Valor Econômico
Uma coisa é o impacto econômico do fator Trump no Brasil a médio e longo prazos e outra é seu efeito político a curto prazo
Lá atrás, durante o segundo governo Lula, já
havia a polarização política no país, entre o PT governista e o PSDB
oposicionista. Foi a época em que “The Economist” colocou o Cristo Redentor
decolando na capa e um jornalista da revista inglesa escreveu “Já é amanhã no
Brasil”.
Tucanos procuravam depreciar o governo que
dava certo e ganhava credibilidade internacional. Citavam três razões para o
sucesso: herança, juízo e sorte. Herança porque Lula teria recebido a economia
arrumada por Fernando Henrique Cardoso, com privatizações, inflação baixa e
contas em dia. Juízo porque Lula teria seguido a mesma política neoliberal de
FHC. E sorte por pegar um período de crescimento global e boom das commodities.
Há verdades e exageros nessas avaliações. Herança existia, mas incompleta, porque FHC deixara uma vultosa dívida externa a ser paga. Juízo era discutível, porque Lula não seguiu totalmente a política neoliberal. Houve lances de sorte, mas também o azar de enfrentar, em 2008, a maior crise financeira internacional desde 1929.
Não é hora, porém, de retomar essas memórias.
Lula tem tido, indiscutivelmente, um bocado de sorte em sua trajetória como
candidato e governante. E hoje, alguns estão achando que a maluquice
tarifário-nacionalista de Trump pode acabar ajudando o Brasil e, por tabela,
Lula. Outros preveem um desastre para o país e para o presidente.
Os que apostam na sorte de Lula têm
argumentos óbvios e já amplamente citados. Em sua política trapalhona que
“morde e assopra”, Trump impôs tarifas de até 145% para produtos da China e
acaba de reduzi-las temporariamente para 30% após acordo do fim de semana.
Mesmo com o recuo, os importadores americanos tenderiam a procurar novos
fornecedores, entre eles os do Brasil, menos taxado (10%).
A retaliação chinesa, impondo tarifas de até
125% para produtos americanos, agora reduzidas para 10% numa trégua 90 dias,
também seria favorável ao Brasil, que passaria a vender mais commodities como
soja, milho e carnes para a China no lugar dos EUA.
A taxação do México e do Canadá também
abriria oportunidades para acessar o mercado americano a outros países, entre
eles o Brasil, especialmente no setor automobilístico.
A instabilidade criada pelo tarifaço
americano abriria espaço para o avanço de negociações de acordos multilaterais
com União Europeia, Brics e Ásia. E o enfraquecimento do dólar valorizaria o
real e ajudaria a baixar a inflação brasileira.
Os que preveem o desastre também têm opiniões
já bastante mencionadas. A mais óbvia sustenta que o tarifaço provocaria
inflação e desaceleração da economia global. Desaquecimentos e recessões
nacionais reduziriam a demanda de commodities. Mesmo que o Brasil venha a
aumentar as exportações para a China, pode perder vendas para outros mercados.
Outro aspecto negativo: o Brasil não teria
capacidade de produção para oferecer aos americanos manufaturados normalmente
fornecidos pela China, como itens eletrônicos e tecnológicos. E o vácuo deixado
pelos chineses seria ocupado por fornecedores mais competitivos e qualificados.
A própria China, com subsídios à indústria, poderá manter sua competitividade
caso a tarifa final venha a ser 30%.
Além de afetar a demanda por commodities e
outros produtos brasileiros, a desaceleração global aumentaria a volatilidade
cambial, ruim para o Brasil.
Vale considerar, porém, que uma coisa é o
impacto econômico do fator Trump no Brasil a médio e longo prazos e outra é seu
efeito político a curto prazo. O estrago do tarifaço obviamente enfraquecerá a
direita que torceu por Trump ao redor do mundo. O Canadá já inverteu sua rota,
descartou um conservador e elegeu um progressista com discurso antiTrump. A
Austrália, também.
No Brasil, para comemorar a eleição de Trump,
o governador Tarcísio de Freitas, possível candidato da direita na eleição
presidencial do ano que vem, se expôs com o boné “Make America Great Again”,
imagem que ele hoje talvez gostasse de banir das redes sociais. Várias atitudes
de Trump assustaram e calaram eleitores da extrema direita pelo mundo:
desmantelamento do governo, hostilidade a imigrantes e minorias, desprezo a
leis, ataques à pesquisa e à ciência, repúdio à medicina e às teses sobre o
clima, desrespeito às instituições multilaterais, como a ONU, e abandono da
ordem mundial liberal.
Com um receituário egocêntrico, o índice de
aprovação de Trump desabou. Ele é o presidente dos EUA com menor aprovação
(39%) aos cem dias de mandato nos últimos 80 anos.
Sorte de Lula? Pode ser. Mas também pode ser
que o estrago vindo dos EUA seja tão forte que o governo Lula venha a ser
acusado de omissão por não adotar contramedidas eficazes. A inflação pode
aumentar mais do que o esperado, apesar dos juros já astronômicos. Pouco
importa se a dívida pública vai subir para 90% ou 100% do PIB. O eleitor não
está nem aí para isso - quer saber de empregos bem remunerados e dos preços no
supermercado, principalmente.
Outras questões internas, como a falsa
taxação do Pix e o roubo dos beneficiários do INSS, podem prejudicar a imagem
Lula. Mas no caso do INSS, se tiver juízo e sorte, ele pode até ser avaliado
como o presidente que devolveu uma bolada de dinheiro ao bolso de 4 milhões de
aposentados roubados desde os governos Temer e Bolsonaro.
De qualquer forma, com ou sem acordo
definitivo EUA-China, a pandemia tarifária americana já contaminou o mundo e
terá grande influência na economia e na eleição brasileira. É impossível prever
se será para o bem ou para o mal, até porque ninguém sabe quais cartas ainda
podem sair da manga de Trump, talvez nem ele.
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