Há mais de um ano o Voto Positivo fez conhecer um texto onde se chamava a atenção sobre a “importância da leitura na primeira infância”. Naquele breve texto contava-se como um garoto se tornou leitor em outrora entre os livros de seu irmão mais velho e como hoje existem barreiras a leitura advindas da hipermodernização.
Daquela iniciativa brotou a curiosidade nos
leitores e leitoras de se buscar saber como aquele menino antes de se tornar o
leitor na primeira infância havia começado a ler.
Dessa dúvida interessante começamos um
exercício dificílimo da busca da memorização.
Não sabemos os endereços para lhes contactar. Também não compõem de estar a mão facilmente nas memórias se elas e eles teriam caixa postal. Não saberíamos dizer se vovô português tinha uma para nossos parentes da Terra Estrangeira (1996). Sabe-se que esse recurso a despeito do seu proposito bem pode servir para destruir nomes preciosos por coordenadas ocas.
Ignoramos seus telefones porque naquela época
havia agendas de papel e nós não a utilizávamos para o exercício da escrita, a
parceira que deve ser inseparável da leitura. E mais: temos certeza de que nas
nossas listas imaginárias, borrada como todas as memórias, teríamos que colocar
uma linha, desnecessária para o que é importante nesta escrita, em muitos nomes
porque elas e eles já se foram. Onde quer que tenham ido, gostaríamos que
pudessem receber estas palavras: nunca se sabe.
Em poucas noites passadas começamos um outro
livro novíssimo que já em suas linhas iniciais se faz extraordinário e estamos
ligados e vidrados. Chama-se Sinfonia Barroca: o Brasil que o povo
inventou (Rio de Janeiro: Ateliê de Humanidades Editorial, 2025). Na
semana passada tivemos que virar a última página de outro, ótimo. Todos os
meses, por causa do ofício como contado anteriormente, sigo aprendendo,
mergulho num novo.
A leitura faz parte da nossa vida e do
trabalho com o qual somos pagos para fazê-lo. Livros e textos de todos os
tipos: para entender uma persona com o sobrenome Marx, que já existe há muito
tempo; textos que me são dados há mais de 20 anos por quem entra nas aulas que
conduzimos, com os quais gostamos e sofremos; artigos dos nossos Colegas que
precisamos opinar, teses com as quais aprendemos muito mais do que
contribuímos: somos, felizmente, professores e professoras.
Isso faz parte do ganha pão com decência, mas
estamos pensando agora nos romances, nos contos, nas histórias que são todas
inventadas e lidas no uso da liberdade.
Sabemos ler, mas não nascemos com esse dom.
Foi-nos ensinado pela Mamma, pelas Mamãs, pelas professoras e professores, e
por vários dos nossos antepassados: aqueles que estão na lista de que falamos,
e a quem escrevemos aqui para dizer: obrigado.
Sabemos que nossa tarefa, quando escrevemos
no Voto Positivo, é mostrar também a complexidade aninhada no que chamamos de
educação, mas hoje, sem remédio, concentramo-nos no desejo de nossas
professoras e professores em nos ensinar a ler. Como reconhecer tantas mulheres
e homens que fizeram todo o possível para que nós soubéssemos ler, para
compreender os meandros da vida dos outros que só existem na história e na
verdadeira ficção de quem escreve, mas são mais plausíveis do que muitas das
pessoas com quem convivemos, que escondem as suas misérias na vaidade que o
espelho enganado da sua ridícula importância lhes devolve? E nos incluímos
nessa tribo, havia e haverá mais por vir.
Saber ler, ser leitora e leitor não redimido,
deixar-nos questionar pelo que comemos e bebemos que não está em desacordo com
a alegria do ritmo da prosa e a criatividade de usar ponto e vírgula, ou
pulá-los porque nos apetece, sem diminuir um pingo a construção de um mundo
diferente do cotidiano que, no entanto, nos ajuda a entender o significado e/ou
o absurdo de estar vivo.
Hoje sentimo-nos comovido pela importância de
seu trabalho paciente, amoroso e tenaz. Acho que, se nosso sistema educacional
gerou leitores, o resto é o mínimo. O problema está quando não o faz. É assim
que nós temos que pensar. E peço que vocês saibam da nossa gratidão a tantos
que tornaram isso possível de nós leitoras e leitores apaixonados.
Aos que nos deram este arado, a régua e o compasso com Aquele abraço (1969), obrigado, e aos que se esforçam ao sol de hoje para fazê-lo com nossas crianças e jovens, meus respeitos infindáveis: elas e eles são as e/ou os intelectuais mais importantes do planeta. Esse é o tamanho de sua tarefa, sua responsabilidade, e nossa gratidão é do mesmo tamanho.
*Ricardo Marinho é Presidente do Conselho
Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE,
da Teia de Saberes e do Instituto Devecchi.
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