 5 bilhões após uma canetada do MEC

Criado com o objetivo de estancar a evasão no ensino médio, o Pé-de-Meia já custa mais de R$ 5 bilhões por ano em relação às projeções iniciais do governo Lula da Silva. De agosto de 2024 para este ano, o programa passou do patamar de R$ 7,1 bilhões para R$ 12,5 bilhões. O total de alunos a serem beneficiados com o incentivo financeiro para que não abandonem a escola saltou de 2,4 milhões para 4 milhões, segundo dados do Ministério da Educação (MEC).

De autoria da deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), o programa consiste no pagamento ao estudante de R$ 200 mensais, que podem ser sacados ou ficar numa poupança. Além disso, a cada ano cursado, o aluno ganha mais R$ 1 mil. Ao término, o beneficiário pode acumular, nos valores atuais, até R$ 9.200.

Concebido para atender os estudantes regulares da rede pública e de famílias assistidas pelo Bolsa Família, o Pé-de-Meia passou a abranger alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e de famílias com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo. Sua expansão se deu por meio de portaria, numa canetada do MEC.

O programa é daquelas boas ideias que o PT se esforça para estragar. Essa decisão do governo Lula de ampliá-lo suscita questionamentos. É de perguntar quais os critérios que justificaram o seu inchaço, se já houve uma avaliação da sua efetividade e se há recursos no Orçamento de modo que sua expansão não afete outras políticas públicas.

Para o diretor de Políticas Públicas do Todos Pela Educação, Gabriel Corrêa, “o programa ficou muito amplo e muito caro”, considerando que a evasão no ensino médio é de 4% a 5%. Para ter uma ideia, segundo o Censo Escolar de 2023, há 6,8 milhões de alunos no ensino médio público – esse é o dado mais recente, haja vista que o levantamento de 2024 está atrasado.

Corrêa pergunta se o Pé-de-Meia está chegando mesmo ao jovem que precisa. Não à toa, reportagem do Estadão apontou incongruências em seus dados, ao localizar três cidades onde o total de beneficiados supera o número de matriculados. Além disso, em 15 cidades 90% dos alunos do ensino médio estão no programa.

Vale lembrar ainda que o desenho institucional do Pé-de-Meia é problemático. Ele foi criado no ano passado fora do Orçamento, e seus pagamentos foram feitos por meio de um fundo privado administrado pela Caixa Econômica Federal, o que o colocou na mira do Tribunal de Contas da União (TCU). Na peça orçamentária de 2025, o governo até passou a prever o Pé-de-Meia, mas com apenas R$ 1 bilhão. Como o custo total ainda não está assegurado, a gestão Lula poderá ter de pedir crédito suplementar ao longo deste ano.

Como se vê, o governo optou por turbinar uma de suas principais vitrines eleitorais neste terceiro mandato presidencial – talvez a única – sem dimensionar seu público-alvo de forma correta nem se importar com gastos. Por já estar em campanha pela reeleição e com a popularidade em queda, Lula faz do Pé-de-Meia um trunfo eleitoreiro. O custo das irresponsabilidades de uma gestão do PT é sempre alto.

PNE e os desafios do começo ao fim

Correio Braziliense

As pesquisas e a realidade brasileira, por mais que pareçam ser matérias repetidas, revelam que o país segue sem tirar nota máxima no tema da importância de um ensino de qualidade

O Brasil continua cometendo erros preocupantes no ensino público ofertado, conforme indicam os números. Na última quinta-feira, dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostram que a taxa de alfabetização no país, em 2023, foi de 49,3% - o resultado saiu de provas de português e matemática aplicadas no 2º ano do fundamental a uma amostra de escolas.

O panorama desafia o próprio governo federal, que prega o alcance de um índice maior. O novo Plano Nacional de Educação (PNE), que deverá prevalecer por uma década e precisa ser votado pelo Congresso ainda em 2025, quer assegurar, até o quinto ano da próxima vigência, que pelo menos 80% das crianças estejam alfabetizadas ao final do 2º ano. A meta também visa garantir que, no encerramento do prazo de execução do PNE, todos os pequenos saibam ler e escrever na segunda série inicial dos estudos.

Amanhã, a Comissão de Educação (CE) promove mais um debate do ciclo de audiências públicas sobre o PNE - o projeto de lei do Executivo está em tramitação na Câmara. O objetivo do encontro é discutir a ampliação da participação popular na definição do plano que entrará em vigor. A iniciativa é fundamental, uma vez que a sociedade tem que ser ouvida para que as diretrizes estabeleçam formas possíveis de solução dos problemas e eliminação das desigualdades no sistema educacional.

Articular as demandas não é tarefa fácil, dada a grandeza territorial e as diferenças culturais do Brasil. Estabelecer políticas públicas em nível federal também exige disposição por parte de quem foi eleito pela população. O financiamento dos projetos — para que não fiquem apenas no papel — precisa ser um compromisso dos governos e do campo privado. O monitoramento das metas estipuladas deve ser feito regularmente. Sem a sincronia dessas ações, melhorar a formação nos anos iniciais fica impossível.

E o problema se estende: o ensino superior no país apresenta sua parcela significativa de questões a serem resolvidas. Fatores como tecnologia, digitalização e as mudanças nas expectativas dos estudantes têm redefinido a maneira como as universidades operam. Porém, nesse contexto amplo e de novidades constantes, surgem várias demandas que exigem estratégias eficazes para assegurar cursos alinhados às necessidades do mercado de trabalho.

Além disso, manter os universitários na sala de aula é uma preocupação crescente. Nas instituições federais, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), em 2023 cerca de metade das vagas não foram preenchidas - isso seria em torno de 285 mil oportunidades que, por algum motivo, não foram aproveitadas. Naquele mesmo ano, conforme o levantamento, 47,43% dos ingressantes terminaram o curso superior, ou seja, mais da metade ficou pelo caminho.

As pesquisas e a realidade brasileira, por mais que pareçam ser matérias repetidas, revelam que o país segue sem tirar nota máxima no tema da importância de um ensino de qualidade para o desenvolvimento da nação. Todo esse descompasso, do começo ao fim do processo educacional gratuito, engloba lições que devem ser sempre relembradas para que os erros não ocorram novamente. Da mesma forma, o aprimoramento tem que ser contínuo para que a educação coloque o Brasil em condições de oferecer uma vida melhor para a sua população.

O jornalista e a democracia

O Povo

Na habilidade de unir tradição com inovação, os jornalistas brasileiros garantem à sociedade o zelo por um bem imprescindível: a democracia

Neste 7 de abril comemora-se o Dia do Jornalista, instituído pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em homenagem ao jornalista Giovanni Battista Libero Badaró, assassinado em novembro de 1830 por lutar pelo fim da monarquia portuguesa e pela Independência do Brasil.

Quase dois séculos depois, o nome de Liberó Badaró é acompanhado por tantos outros jornalistas que labutam pela manutenção da democracia, cada vez mais frágil no mundo. Segundo o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), 2024 bateu recorde de jornalistas mortos mundialmente: pelo menos 124 profissionais foram assassinados em 18 países. Deles, 85 (68,5%) foram mortos na Faixa de Gaza por soldados israelenses.

A violência contra o jornalista também está materializada no assédio judicial — definido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) como "o uso de medidas judiciais de efeitos intimidatórios contra o jornalismo, em reação desproporcional à atuação jornalística lícita sobre temas de interesse público" — e na descredibilização sistemática do profissional e do fazer jornalístico.

A violência contra os profissionais é sintoma do autoritarismo crescente, fortalecido pela promoção de fake news. Nunca foi tão fácil e eficaz espalhar mentiras para manipular a opinião pública. Além de tecnologias avançadas usadas para falsificar imagens e vídeos, como os deep fakes, há também estratégias menos sofisticadas com igual impacto negativo, como falas e fotos tiradas de contexto.

Os jornalistas são atacados justamente por dominarem as técnicas de apuração, investigação e checagem, que garantem o combate às fake news e a denúncia do que alguns gostariam de manter obscuro. Foi assim que O POVO desvendou o esquema de venda de perfis do aplicativo 99POP, provocando mudança nas diretrizes da empresa; a ocupação irregular e construção de uma estrada nas áreas de preservação ambiental de Itarema e Amontada; o Escândalo dos Banheiros, caso de suposto desvio de verbas para a construção de kits sanitários no Ceará; e tantas outras reportagens e coberturas premiadas no decorrer dos 97 anos do veículo.

O ecossistema do jornalismo é extenso e depende da coletividade para fortalecer-se. Enquanto veículos nativos digitais e independentes contribuem com novas formas de pensar e fazer jornalismo, os meios tradicionais carregam séculos de experiência na vigilância da democracia, ancorando a credibilidade da qual a informação depende para ser levada a sério. Na habilidade de unir tradição com inovação, os jornalistas brasileiros garantem à sociedade o zelo por um bem imprescindível: a democracia.

 

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