terça-feira, 13 de maio de 2025

A sorte e o azar de novo na rota de Lula - Pedro Cafardo

Valor Econômico

Uma coisa é o impacto econômico do fator Trump no Brasil a médio e longo prazos e outra é seu efeito político a curto prazo

Lá atrás, durante o segundo governo Lula, já havia a polarização política no país, entre o PT governista e o PSDB oposicionista. Foi a época em que “The Economist” colocou o Cristo Redentor decolando na capa e um jornalista da revista inglesa escreveu “Já é amanhã no Brasil”.

Tucanos procuravam depreciar o governo que dava certo e ganhava credibilidade internacional. Citavam três razões para o sucesso: herança, juízo e sorte. Herança porque Lula teria recebido a economia arrumada por Fernando Henrique Cardoso, com privatizações, inflação baixa e contas em dia. Juízo porque Lula teria seguido a mesma política neoliberal de FHC. E sorte por pegar um período de crescimento global e boom das commodities.

Há verdades e exageros nessas avaliações. Herança existia, mas incompleta, porque FHC deixara uma vultosa dívida externa a ser paga. Juízo era discutível, porque Lula não seguiu totalmente a política neoliberal. Houve lances de sorte, mas também o azar de enfrentar, em 2008, a maior crise financeira internacional desde 1929.

Não é hora, porém, de retomar essas memórias. Lula tem tido, indiscutivelmente, um bocado de sorte em sua trajetória como candidato e governante. E hoje, alguns estão achando que a maluquice tarifário-nacionalista de Trump pode acabar ajudando o Brasil e, por tabela, Lula. Outros preveem um desastre para o país e para o presidente.

Os que apostam na sorte de Lula têm argumentos óbvios e já amplamente citados. Em sua política trapalhona que “morde e assopra”, Trump impôs tarifas de até 145% para produtos da China e acaba de reduzi-las temporariamente para 30% após acordo do fim de semana. Mesmo com o recuo, os importadores americanos tenderiam a procurar novos fornecedores, entre eles os do Brasil, menos taxado (10%).

A retaliação chinesa, impondo tarifas de até 125% para produtos americanos, agora reduzidas para 10% numa trégua 90 dias, também seria favorável ao Brasil, que passaria a vender mais commodities como soja, milho e carnes para a China no lugar dos EUA.

A taxação do México e do Canadá também abriria oportunidades para acessar o mercado americano a outros países, entre eles o Brasil, especialmente no setor automobilístico.

A instabilidade criada pelo tarifaço americano abriria espaço para o avanço de negociações de acordos multilaterais com União Europeia, Brics e Ásia. E o enfraquecimento do dólar valorizaria o real e ajudaria a baixar a inflação brasileira.

Os que preveem o desastre também têm opiniões já bastante mencionadas. A mais óbvia sustenta que o tarifaço provocaria inflação e desaceleração da economia global. Desaquecimentos e recessões nacionais reduziriam a demanda de commodities. Mesmo que o Brasil venha a aumentar as exportações para a China, pode perder vendas para outros mercados.

Outro aspecto negativo: o Brasil não teria capacidade de produção para oferecer aos americanos manufaturados normalmente fornecidos pela China, como itens eletrônicos e tecnológicos. E o vácuo deixado pelos chineses seria ocupado por fornecedores mais competitivos e qualificados. A própria China, com subsídios à indústria, poderá manter sua competitividade caso a tarifa final venha a ser 30%.

Além de afetar a demanda por commodities e outros produtos brasileiros, a desaceleração global aumentaria a volatilidade cambial, ruim para o Brasil.

Vale considerar, porém, que uma coisa é o impacto econômico do fator Trump no Brasil a médio e longo prazos e outra é seu efeito político a curto prazo. O estrago do tarifaço obviamente enfraquecerá a direita que torceu por Trump ao redor do mundo. O Canadá já inverteu sua rota, descartou um conservador e elegeu um progressista com discurso antiTrump. A Austrália, também.

No Brasil, para comemorar a eleição de Trump, o governador Tarcísio de Freitas, possível candidato da direita na eleição presidencial do ano que vem, se expôs com o boné “Make America Great Again”, imagem que ele hoje talvez gostasse de banir das redes sociais. Várias atitudes de Trump assustaram e calaram eleitores da extrema direita pelo mundo: desmantelamento do governo, hostilidade a imigrantes e minorias, desprezo a leis, ataques à pesquisa e à ciência, repúdio à medicina e às teses sobre o clima, desrespeito às instituições multilaterais, como a ONU, e abandono da ordem mundial liberal.

Com um receituário egocêntrico, o índice de aprovação de Trump desabou. Ele é o presidente dos EUA com menor aprovação (39%) aos cem dias de mandato nos últimos 80 anos.

Sorte de Lula? Pode ser. Mas também pode ser que o estrago vindo dos EUA seja tão forte que o governo Lula venha a ser acusado de omissão por não adotar contramedidas eficazes. A inflação pode aumentar mais do que o esperado, apesar dos juros já astronômicos. Pouco importa se a dívida pública vai subir para 90% ou 100% do PIB. O eleitor não está nem aí para isso - quer saber de empregos bem remunerados e dos preços no supermercado, principalmente.

Outras questões internas, como a falsa taxação do Pix e o roubo dos beneficiários do INSS, podem prejudicar a imagem Lula. Mas no caso do INSS, se tiver juízo e sorte, ele pode até ser avaliado como o presidente que devolveu uma bolada de dinheiro ao bolso de 4 milhões de aposentados roubados desde os governos Temer e Bolsonaro.

De qualquer forma, com ou sem acordo definitivo EUA-China, a pandemia tarifária americana já contaminou o mundo e terá grande influência na economia e na eleição brasileira. É impossível prever se será para o bem ou para o mal, até porque ninguém sabe quais cartas ainda podem sair da manga de Trump, talvez nem ele.

 

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