O Estado de S. Paulo
A aposta de Trump nas
tarifas como estratégia eleitoral pode se revelar um tiro no pé
Quem observa a retórica
confiante de Donald Trump e o desânimo da oposição pode acreditar que o
presidente americano governará com força imbatível nos próximos quatro anos. De
fato, o que mais impressionou até agora foi a incapacidade do Partido Democrata
de encontrar uma fórmula para, pelo menos temporariamente, pautar a agenda do
debate público. No entanto, alguns acontecimentos recentes sugerem que os
primeiros dois meses da administração Trump poderão parecer, em retrospectiva,
os mais confortáveis para o presidente, que tem gozado de total controle do
discurso público.
As eleições em Wisconsin e na Flórida, no dia 1.º de abril, trouxeram sinais claros de que a maré pode virar. Em Wisconsin, a candidata progressista a um assento na Suprema Corte do Estado venceu com ampla margem a eleição mais cara da história desse órgão do Judiciário estadual. Já na Flórida, embora os republicanos tenham vencido duas eleições legislativas especiais para deputado federal, as grandes margens obtidas em novembro diminuíram de forma expressiva em ambos os distritos. O temor de perder cadeiras na Câmara é tão real que Trump abortou a indicação da deputada Elise Stefanik para embaixadora na ONU, pois seria necessária uma eleição especial em seu distrito para eleger seu sucessor – um reconhecimento implícito da vulnerabilidade eleitoral dos republicanos.
Esses sinais ganham
importância diante do novo pacote tarifário de Trump, que abriu uma fissura
dentro do próprio Partido Republicano. Para parte dos conservadores
tradicionais, a medida representa traição aos princípios de livre mercado.
CONTRADIÇÕES. Além disso, a
política de Trump enfrenta três contradições centrais que atingem diretamente
suas principais promessas de campanha – e os motivos pelos quais muitos
eleitores o levaram de volta à Casa Branca: reduzir a imigração ilegal, controlar
a inflação e estabilizar o cenário geopolítico.
A primeira contradição
envolve imigração e tarifas. Ao impor tarifas elevadas a países em
desenvolvimento, Trump enfraquece suas economias, o que inevitavelmente empurra
mais pessoas rumo à fronteira dos EUA. Ou seja, sua política comercial pode
sabotar sua própria meta imigratória.
A segunda contradição está
entre inflação e tarifas. Embora tenha sido eleito com a promessa de baixar os
preços, as tarifas generalizadas encarecem bens de consumo. O resultado mais
provável é a elevação do custo de vida, afetando sobretudo as famílias de mais
baixa renda.
Por fim, há um choque entre
a promessa de estabilizar o mundo e a postura agressiva da política externa.
Trump transformou a relação entre os EUA e o Canadá – uma das mais estáveis do
planeta – em fonte de fricção e de antiamericanismo, com boicotes a produtos
americanos. Uma invasão dos EUA no Panamá ou na Groenlândia tornou-se uma
possibilidade real, levando lideranças militares tanto na Europa quanto na
América Latina a discutir formas de reduzir sua dependência de segurança dos
EUA. Cresce a possibilidade de que ex-aliados dos EUA, como Alemanha ou
Polônia, desenvolvam armas nucleares. O risco de um conflito mais amplo no
Oriente Médio continua elevado. As tensões entre China e Taiwan se
intensificam. Mesmo um cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia não mudaria a
percepção, compartilhada por um número expressivo de governos, de que Trump
representa um fator de instabilidade geopolítica.
MUDANÇAS. Nada disso
significa que Trump não possa implementar amplas reformas durante seu segundo
mandato presidencial. De fato, sobretudo no âmbito externo, numerosas
iniciativas podem ser irreversíveis. Por exemplo: mesmo que o sucessor ou a
sucessora de Trump opte por normalizar a relação com o Canadá, o país vizinho
dificilmente voltará a depender de Washington. Afinal, ninguém pode garantir
que um trumpista não assumirá o poder em Washington no próximo ciclo eleitoral.
Mesmo assim, seria um erro
presumir que Trump poderá continuar governando com a mesma ambição e velocidade
que marcaram seus primeiros dois meses de governo. Em novembro deste ano, os
estados de Virgínia e Nova Jersey elegerão novos governadores – disputas que
serão vistas como indicativos importantes do clima político no país. Com as
eleições legislativas de 2026 no horizonte, a possibilidade de os democratas
retomarem a Câmara dos Deputados ganha força. Nesse caso, Trump ainda terá
controle sobre o Senado, mas um Congresso dividido limitaria fortemente sua
agenda. Não seria algo inédito – Clinton, Obama e o próprio Trump em 2016
assumiram o poder com controle total do Congresso e perderam ao menos uma das
casas já nas primeiras eleições de meio de mandato.
A aposta nas tarifas como
estratégia eleitoral pode se revelar um tiro no pé – e a história talvez
registre abril de 2025 como o momento em que o trumpismo atingiu seu auge.
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